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Opinião

Sentimentos ambivalentes

Sentimentos ambivalentes

Artigo por RED
14/11/2022 10:45 • Atualizado em 15/11/2022 12:09
Sentimentos ambivalentes

De NUBIA SILVEIRA*

Vivo, desde domingo, 30 de outubro – e lá já se vão duas semanas -, dentro de um turbilhão repleto de sentimentos ambivalentes. Sou alegria e tristeza. Rio e choro. Festejo, canto, danço. Encolho-me desanimada, frustrada. O dia segue um ritmo bipolar de emoções. Pode-se dizer que a vida é assim mesmo: cheia de altos e baixos. O diferencial é a rapidez com que as sensações contraditórias me atingem. Ou nos atingem. São todas provocadas pela alta, altíssima velocidade em que recebemos informações verdadeiras e mentirosas. Elas chegam num ritmo alucinante pelas redes sociais. Nem se termina de ler uma e já estão na fila centenas de outras.

Festejo a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, como todos os que votaram pela defesa e manutenção da democracia. É com alívio e esperança que agradeço aos 60.345.999 votos contrários à reeleição de Jair Messias Bolsonaro. Nestes quatro anos em que esteve no Planalto, jamais fez justiça ao cargo de presidente da República. Desrespeitou a presidência, os brasileiros e as brasileiras. Preocupou-se apenas em conservar a sua base mais radical, desumana, furiosa, descerebrada, intolerante, enlouquecida e armada. Usou o gabinete do ódio para espalhar mentiras contra a ciência, cultura, educação, preservação da natureza, indígenas, adversários (para ele, inimigos) e governantes de outros países, com posições contrárias às suas e às de Donald Trump.

Emociono-me ao ouvir Lula dizer em seu discurso de vitorioso que “vamos trabalhar sem descanso por um Brasil onde o amor prevaleça sobre o ódio, a verdade vença a mentira, e a esperança seja maior que o medo”. No
entanto, me irrito profundamente ao ler o tuíte do general Villas Boas, um dos avaliadores do atual governo que se preparava para privatizar o SUS e as Universidades, entre outras maldades. Uma delas: agora, já na porta de saída, o presidente indica duas pessoas – uma delas irmã de Paulo Guedes – para o Conselho Nacional de Educação.

O que mais me enfurece no devaneio negacionista do general sobre “o que podemos esperar de um governo da oposição” é sua afirmação de que o futuro governo Lula desrespeitará a Constituição. Villas Boas – como diz o ditado popular – só olha o rabo dos outros. Seu pupilo passará para a História como o responsável pela morte de cerca de 700 mil brasileiros e brasileiras, durante a pandemia de Covid-19, porque não acreditava na letalidade da doença e na eficácia das vacinas. Descuidar de seus compatriotas e deixá-los morrer, sem a assistência devida, não se constitui
no maior ataque, no maior desrespeito à nossa Carta Magna, conhecida até 2018 como a Constituição Cidadã?

Tenho vontade de dançar e cantar quando vejo as imagens de pessoas felizes comemorando a eleição de Lula nos mais diferentes lugares deste planeta redondo. Entro numa profunda aflição ao receber as imagens de verdadeiros ou falsos caminhoneiros, que fecharam mais de 500 pontos das BRs, gritando que ali ficariam até que as Forças Armadas tomassem o poder como fizeram em 1964. Sinto-me ainda pior com a declaração de um policial rodoviário (verdadeiro?) aos trancadores de ruas de que “a única ordem que nós temos é de ficar aqui com vocês”. Tudo incentivado pelo presidente que se nega a reconhecer a derrota, apoiado pelo líder do PL, seu partido.

O discurso do derrotado, na terça-feira, 1º. de novembro, reclamando da injustiça das eleições, por não ter saído vitorioso, foi feito na medida para que seus seguidores de extrema-direita continuem pedindo por intervenção militar ou federal (a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, prevista no artigo 34 da Constituição). Sigam com os protestos em trechos de estradas, postados em frente aos quartéis, desfilando ao estilo dos soldados nazistas, como fizeram em Joinville, e destilando ódio pelas redes sociais. Ao acompanhar estes cenários, protagonizados por parte de eleitores e eleitoras (quantos foram comprados com o dinheiro do Fundo
Eleitoral e dos empresários beneficiados pela política econômica do posto ipiranga?) do mito, me sinto desesperançada.

A desesperança aumenta ao ver estudantes de ensino médio vociferarem contra colegas que vibraram com a vitória de Lula. São serpentes que já saíram do ninho. Não querem perder qualquer privilégio de classe. Aprendem em casa que as empregadas domésticas não devem ganhar salário mínimo, décimo terceiro e férias. Que as escolas privadas não foram feitas para os pobres. Só eles, crianças mimadas, têm direito a ensino de qualidade, a viajar pelo mundo e comprar o que quiserem, sem olhar o preço em real, dólar, euro ou qualquer outra moeda. Acreditam piamente na afirmação de seu líder de que “os da esquerda sempre prejudicaram a sociedade”.

Fico estarrecida e pessimista ao saber das listas que estão sendo criadas, pelo país afora, por derrotados nas urnas, com nomes de pessoas que, segundo eles, votaram na Frente Brasil Esperança. As listas divulgadas em redes sociais incitam os partidários do perdedor a jamais usar os serviços oferecidos pelos listados, sejam eles médicos, comerciantes, educadores, enfermeiros, taxistas ou qualquer outra coisa. Esperam assim pressionar os opositores e obter alguma vitória sobre eles.

A pior de todas as sugestões deste grupo foi feita pelos de extrema-direita de Casca, aqui no RS: identificar o comércio supostamente lulista com estrelas vermelhas. Isso nos lembra algo? Sim, dos nazistas identificando os judeus com estrelas amarelas. Atitudes como esta nos levam a relacionar o bolsonarismo com o nazimo. Estaremos errados?

Minha pergunta segue a mesma: como não percebemos que a anistia geral e irrestrita, ao indultar também os torturadores e defensores da ditadura, resultaria, em menos de meio século, no nascimento de uma direita feroz, destrutiva, ignorante, assustadora? Muitos dos jovens militares, que iniciaram sua vida na ditadura, não a esqueceram. Passaram esses anos de redemocratização estudando maneiras de retornar. Encontraram em Bolsonaro a figura, sem pruridos, para trazer de volta a direita frustrada, rancorosa, intolerante, idiota, que ainda acredita na existência do comunismo.

Retomo a esperança, a alegria e o otimismo com o futuro ao ver que Lula não perdeu a sua capacidade de mediar, dialogar, convencer e unir pensamentos políticos diversos. Como dizem alguns colunistas, ele vai aos poucos assumindo a presidência. Sem pressa. Sua postura reafirma que vai trabalhar para toda a nação. Ele e Alckmin transmitem calma e disposição para mudar o país. Não será fácil. Mas acredito no que disse, em sua coluna, o jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor do presidente eleito: tudo dará certo, se Lula fizer como sempre fez. “Teime!, como dizia tua mãe, e surpreenda mais uma vez o tal do mercado. Você só deve satisfação aos teus mais de 60 milhões de eleitores”, afirma o jornalista em Um bilhete para Lula: vai com calma, faz do teu jeito, que no fim dá certo, publicado no Uol, em 5 de novembro.

Vou parar por um tempo de ver vídeos e ler notícias, que seguem entrando no meu celular naquele ritmo alucinante de que todos somos vítimas. Vou equilibrar meus sentimentos e viver – pelo tempo que puder – no modo esperança, alegria, felicidade.


*Jornalista, trabalhou em jornal, TV e assessoria de imprensa, em Porto Alegre, Brasília e Florianópolis. Foi repórter, editora e secretária de redação. É coordenadora do programa Espaço Plural da RED – Rede Estação Democracia.

Artigo publicado anteriormente em Revista Parêntese.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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