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Opinião

Títulos de Dívida Pública contra Dolarização

Títulos de Dívida Pública contra Dolarização

Artigo por RED
28/07/2023 05:30 • Atualizado em 30/07/2023 11:49
Títulos de Dívida Pública contra Dolarização

De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

No primeiro governo Lula, foi realizada a “desdolarização” da dívida pública brasileira, cujos títulos com correção cambial representavam 1/3 dela, em 2002. Mantiveram-se abaixo de 1% do total até 2012.

Os pós-fixados (LFTs) eram cerca da metade, na média anual 1999-2005, e caiu para a média anual de 21,5% nos dez anos seguintes, chegando a ser apenas 4,5% do total em 2014. Em contrapartida, os prefixados (LTNs) aumentaram nos respectivos períodos da média de 10,8% para 31% do total. Os corrigidos por índice de preços (NTNs) passaram de 9,5% (1999-2004) para 24% (2005-2015).

Esses dois últimos indexadores, demandados mais quando a taxa de juro básica está em baixa, permitem uma administração da dívida pública com melhor perfil de vencimentos. Os pós-fixados são demandados por investidores quando a SELIC está em alta.

Nos anos imediatos pré-golpe, os títulos de dívida pública com correção cambial voltaram a crescer, para oferecer hedge ao capital estrangeiro, atingindo 12,5% em 2015. Nos anos seguintes, as participações dos três tipos de títulos de dívida pública ficaram mais similares, em torno de ¼ cada qual, o restante com correção cambial (5%) e em operações compromissadas (20%).

As operações compromissadas envolvem a venda temporária de títulos públicos (ou privados em menor escala) com um acordo para reverter (recomprar) a operação em uma data futura específica. Essas operações são conduzidas principalmente entre bancos comerciais, no mercado interbancário, e com o Banco Central do Brasil (BCB), no mercado aberto, ou seja, em operações de open-market.

Entre 1999 e 2005, carregavam em média anual 3% do total dos títulos de dívida pública. O estoque deles se elevou de R$ 439 bilhões para um trilhão de reais nesse período. Em maio de 2023, atingiu R$ 7 trilhões!

A partir de 2007, com o progressivo acúmulo de reservas internacionais, para enxugar o impacto monetário da compra de dólares com pagamentos em reais, as operações compromissadas foram crescentes, passando para a média de 21% do total da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) no período 2007-2018. No período de retrocesso econômico-financeiro (2019-2022), caiu para a média anual de 17% do total.

Nas operações compromissadas de compra, o Banco Central compra títulos de um banco comercial ou de outra instituição financeira com o acordo de vender esses títulos de volta em uma data futura pré-determinada. Acima de um mês, foram em média 18,7% do estoque de DPMFi no período 2007-2018. A partir da pandemia, caíram até 2%. As operações até um mês aumentaram de 1,8% (2007-2019) para 13,5% (2020-2023).

Essa compra é feita pelo Banco Central para retirar, temporariamente, o excesso de liquidez do sistema financeiro e controlar as taxas de juros de curto prazo, colocando o juro-mercado no patamar do juro-meta anunciado. Imagina assim reduzir a quantidade de dinheiro em circulação e, através de uma recessão, diminuir a pressão inflacionária.

As operações compromissadas oferecem oportunidades para os participantes do mercado financeiro obterem retorno e liquidez em títulos públicos com risco soberano, garantido pelo Tesouro Nacional, acima de investimentos em dólares como na vizinha Argentina. Quando os agentes econômicos dolarizam sua reserva de valor, a economia fica ameaçada de hiperinflação pela disparada da cotação dessa moeda estrangeira no mercado paralelo, devido à fuga de capital do mercado financeiro formal.

O FMI considera os títulos na carteira livre do BCB para fazer operações compromissadas como parte da dívida pública, embora eles não estejam em poder do mercado. Por isso, projeta a DBGG do Brasil em 2023 será 88,4% do PIB – e não 73,6% conforme o BCB. Essa questão contábil está relacionada ao conceito de dívida pública de cada qual.

O FMI utiliza uma metodologia específica para calcular e comparar a dívida pública de diferentes países. De acordo com ela, os títulos mantidos na carteira livre do Banco Central representam um compromisso de pagamento do governo.

Embora esses títulos não estarem em circulação no mercado e sejam, de fato, detidos pelo próprio Banco Central, eles ainda representam uma obrigação de pagamento futura do governo brasileiro. Afinal, em algum momento, o Banco Central poderá vender esses títulos para bancos e outras instituições financeiras.

Assim, do ponto de vista contábil e estatístico do FMI, seria uma maneira de medir o total dos compromissos financeiros do governo, independentemente de esses títulos estarem ou não em circulação no momento da análise. Essa abordagem visa fornecer uma visão abrangente da posição financeira do governo do país e garantir a comparabilidade dos dados entre diferentes nações. O FMI busca padronizar essas métricas para o monitoramento e a análise da situação fiscal dos países membros.

É mais um elemento para demonstrar a interdependência – e não a independência do Banco Central do Brasil perante o Tesouro Nacional. A Caixa Única também demonstra.

Opera como um mecanismo de centralização de recursos financeiros do governo federal. Visa aperfeiçoar a gestão e a execução das operações financeiras do Tesouro Nacional e de outras entidades da administração pública federal.

A dinâmica de funcionamento entre a Caixa Única do BCB e o Tesouro Nacional pode ser resumida nos seguintes passos. O governo federal arrecada receitas de diversas fontes, como impostos, taxas, contribuições e receitas de operações financeiras. Ao mesmo tempo, ele realiza despesas públicas para custear serviços, programas, investimentos e outras obrigações governamentais.

Todas as receitas do governo federal são centralizadas na Conta Única, mantida pelo Tesouro Nacional no Banco Central, ou seja, todas as entradas financeiras do governo são depositadas nessa conta. Em contrapartida, todas as despesas do governo federal são executadas a partir dela. Quando o Tesouro Nacional precisa fazer pagamentos, como salários de servidores, transferências para estados e municípios, aquisições de bens e serviços ou pagamento de juros e amortizações da dívida pública, os recursos necessários são retirados da Caixa Única.

O BCB é responsável por gerenciar os saldos da Caixa Única, assegurando haver recursos suficientes para atender às obrigações de pagamento do governo. A gestão desses saldos também envolve a alocação de recursos excedentes em aplicações financeiras seguras e de curto prazo para obter retorno financeiro.

Portanto, a centralização dos recursos na Caixa Única facilita a transparência e o controle da execução orçamentária do governo federal. Todas as movimentações de receitas e despesas são registradas e monitoradas em um único local.

As receitas provenientes das reservas cambiais do Brasil, porém, não são alocadas diretamente na Caixa Única do Banco Central nem são pagas diretamente ao Tesouro Nacional. As reservas cambiais do país são ativos financeiros mantidos em moeda estrangeira e são administradas pela Autoridade Monetária brasileira.

A forma como as receitas das reservas cambiais são tratadas e utilizadas é um pouco diferente do fluxo de receitas e despesas do governo federal centralizadas na Caixa Única. Quando o BCB obtém lucros com as reservas cambiais, isso geralmente ocorre por meio de ganhos com a apreciação das moedas estrangeiras em relação à moeda nacional (real) ou com as aplicações financeiras dos recursos das reservas. Esse lucro é registrado pelo Banco Central e compõe seu resultado financeiro.

Ela passou a ser uma instituição financeira operacionalmente autônoma, mas não financeiramente. Como uma forma de receita extraordinária, a transferência do lucro obtido com as reservas cambiais ocorre de acordo com a legislação vigente e com critérios estabelecidos entre o Banco Central e o Tesouro. É uma forma de contribuir para o orçamento público e apoiar as finanças do governo.

O objetivo principal das reservas cambiais é garantir a estabilidade da taxa de câmbio e a capacidade de lidar com choques externos, assegurando a capacidade do país de honrar suas obrigações em moeda estrangeira e preservar a confiança dos mercados internacionais. A gestão das reservas cambiais, assim como dos títulos de dívida pública, é realizada de maneira alinhada com os objetivos de política monetária.

A política monetária é um dos principais instrumentos utilizados pelo Banco Central para influenciar a economia do país, controlando menos a oferta de moeda e mais a taxa de juros. Existem diversos mecanismos de transmissão da política monetária, ou seja, canais através dos quais as ações do BCB afetam a economia real: despesas financeiras perante o lucro operacional; expectativa do ritmo inflacionário; custo do crédito para consumidores e investidores; custo de oportunidade de aplicações financeiras para rentistas; efeito riqueza da (des)valorização de outros ativos como ações e imóveis; (dis)paridade entre juro interno e juro internacional reguladora da taxa de câmbio.

A questão-chave é: o Brasil não se dolarizou, como a Argentina, porque ofereceu uma riqueza financeira rentável, líquida e mais segura diante da especulação com o dólar?


*Professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007).

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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