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Opinião

Texto 5: Ivo viu a uva – e a Eva?

Texto 5: Ivo viu a uva – e a Eva?

Artigo por RED
13/03/2023 11:30 • Atualizado em 14/03/2023 10:46
Texto 5: Ivo viu a uva – e a Eva?

De ADELI SELL*

Ivo viu a uva, ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné- Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se uva é natureza ou cultura. Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo. Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire”. – Frei Beto.

Socorrido pela professora freiriana Liana Borges, posso passar a introdução do texto do atento Frei Beto, ao escrever sua despedida ao grande mestre.

Em Bento Gonçalves faltam os “Ivo” nas creches para cuidar das crianças. Uva, não sei, parece que a Administração dá mais bolachas que uva e suco. Porém, mantem a Festa do Suco de Uva, no meio da maior crise de valores já vista. Hipocrisia total.

Como faltam os contraturnos nas escolas, salvo as ridículas 81 vagas no SESI, e também faltam os “Ivo” para cuidar de crianças e jovens, uva não precisa, porque a gurizada está em casa com a mãe que tem que ficar para cuidar enão pode ir para o parreiral ganhar um salário justo, até porque o que se paga ali não é digno de falar… E onde deixariam seus filhos? As pessoas querem trabalhar. E agora o Bolsa Família tem critérios, mais uma vez.

Paulo Freire, para quem não sabe, mas especialmente para os educadores da Serra, com destaque para Bento Gonçalves, é o brasileiro mais homenageado no mundo. Ele tem 29 títulos de Doutor Honoris Causa dado por universidades da Europa e da América, além de vários outros prêmios, como o Educação pela Paz, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco).

Paulo Freire é Patrono da Educação Brasileira.

Durante o governo do Inominável, ele foi “tirado” para ser o “saco de pancada”, “judas” da Nação.

Como os “Ivo” de Bento não viram a escravidão contemporânea, nas palavras de uma promotora, não veem as uvas dos parreirais, mas veem as cifrões da conta bancária… ah, isto veem.

Como os “Ivo” da região não viram os alojamentos, não viram as pessoas.

“Ivo” não viu o “spray”, pois “gringo” não estuda inglês. “Ivo” também não viu o cassetete, só o cabo da vassoura. “Ivo” não conhece policial, viu um brigadiano por aí. “Ivo” não conhece tortura. Houve sim na ditadura, agora contra trabalhadores, Seu Ivo.

“Ivo” vive na redoma.

Mas parece que tem umas “Eva” que estão vendo algumas coisas. Estão vendo os machões e machistas amarelarem.

Com o pensamento de Paulo Freire sabemos coisas além do IVO VIU A UVA, podemos mostrar que a uva só vem para os tonéis com as mãos humanas.

9.000 residentes em Bento não sabem ler a frase “Ivo viu a uva”, mas a dor os faz gemer, a barriga ronca, os filhos precisam de leite: aí, eles topam todas. E eles “se viram” como dá.

Muitos não tiveram a possibilidade de aprender freirianamente, mas agora vamos mostrar ao “Ivo” como Paulo Freire fez, que semear uva é ação humana. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto.

No meio do povo católico, dizia-se que “Deus não mata, mas castiga”. Parece que virou realidade: A Rede Zona Sul, dona de mais 40 supermercados nas zonas sul e oeste do Rio de Janeiro, tomou, nesta semana, a decisão de devolver todos os produtos da vinícola Aurora, do Rio Grande do Sul, que possuía em estoque.

As três vinícolas estão fora da APEX, logo não participam de feiras internacionais.

Já disse que poderiam ter a dignidade de pedir uma reunião com o governo e assinar um pacto. E repito: este empresariado é covarde, medíocre e ultraconservador. Não quer se dignar a uma saudável autocrítica. O vereador xenófobo perdeu a sigla partidária, vai ter processos, deve (por dever ético dos julgadores) perder o seu mandato.
Mas parece que a evolução do Cosmo perdeu o potencial do imigrante que subiu o Rio Caí e começou a desmatar os morros. Trabalhou ,plantou, colheu.

Quando e onde houve a ruptura? Quando os mandatários começaram a mentir, trocando os nomes tradicionais por nomes de uma Guerra (dos Farrapos) que não foi sua?

Quando o sistema cooperativo que era de todos, solidário, algo como uma irmandade, como eram as noites de filó, foi alçado a um sistema de competir, ganhar mais e mais, ficando na mão do CEO, sim, esta sigla americana que se confunde com o céu azul dos parreirais, pegando o lugar da coletividade? Pois é o gerentão, o chefão que dita as regras, não mais o colono, o “gringo”.

O Elo Perdido está com a falsa modernização. Não que não se possa substituir a pipa de madeira de lei pela de aço inox. Nada a ver.

O Elo Perdido com o protetor de Bento Gonçalves, Santo Antônio, está no momento em que no Santuário em homenagem a ele se lança a Campanha da Fraternidade, com foco na fome, e nada se fala, ou seja, “Ivo” não viu nada.

O rompimento se dá quando se reza na novena, no início ou no fim do filó, sem pensar, sendo um ato mecânico, quando se repete um Pai Nosso, sem pensar no Outro.

Tem mais…


*Escritor, professor e bacharel em Direito.

Este artigo é o quinto da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que serão publicados diariamente.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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