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Sempre vale ouvir Churchill
Sempre vale ouvir Churchill
Por LÉA MARIA AARÃO REIS*
Consta que brain rot, expressão usada pela primeira vez no século 19 por Henry Thoreau, foi eleita pelo dicionário Oxford como a expressão do ano de 2024. Define o cérebro embrutecido, o cérebro apodrecido ou podridão cerebral, em bom português.
A palavra do ano define também ‘’dano mental causado pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e de baixa qualidade na internet, dificuldade de concentração e perda de criatividade’’.
O uso do termo cresceu 230%, entre 2023 e 2024, e designa quem usa e assiste conteúdos viciantes apresentados nas redes sociais.
A série de quatro episódios, Churchill em guerra, atualmente incluída à rede de estreias no streaming para assistir durante o recesso das férias de fim de ano, parece ser dirigida se não aos brain rots no seu geral, mas aos mais jovens e aos mais viciados em consumo de internet.
Apesar de conter algumas informações interessantes, produzida por Sara Enright e dirigida pelo fotógrafo inglês Malcolm Venville, de 62 anos, pretende apresentar o legado deixado por Churchill relativo às suas ações decisivas durante a Segunda Guerra Mundial. Sua energia, a formidável auto – confiança de Churchill, a inteligência, intuição e a percepção afiada da sua alma postas à prova duramente durante a tempestade desferida pelo ataque de Hitler à Europa continental.
Nessa série, a blitzkrieg – como ficou conhecida a guerra-relâmpago aérea desfechada pelos alemães sobre a Grã-Bretanha; uma blitz – é um dos principais temas. Assim como a ênfase na liderança do primeiro ministro britânico acompanhando e encorajando a resistência do seu povo.
O trabalho se vale da inteligência artificial, de restaurações digitais e de colorizações de imagens históricas, de época, e originalmente em preto-branco, para atualizar e atrair em particular os espectadores jovens e mais suscetíveis ao embrutecimento cerebral. Há quem ache que, com a restauração, ‘’tudo parece mais assustador, próximo e humano, como se o passado recebesse uma injeção de vida’’. Tenho dúvidas quanto a esse resultado. Inclusive porque as sequências em que foi usado um ator medíocre fazendo o papel de Churchill não são boas. Não funcionam.
Na sua essência, os arquivos selecionados para o seriado não contêm muito de novo. Mas há registros curiosos comentando a trajetória e a notável ação de Winston Churchill a partir da entrada da Grã-Bretanha na guerra de defesa contra Hitler. Por exemplo: a sua convivência, necessária e sem alternativa, com Franklin Delano Roosevelt e, em seguida, com Joseph Stalin. Três egos gigantescos em aliança, Harry Truman aí incluído, embora menos, após a morte de Roosevelt.
Uma das grandes e conhecidas habilidades de Churchill é reforçada nessa série. A sua descontração e naturalidade no contato com o povo, o talento notável como negociador político, e os traços do retrato do grande e autêntico líder que se sentia inteiramente à vontade no meio das multidões, falando e incentivando as massas.
“Política’’, dizia o primeiro ministro britânico, um autor de frases históricas, ‘’ é quase tão excitante quanto a guerra, e quase tão perigosa. Na guerra você é morto uma vez; em política, várias vezes.”
Vê-se Churchill se mantendo reservado e concentrado nas reuniões tête à tête, cara a cara e olho no olho com o companheiro Roosevelt arredio, que hesitava entrar na guerra, sempre preocupado com os formidáveis custos financeiros que pesariam sobre o seu país caso os Estados Unidos se aliassem aos ingleses na Segunda Guerra Mundial.
Um Churchill desconfiado, mas educado e cerimonioso, acompanhado do seu sempiterno charuto e se referindo às habituais doses de bebida alcoólica que consumia, quando encontrava com a águia comunista, Stalin. Este, perscrutando e avaliando com cuidado como seria o futuro da União Soviética no caso de vitória que vislumbrava para o seu campo, ao término do conflito.
Mas Churchill at war não detalha e apenas menciona, por exemplo, a importante derrocada dos ingleses na costa de Calais, em Dunquerque. Silencia sobre a vitória dos russos no sangrento confronto da cidade de Stalingrado sitiada, fundamental para mudar o rumo da guerra, em 1942/43. E não tem uma palavra sobre a entrada do exército soviético em Berlim e a rendição dos nazistas aos exércitos russos. Pior: tem o mau gosto de trazer depoimentos e observações (!) do ex-presidente George Bush e do ex – primeiro ministro britânico Boris Johnson, personagens pequenos que nada têm a ver com os três brilhantes protagonistas históricos.
A série, produzida por Ron Howard e Brian Grazer, autores dos premiados Apollo 13 e Uma Mente Brilhante, repetimos, parece se propor atingir as gerações formadas diante das telas de computadores, tablets, telefones celulares e dispositivos desse tipo. Mas mesmo assim vale a pena assisti-la.
Os quatro episódios de Churchill em guerra são esses, uma hora de duração cada um : A aproximação da tempestade, A sua hora mais gloriosa, O dia do destino e Depois da tempestade. São o pano de fundo para a era do fim do Império Britânico e começo da era nuclear.
Em resumo, vale a pena ouvir, mais uma vez, o apelo de Churchill aos seus conterrâneos para resistirem aos nazistas. Embora só pudesse oferecer-lhes naquele momento, ‘sangue, suor e lágrimas’’
Cada um deles com uma hora de Sara mais gloriosa.
*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.
Ilustração de capa: Divulgação/ Netflix
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