Opinião
Uma política anticapitalista é possível?
Uma política anticapitalista é possível?
De LINCOLN PENNA*
A política emancipatória consiste sempre em fazer parecer possível justamente aquilo que, visto de dentro da situação, é declarado impossível.
(Alain Badiou, filósofo francês)
O título deste artigo tem sido ultimamente suscitado nas manifestações do povo francês, tendo como centro Paris, e voltou a ser incluído na pauta das manifestações, cujo conteúdo extrapola a questão da reforma previdenciária.
Mais significativo tem sido também o reencontro com as ruas, lugar preferencial dos atos visando a luta emancipatória do povo contra aqueles que orientados pela lógica capitalista vêm suprimindo e reduzindo direitos sociais alcançados historicamente nas lutas populares. É digno de nota, porque presentemente de uns tempos para cá parece que o mundo se restringiu às redes sociais. É bom lembrar, antes de tudo, que nessas redes não há lugar para revolucionários que queiram mudar o mundo. Isto só pode e deve acontecer na reunião das massas organizadas e conscientes de seu papel.
As redes sociais têm boas e más intenções dependendo de quem as utiliza e para que fins elas são usadas. Mas, o grande poder que emana do capital e de sua fúria acumulativa lança mão desse meio de comunicação para atender as suas finalidades, até porque se esse canal midiático não lhe servisse certamente seria descartado e sua irradiação imediatamente suprimida pelos poderes dos estados que controla.
É salutar ver as pessoas nos espaços públicos protestando e reafirmando as suas convicções voltadas para à construção de um mundo melhor, passados cerca de três anos de uma pandemia que parece estar no fim de seu atual ciclo. Claro que as redes sociais podem e têm expandido esses protestos, mas é também claro que as desinformações com vistas a sua neutralização junto aos demais povos integra essa operação “abafa”, de modo a tentar neutralizar os seus efeitos junto à opinião pública mundial.
A literatura sobre a crise agônica do capitalismo e as perspectivas de uma sociedade pós-capitalista tem surgido com alguma frequência, o que demonstra o quanto aqueles que não operam o sistema de acumulação e lucros se encontram saturados e abertos para alternativas que venham a atender às demandas contidas na consigna de que um outro mundo é possível.
O livro de Jonathan Crary, por exemplo, intitulado Terra Arrasada: Além da era digital, rumo a um mundo pós-capitalista lançado pela editora Ubu este ano é uma dessas obras que ao mesmo tempo nos alerta para o caminho desastroso desse modo de vida capitalista e também nos desperta para a necessidade de se tomar atitudes com vistas à construção de um novo modo de vida compartilhado fora das redes, exatamente a partir de um forte comprometimento com a prática da solidariedade, que não passa apenas boas ou más informações, mas pelo afeto e comunhão de destino comum.
Se hoje o desejo de mudar o mundo é para muitos uma vaga utopia rasteira, aquela que não passa de um sonho acalentado e sem nenhuma possibilidade de realização, a epígrafe que abre este texto nos adverte, com certa razoabilidade, que é desses sonhos que nascem as grandes transformações da humanidade. Algumas, é verdade, não se concretizam; outras se realizam parcialmente a deixar sempre frustrações. Porém, tentar agir com vistas à construção de uma vida digna para todos deve merecer no mínimo os estímulos para vir a acontecer
Aqui neste espaço no qual estou a dialogar com os que me dão a honra de acompanhar os meus escritos, tenho feito menção à necessidade de se pensar a revolução brasileira como parte integrante de um processo de mudanças radicais no mundo, sempre no sentido de ir ao encontro da raiz dos problemas nossos e de outros povos, como se deve compreender os processos revolucionários.
Feita essa observação segundo a qual ao falar de revolução estou empregando o seu sentido mais genuíno, isto é, o de revolver práticas que precisam ser removidas a partir da disposição de se viver comunalmente. Essa disposição parte, portanto, de uma consciência de pertencimento comum, daí ter um DNA necessariamente comunista, dado que só assim é possível criar uma fraternidade universal. Este objetivo que se encontra na origem mesma da humanidade tem sido bombardeado pela ideologia anticomunista que se escora em experiência inconclusas de modelos socialistas de estado igualmente ainda em fase de adequação aos propósitos que os orientou.
Assim, as revoluções sociais ocorridas no século XX concretizadas a partir da tomada do poder instituído e passado para os revolucionários responsáveis pela implantação dos experimentos socialistas sobejamente conhecidos, pecaram num aspecto: não terem enfatizado devida e concretamente junto aos seus militantes a importância da educação socialista / comunista, muitos dos quais contaminados ainda com os valores do modo de vida anterior.
Esse desafio de promover a revolução simultaneamente nas sociedades e no seio da cidadania, mais especificamente nos indivíduos, que venham a participar dessas empreitadas é de fundamental importância, sem o que todo esforço por mais bem intencionado por parte de lideranças dos movimentos revolucionários será fadado ao fracasso devido ao não enfrentamento de sérios problemas porque em muitos casos derivados da lógica capitalista que se impregnou em suas vidas.
Diante do exposto, mais do que uma teoria revolucionária ajustada a uma prática revolucionária é preciso que haja uma educação que revolucione o comportamento e as atitudes daqueles que se dispõem a mudar radicalmente a vida comunitária não importa se das pequenas, médias ou grandes comunidades. Sobre isso já dizia o educador Paulo Freire, a educação por si só não faz revolução, mas sem ela não há revolução, traduzindo livremente o pensamento de um ser revolucionário que foi no âmbito da prática educativa. Por sinal, sentença esta que foi subscrita com vigor pela professora Maria Yedda Linhares.
Por fim, a revolução que se diz estar a acontecer em virtude da infernal presença da tecnologia e dos algoritmos a invadir nossas vidas e monitorá-las não deve fazer delas apenas lixos desprezados de um modo de produção que escanteou a humanidade em prol dos seus investidores compulsivos.
Os seres movidos pela razão saberão coletivamente dar o passo certo para direcionar os inventos produzidos pela sabedoria humana, pois só esta pode ser um empecilho para a desventura de um mundo tecnológico de utilização perversa que não consulta os reais interesses dos que produzem efetivamente, e será capaz de interromper essa corrida tresloucada que pode nos levar ao término da existência humana.
No momento, este é o grande desafio, pois superá-lo faz parte das tarefas de construção de um novo mundo.
*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
Toque novamente para sair.