Opinião
Um pouco de humanidade, por favor!
Um pouco de humanidade, por favor!
De ALCIONE MALHEIROS DOS SANTOS*
O episódio que encheu as principais capas de jornais e telejornais do país foi a descoberta de trabalhos análogos à escravidão em Bento Gonçalves.
Logo que repercutiu a notícia, e para não deixar dúvidas de que este episódio incomodou menos do que a repercussão sobre as empresas, a CIC-Bento Gonçalves (Centro da Indústria, Comércio e Serviços) lançou uma nota infame em que justifica o fato como resultado de que “há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”.
O desastre da nota foi tão grande, que a entidade emitiu outra para dizer que não disse o que disse.
É imperativo lembrar que uma entidade é gerida por pessoas, no caso da CIC, por empresários! Isto quer dizer que empresários emitiram esta nota!
Apenas para recordar: em 2022, empresários ligados à mesma entidade pressionaram para ela cancelar uma palestra do então presidente do STF, Luiz Fux, ameaçando boicotar os patrocinadores do evento. Também houve ameaças diretas ao ministro, o que fez com que ele desistisse de vir ao estado, por medida de segurança. O STF já era o alvo preferencial do ódio bolsonarista!
E ontem, um vereador do partido Patriota de Caxias do Sul não apenas justificou o trabalho análogo a escravidão, como vomitou xenofobia, racismo e preconceito. O asqueroso discurso do vereador repercutiu no Brasil inteiro e muito provavelmente ele terá que se explicar na justiça. Como todo covarde, depois da repercussão, ele tentou se explicar e disse que não tinha a intenção de dizer o que disse.
O que isto tem a ver com o que o país viveu nos últimos dez anos? O discurso do ódio, que foi inoculado na sociedade brasileira e que atingiu seu paroxismo na eleição em 2018, que elegeu um governo que agora se está vendo as entranhas do que produziu, como as imagens dos índios Yanomamis que chocaram o mundo todo. O discurso do ódio, do aniquilamento, da destruição, do preconceito, do falso e fanático apelo religioso, na supremacia racial e social, fizeram com que pessoas como aquele vereador ou os empresários da CIC perdessem o pudor de dizer o que disseram e encontraram um culpado para a ignóbil condição de trabalho daquelas pessoas. Para lembrar, sempre lembrar: Bolsonaro teve 75,80% dos votos em Bento Gonçalves. Isto quer dizer que tudo o que ele fez nos infames últimos quatro anos, seu discurso de ódio e preconceito, encontrou 75,80% de apoio em Bento Gonçalves. E não é só. Em Nova Pádua, também na serra, 92,96 % concordam com o discurso bolsonarista!
A arrogância e prepotência com que o Rio Grande do Sul sempre olhou para o resto do Brasil não é novidade. Esquecem que este estado foi construído por imigrantes de todas as origens. Muitos dos dirigentes destas empresas são descentes destes imigrantes! Os imigrantes italianos que aqui chegaram, emigraram para fugir da miséria, da fome e das guerras. Muitos dos que aqui chegaram foram também explorados e enganados por uma elite rural que dominava a economia do país. Os fazendeiros, acostumados a tratar os escravizados através da violência e punição, tentaram fazer a mesma coisa com os imigrantes que aqui estavam chegando. Foram imigrantes suíços, em 1856, os responsáveis pela primeira rebelião de trabalhadores no Brasil, indignados com as péssimas condições de trabalho e de vida nas lavouras de café, num episódio que ficou conhecido como a Revolta dos Imigrantes.
Empresas e entidades são geridas por pessoas. Na infame lava jato, a pretexto de combater a corrupção, os “paladinos da moral” que queriam acabar com a política (hoje são políticos eleitos), destruíram empresas e destruíram milhares de empregos, deixando seus dirigentes impunes e ricos.
Não é a empresa que deve ser punida. Empresa gera emprego, gera impostos, gera qualidade de vida e desenvolvimento. É disto o que o Brasil precisa. O que é preciso fazer é punir aqueles que dirigem as empresas e que deveriam dar o exemplo de respeito à dignidade humana. Em pleno século XXI episódios como estes de trabalho degradante são absolutamente inadmissível !
A punição é um remédio adequado para que estes dirigentes percebam que condições de trabalho digno, saúde, educação, renda, são imperativos para a construção de uma sociedade cidadã, digna deste nome.
E que um pouco de humanidade é bom para todos. Inclusive para as empresas!
*Empresário. Integrante do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.
Imagem em Pixabay.
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