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Opinião

TEXTO 8: Cancelamentos, boicotes

TEXTO 8: Cancelamentos, boicotes

Artigo por RED
16/03/2023 11:30 • Atualizado em 17/03/2023 10:08
TEXTO 8: Cancelamentos, boicotes

De ADELI SELL*

SE
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
(primeira estrofe do poema SE, de Rudyard Kipling)

Cancelamentos e boicotes são formas de protesto.

E não é de hoje que se fazem protestos. Na era capitalista tivemos o ludismo, movimento trabalhista na Inglaterra entre 1811 e 1816, caracterizado pela destruição de máquinas por trabalhadores insatisfeitos com a mecanização. Seria mais ou menos como quebrar iphones por causa da Inteligência Artificial. Às vezes dá vontade, quando você precisa de um gás no domingo, a máquina te atende, mas não te entende, tu ficas esperando e não consegues cozinhar.

Há protestos e protestos. Nem todos os protestos são iguais.

Vejam as Jornadas de Junho de 2013, quando eu dizia que estavam cheia de infiltrados de direita, quebrando tudo pela frente, e uma parte da esquerda nos chamou de direitista. No caso, eu tinha razão. Aquilo não era protesto para melhorar as condições de transporte e baratear as passagens. Muitos foram enganados.

Qual o peso dos protestos, em especial os boicotes?

Com as queimadas e desmatamentos pelo Brasil e a criação de gado na Amazônia, nossa carne e couro sofreram boicotes na Europa. Porém, não teve o peso desejado, apesar do governo ter sido obrigado a tomar algumas medidas.

Vamos tentar entender o caso do trabalho escravo contemporâneo na Serra gaúcha.

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa(…)

Então, vais ser “cancelado”. Estamos na modernidade líquida. Estamos na Era do Consumismo; e os “gringo” não leram Zigmunt Bauman. Estão lendo livros de autoajuda. Ah, devem ter lido “as obras completas” do astrólogo Olavo de Carvalho.

A “cultura do cancelamento” – que está sendo usada neste caso – é uma maneira de utilizar as redes sociais, banindo pessoas, eventos, marcas, por ações e comportamentos que estas consideram incorretas ou por valores retrógrados e por violar os direitos da dignidade da pessoa humana, fulcro de nossa Constituição.

Todo mundo já perdeu a calma com os “gringo”.

Será que as gerações Y e Z conhecem Kalil Gibran? Minha geração leu, comentou e era vidrada em O Profeta. Ele disse:

“Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores.”

Não é isso que estamos vendo nas redes sociais… Certo? Pelo contrário.

E nós que líamos o grande escritor W. Somerset Maugham, que um dia disse:

“O sucesso torna as pessoas modestas, amigáveis e tolerantes, é o fracasso que as faz ásperas e ruins”.

Tal posição não teria apoio nos dias de hoje, quando temos o caso da escravidão contemporânea na Serra. Certo?

Este texto, diferente dos outros sete textos anteriores, tem mais incertezas do que certezas, porque quero tentar dividir minhas angústias com meus leitores.

Lembro-me aqui de dois casos de cancelamento que foram revertidos, dando mais poder às marcas: foi o caso da Natura no Dia dos Pais, quando colocou uma pessoa trans, como pai; e a Magalu quando convocou apenas negros/as para trabalhar na empresa.

Estas marcas fizeram escolhas, para que as pessoas saíssem de sua zona de conforto, foram canceladas em especial nas mídias sociais por setores conservadores, “religiosos”, homofóbicos e racistas, mas acabaram se fortalecendo, sendo fortes marcas, muito respeitadas.

Algumas marcas famosas pelo mundo tiveram vários problemas em nosso país. Uma delas é a Zara:

-Zara entra em acordo e paga indenização após segurança acusar homem de furtar mochila em shopping de Salvador.

Ainda sem desfecho:

Delegada negra barrada na Zara: o que se sabe e o que falta saber sobre caso em loja de Fortaleza – O gerente do estabelecimento foi indiciado por crime de racismo, que pode gerar reclusão de um a três anos e multa.

– Contadora denuncia constrangimento em loja da Zara após se recusar a pagar roupa com preço em dólar.

– Polícia Civil investiga crime contra o consumidor, no caso. Loja também foi acusada de racismo, há um mês.

– Zara pagará R$ 20 mil a ex-funcionária após ação por transfobia.

– Três anos depois, MPF denuncia fornecedores da Zara por trabalho escravo.

Chega, não é?

Calma: ajudem-me a desvendar isso:

– Dona da Zara tem queda de 72% no lucro em 2020 com pandemia e fechamento de lojas.

É a típica manchete da mídia neste país: afinal, 2020, tivemos 9 meses de pandemia. Por que fecharam mesmo? Pela pandemia ou por que venderam menos. A confusão é proposital.

E se for verdadeiro que a “Zara no Brasil é a mais cara do mundo”?

Há uma necessidade de pesquisa: por que pagam tanto (mulheres de 18 a 35 anos) por seus produtos, sabendo dos problemas de desrespeito aos direitos humanos? Funcionou o boicote? Funcionou o cancelamento?

Até que ponto as pessoas se tocam com estas barbaridades citadas? Aparentemente, o caso do vereador xenófobo de Caxias ensejou muito mais revolta. Certamente que será cassado. Mas os deputados de direita daqui, os dois senadores da extrema direita, todos os políticos que disseram outras tantas barbaridades? Não podemos esquecer, né?

Mas por que tantas pessoas nada falaram até aqui?

“PAURA” me diz alguém, Pode ser, só pode ser MEDO mesmo.

O governador poderia ter sido mais duro no caso dos baianos em Bento, mas foi bem ao pedir desculpas pelas falas do vereador e do acontecido ao baiano Gilberto Gil. Haveremos de ver uma evolução? Não creio tanto assim.

Já li matéria que saiu num jornal do centro do país que “o boicote ao vinho gaúcho é alívio cômodo de consciências pesadas”. Tal afirmação é muito injusta e fora da realidade. Pois o que vejo não são “os de bem” que se apresentavam até há pouco, fantasiados pelas ruas, os terroristas do 8 de janeiro falando; são pessoas efetivamente DO BEM, preocupadas com a dignidade da pessoa humana. Estes “tem peso na consciência”. Não é só gente de esquerda em ação, chamando ao boicote, vi moções de vereadores (as) de partidos de centro, antes de a esquerda falar em plenário.

A nota da CNBB contra a escravidão contemporânea vai bater em cheio na maior fornecedora de “vinho canônico”. Que há padres de direita, católicos com consciências pesadas tem, mas nem todos os “católicos são iguais”, como nem todos os “neopentecostais são iguais”.

O folhetim eletrônico Oeste, campeão de “fake news” do Augusto Nunes, atacou a CNBB, distorceu a nota dos bispos.

Qual o resultado de todo este combate nas redes, os cancelamentos das marcas e o não consumo dos vinhos e espumantes?

Ainda é cedo para avaliar.

A continuar a postura de avestruz do setor e das instituições o dano para a economia local será grande.

“Os bons sempre pagam pelos maus” aqui parece ser uma frase justa. Pois uma cantina, um cooperativa, uma pousada ou um restaurante que cuida de cumprir as normas perderá visitantes, turistas, consumidores.

Por isso, acho que destes também é covardia não falarem. Ou seria PAURA. ”Questo momento mi fa sempre paura!” O autor da frase sabe o que foi os “gringo” espalharem a lista de filiados do PT local para que fossem boicotados, demitidos e não empregados. “Deus não mata, mas castiga”.

Chegou a hora de dizer chega! Se tua PAURA não permite, vamos nós falar por quem quer fazer calar na marra.

Uma marca foi tripudiada pela extrema direita, porque seus produtos compuseram uma cesta dada ao presidente Lula, mesmo sem ter quaisquer queixas legais e éticas contra ela. Mas “era do PT”. Ora, vocês foram e são muito covardes.

Vocês me envergonham.

O que me causa estranheza é que não tenha saído uma nota em conjunto das Centrais Sindicais,  que sindicatos locais importantes e combativos continuam silentes, que entidades de Direitos Humanos tem estado numa certa letargia. Tanta PAURA diante destes “gringo”, seria a força da grana deles, dos empregos que detém?

Que são direitistas sabemos, pois deram 75% dos votos ao Inominável, do presente de 15 milhões que ele quis para si, quando era do Estado brasileiro.

Tudo está indicando que a “sociedade civil” – do seu jeito – pelas redes sociais, por grupos de WhatsApp está fazendo mais do que os segmentos organizados. Estou certo ou errado?

Vou repetir: nem todos os “gringo” são iguais! Nem todos os “terceirizados” são iguais.

Nem todos são vinho da mesma pipa!


*Escritor, professor e bacharel em Direito.

Este artigo é o oitavo da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que serão publicados diariamente.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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