Opinião
Terrorismo, incitação e omissão deliberada
Terrorismo, incitação e omissão deliberada
De BENEDITO TADEU CÉSAR*
A diplomação do presidente Luís Inácio Lula da Silva pelo TSE, antecipada para o dia 12 de dezembro, véspera dos 54 anos da promulgação do famigerado AI-5 durante a ditadura militar de 1964/85, pretendeu colocar fim à série de ações terroristas desencadeadas pelos setores mais duros do golpismo bolsonarista.
A solenidade da composição da mesa e da plateia e os discursos do eleito para a Presidência da República e do Presidente do Tribunal transformaram o ato tradicionalmente protocolar do reconhecimento dos resultados das eleições realizadas em novembro em manifestação de reafirmação dos valores democráticos e de repúdio ao golpismo.
Menos de sete horas após a diplomação e os discursos, atos terroristas eclodiram na capital federal, com o apedrejamento da sede da Polícia Federal, que sequer reagiu ao ataque, o incêndio de cerca de 10 carros e ao menos dois ônibus e a tentativa de intimidação do presidente eleito, com o cerco ao hotel onde ele se encontra hospedado.
Nenhuma providência efetiva foi tomada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o governador pediu (não ordenou, como lhe compete) para que o comando da Polícia Militar contivesse os baderno-terroristas e o secretário de segurança, que jantava em um restaurante na cidade, só se manifestou às 23h, quando convocado pelo futuro Ministro da Justiça, Flávio Dino, para um pronunciamento em uma emissora de TV.
A omissão verificada não é mera manifestação de incompetência. Pelo contrário, é evidência de que as ações foram apoiadas pelas autoridades bolsonaristas havendo, inclusive, denúncia de um servidor da polícia federal lotado na Presidência da República de que elas têm sido planejadas pelo GSI/PR Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, “órgão responsável pela assistência direta e imediata ao Presidente da República no assessoramento pessoal em assuntos militares e de segurança” e atualmente comandado pelo general Augusto Heleno.
A primeira-dama da República, Michele Bolsonaro, segundo informações veiculadas pela imprensa, distribuiu “quentinhas” para a alimentação dos bolsonaristas acampados nas imediações do Palácio do Planalto e os recebeu no interior do Palácio horas antes dos atos terroristas.
Inconformados com a derrota eleitoral, mesmo depois de terem sido desviados bilhões de reais em recursos públicos para a compra de votos às vésperas das eleições (conforme levantamento publicado no Uol aumentaramou em pelo menos 21 bilhões de reais os repasses de dinheiro direto para eleitores que são beneficiários de programas sociais, a partir de agosto de 2022) bolsonaristas de todos os matizes tentam hoje repetir práticas já adotadas nos estertores da ditadura militar.
Não se deve esquecer que muitos dos militares que conspiraram para a derrubada de Dilma Rousseff, pressionaram pela prisão de Lula e a inviabilização de sua candidatura em 2018 e, com isso, garantiram a vitória de Bolsonaro, foram subordinados diretos dos generais que tentaram resistir ao processo de abertura política “lenta, gradual e segura” levado a cabo pelo general presidente Ernesto Geisel.
Os fatos ocorridos em Brasília no último dia 12 não devem ser considerados como ações praticadas por escassos “lobos solitários”. Eles expressam uma organização sólida e difundida por todo o país, que mobilizou milhares de militantes fascistas desde o final das eleições e a derrota de seu “mito”. Bloquearam estradas e vias públicas, espancaram e chegaram a matar algumas pessoas que ousaram manifestar discordância com seus atos. Ainda que em número cada vez menor de participantes, eles seguem acampados nas imediações dos quarteis em diferentes partes do país e, em Brasília, no setor do Alto Comando Militar, sem serem importunados e, mais do que isso, sendo publicamente elogiados pelos comandantes como “legítimos defensores da democracia”.
Que a radicalização dos atos terroristas no dia 12, em Brasília, a aparente omissão dos comandos das forças de segurança e os rumores de envolvimento de agentes de segurança interna e externa com as ações desencadeadas sirvam de alerta ao governo que se instalará oficialmente no dia 01 de janeiro próximo.
Já exercendo simbolicamente a Presidência da República desde a COP-27, quando foi aclamado por Chefes de Estado e de Governo de diferentes países do mundo, Lula e os futuros integrantes de seu governo, a exemplo do que fez Flávio Dino, precisam agir desde já para a prevenção e repressão aos atos terroristas no país, no dia da posse oficial e depois dela.
Bolsonaro, com erisipela na alma, dificilmente terá altura moral e política para liderar qualquer oposição consistente ao novo governo, mas a sua incompetência poderá se revelar mais perniciosa do que seus próprios atos e tão ou ainda mais catastrófica que os seus quatro anos de desgoverno. A ausência de um líder capaz de conduzir as forças fascistas liberadas no país poderá desencadear atos anárquicos e de violência crescente.
Dados oficiais divulgados em junho deste ano, atestam que há mais de 4,4 milhões de armas de fogo em estoques particulares no país. Um número várias vezes maior do que o armamento e a munição em mãos das forças policiais e até mesmo das Forças Armadas nacionais.
Os cuidados para a posse de Lula precisam ser minuciosos e eficazes. Além da atuação nas áreas sociais, econômicas e das comunicações, atenção especial terá que ser dispensada para a reformulação das forças de segurança interna e externa.
*Cientista político, professor aposentado da UFRGS e Diretor da RED.
Foto de Flávio Dino ao lado do futuro diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo Souza Ferreira, que só se manifestou às 23h quando convocado pelo futuro Ministro da Justiça para um pronunciamento em uma emissora de TV – Reprodução/YouTube.
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