Opinião
Texto 4: Bento – “se virem”
Texto 4: Bento – “se virem”
De ADELI SELL*
Em 20 de maio de 1875, os primeiros italianos chegaram aos Campos dos Bugres (Caxias do Sul). Começa o primeiro ciclo imigratório, de 1875 a 1914. Instalaram-se no estado 84 mil italianos, sobretudo da Lombardia, Vêneto e Tirol.
Eram tempos difíceis. Cortava-se a mata, tacava-se fogo e se plantava. Levantavam cedo, cuidavam dos poucos animais, iam para a roça, o almoço era guiado pelo sol, uma pequena sesta, mais trabalho, janta e arrumação de casa. Não havia rádio, como eram muito crentes, católicos, havia reza ou novena à noite.
Não sei quando se começou a fazer filó, que é juntar famílias para uma festa com comida, música e danças. Era vida comunitária, de igual para igual.
Os italianos chegaram, o governo delimitou seus pequenos lotes e “se virem”. Rio Caí acima, picadas, tempos difíceis nos ermos da Serra.
Os tempos mudaram, a internet está na roça. Hábitos mudaram.
Estamos num mundo com ares e hábitos urbanos, mesmo no parreiral, mesmo na tirada do leite da vaca. Porém, as cabeças, a mentalidade nem sempre deram o salto do rádio (que chega em 1922), para – um século depois – pela internet se saber no mundo afora que na Serra estes mesmos “gringos” que levaram um “se virem”, digam aos que ali trabalham na safra: “se virem”. Nós pagamos o “gato” e vocês “se virem” com ele.
Não são mais as mãos calejadas dos antigos “gringos” da roça à força bruta que existe em geral. Mas a colheita é feita a mão, por pessoas, não tem Inteligência Artificial, não tem robô, não tem colheitadeira. Vê que, em vez disto, tem a brutalidade de lidar com O Outro; sendo pior do que faziam com os bois de canga, no arado, na carroça, com um chicote, dando laçaço e morro acima que os bois “se virem”. Pois, “eu sou o senhor aqui”.
“Tristes trópicos”, digo eu.
Que ensinamentos tiramos de tudo isto?
Poucos, pois as notas que lemos são um atestado de que não querem aprender. A entidade empresarial fala dos que não querem trabalhar, mas nem eles nem a prefeitura explicam porque nesta mesma semana um jornal local dá uma manchete da falta de profissionais nas creches locais. Imagina o que não faltam de vagas…
Como as mães podem ir para o parreiral, aumentar sua renda, que seria uma graça, se não tem onde deixar suas crianças?
81 vagas no contra turno diz o SESI fornecer, mas nada mais se acha. No site da Prefeitura, na Secretaria de Educação, é um vazio total.
Nada disto falou o prefeito quando lhe deram a chance de falar.
Assim, se nem todos os “gringos” são iguais, mas as autoridades da Serra são: o prefeito, as autoridades sanitárias, seja lá quem for deixou ainda algumas pessoas residindo no local, ou as informações estão erradas? Eu, quando erro, reconheço, e nem fui taxativo na afirmação. Afinal, perguntar não ofende, ofende?
E, ainda na Serra, um vereador vai à Tribuna e pratica um discurso racista, asqueroso. Seu partido já o expulsou pela péssima repercussão nacional que deu. Deve responder por crime de racismo.
Respostas começam a surgir. Apenas um sindicato em Bento se manifestou. Aí, pergunto, onde estão os velhos dirigentes corajosos, como o falecido Gabardo, para falar? Estou na esperança de que ainda vão falar.
E quando a Câmara Municipal de Caxias do Sul vai instaurar procedimento ético para expulsar o racista de seu meio?
Uma das lojas de uma das vinícolas foi adesivada no Centro do país. As três não podem participar mais de eventos da APEX, pelo governo federal.
Nem todos os “gringos” viram as costas para os seus semelhantes. Nem todas as vinícolas e seus donos são iguais. Nem todo o serviço terceirizado é igual.
Mas não tentem amenizar o problema. Não tenham pena da “economia” que vai sofrer, do “turismo” que vai baquear. Ora, é só as cantinas colocarem uma faixa, convidando as pessoas, dizendo que AQUI SE RESPEITA O TRABALHADOR. Desta forma, tenho a certeza absoluta que mais e mais pessoas vão curtir o Vale dos Vinhedos, o Caminho de Pedras, o Caminho do Sabor etc e tal.
-Este é quarto texto de uma série. Não tergiversamos, Não atacamos. Relatamos fatos. E, principalmente, mostrar a Lei, dos direitos, deveres, a boa conduta, como propomos formas de sair da crise, mudar para pessoas melhores, por um novo Pacto Civilizatório!
*Escritor, professor e bacharel em Direito.
Este artigo é o quarto da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que serão publicados diariamente.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
Toque novamente para sair.