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Opinião

Tarefas necessárias para confirmar a vitória no segundo turno

Tarefas necessárias para confirmar a vitória no segundo turno

Artigo por RED
15/10/2022 06:00 • Atualizado em 17/10/2022 09:51
Tarefas necessárias para confirmar a vitória no segundo turno

De ROBERTO LEHER*

Sobre os resultados

Examinando o resultado das eleições presidenciais de 2022 no primeiro turno, com certo distanciamento, é inequívoco que a campanha foi exitosa. Lula obteve 25,6 milhões de votos a mais do que Haddad em 2018, o que equivale a imensos 21% do total do eleitorado votante (123 milhões), recuperou cidades médias e grandes perdidas nos pleitos anteriores e avançou em regiões que outrora consagraram Bolsonaro. A maioria dos institutos captou o movimento do voto útil em Bolsonaro, mas nenhum aferiu a extensão dessa movimentação. É uma desculpa esfarrapada afirmar que isso ocorreu no dia da eleição. Podemos dizer que os institutos não captaram o tamanho do bolsonarismo, isso há tempos. Em virtude destes erros, a abertura das urnas trouxe justas inquietações no eleitorado de Lula; se as análises e encostas tivessem aferido de modo mais preciso o possível comportamento eleitoral e a própria avaliação do governo Bolsonaro, todos estaríamos celebrando o desempenho de Lula.

Esta consideração não permite concluir a partir de um raciocínio matemático simplista que a vitória é inevitável. Como faltam 1,5% para alcançar mais de 50% dos votos válidos (4 milhões de votos), seria um grave erro sustentar que basta atuar na esfera institucional dos acordos de cúpula para que seja possível somar a maioria dos votos de Tebet, do PDT e de Ciro para a consagração no 2o turno. É evidente que tais apoios são preciosos e contribuirão imensamente para a vitória, mas é uma aposta arriscada se acomodar a um raciocínio movido pela otimismo e não pelo ‘pessimismo da razão’ a que se refere Gramsci.

Na ótica gramsciana, o pessimismo da razão é um compromisso com a análise da situação concreta. Ainda que em desacordo com os desejos do analista, a análise não pode ser deturpada pelo voluntarismo da vontade. O otimismo da vontade, a paixão, o desejo de forjar um projeto nacional-popular sempre deve estar assentado na análise concreta da situação concreta, na consideração ampla da correlação de forças, pois bem referenciado no real, a paixão e o otimismo podem prosperar.

Considerações sobre a correlação de forças na esfera eleitoral

Causa assombro o fato de que os personagens mais grotescos, os agentes do darwinismo social mais inclementes, tenham sido eleitos em vários estados. Bolsonaro venceu em Manaus, o maior cemitério de mortos por sufocamento e falta de insumos (sobrando, contudo, cloroquina) nos períodos de pico da covid.

É certo que, ao contrário do que vem sendo veiculado pela imprensa, as medidas econômicas do governo, o orçamento secreto, o uso da máquina pública criaram um ambiente no qual a sensação (temporária) de melhoria das condições de vida alcançou muita gente. Entretanto, isso não explica, por si só, os motivos pelo quais os personagens mais grotescos, entre os quais o próprio candidato majoritário, lograram bom desempenho eleitoral.

Uma hipótese a ser considerada é a força do bolsonarismo no teatro de operações da guerra cultural. Se plausível, é nessa frente que os intelectuais (os organizadores da luta política em geral) podem dar uma contribuição que pode ser decisiva. A eleição de parlamentares de esquerda com pautas críticas à guerra cultural nos oferece uma pista sobre a potencialidade dessa frente de luta.

Contribuições da intelectualidade crítica

A presença do bolsonarismo nas frações mais expropriadas e exploradas da classe trabalhadora, em especial em seu exército industrial de reserva, não deixa de ser paradoxal, pois o voto nos candidatos da extrema-direita e nos neofascistas é um voto contra os interesses históricos da classe trabalhadora. A abstenção nestes segmentos igualmente joga contra os interesses históricos dos trabalhadores.

Em vinte dias de campanha não será possível uma ação organizada para alterar o senso comum e a consciência social dessa imensa massa de trabalhadoras e trabalhadores. Mas é possível, e imprescindível, crucial, determinante, que possamos atuar na esfera da propaganda (no sentido de agit-prop!).

A premissa óbvia é que Lula esteja mergulhado junto ao povo pobre, que consiga percorrer os principais municípios que definirão as eleições. A autocracia burguesa já fez, novamente, sua opção, como se depreende da aliança PSDB e Bolsonaro na eleição do segundo turno em São Paulo.

Precisamos constituir grupos de trabalho para elaboração de conteúdo para que seja possível produzir, massivamente, material para panfletar presencialmente nas estações de metrô, ônibus, trens, próximo a igrejas, fábricas etc. e, não menos importante, em meios virtuais renovados e correspondência direta com eleitores.

Eixos centrais da guerra cultural

Conforme texto para subsidiar o debate do Fórum 21 e do Fórum Permanente de Diálogo desde a Esquerda, precisamos atuar rapidamente na elaboração de conteúdo claro, simples, de fácil compreensão que contribua para desfazer as imagens atribuídas ao PT e ao futuro governo Lula.

  • Venezuela, Argentina, Nicarágua e a imagem da esquerda latino-americana (Fórum de São Paulo) provocando o caos econômico e o cerceamento da liberdade. A Campanha tem de levar a sério essa narrativa e buscar formas de enfrentá-la, afirmando a originalidade da via Lula para o Brasil, a autodeterminação dos povos, a soberania e a importância da integração latino-americana. Isso significa associar o discurso “social” – que segue sendo o carro-chefe da campanha – com a liberdade, a prosperidade e, sutilmente, a compatibilidade da solidariedade entre os povos com todas as formas de vida, inclusive com as conservadoras.
  • Pauta de costumes, ideologia de gênero: será preciso inundar as escolas, as periferias, os templos, terminais ferroviários, metros, terminais de ônibus com materiais simples, cartilhas e panfletos, e criar novas listas de whats, jornais eletrônicos etc. para difundir vídeos, depoimentos de pessoas de alta credibilidade inclusive junto aos evangélicos para mostrar que a agenda da educação pública não tem a ver com a ideologia de gênero: ao contrário, protege as crianças da pedofilia, do abuso sexual nas residências, atua no sentido de proteger as mães da violência misógina, orienta crianças para evitar gravidez/ paternidade precoce e contribui para tornar as escolas e a sociedade um lugar livre de bullings etc.
  • Pauta religiosa: a campanha tem de estancar o auditório para fake news do bolsonarismo. Aqui também temos de afirmar a laicidade como compatível com a liberdade religiosa e o respeito aos valores do cristianismo.
  • Cultura popular, lutas antirracistas, violência contra os pobres, sobretudo de favelas. As organizações religiosas fundamentalistas estão associando a cultura popular, em especial as que incorporam as vozes de África, ao vampirismo, ao satanismo etc. Destacar a importância da vivacidade da cultura para o futuro dos povos.

Por meio dos conteúdos preparados por nossas iniciativas os nossos coletivos de comunicação, organicamente vinculados à coordenação da campanha, deverão trabalhar para restabelecer a verdade. Novamente com Gramsci: a verdade é revolucionária. Nosso diálogo ético com os segmentos populares das cidades mais estratégicas para consolidar os votos e expandi-los será um gesto que, ao mesmo tempo, contribuirá para a vitória do povo trabalhador brasileiro e para criar bases para forjarmos, democraticamente, um novo senso comum hostil ao fascismo.


*Biólogo, pedagogo, professor e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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