Opinião
SE…
SE…
De ADELI SELL*
Inspirações são fontes. Às vezes, vertem de nossos corações ou nascem de nossas mentes; noutras, tem origem em algum escrito, num cantar, num sonho.
Eis uma estrofe inspiradora do grande poema de Rudyard Kipling, chamado “IF…”. Só para começar a pensar, refletir, numa tentativa de diálogo sobre “Desgraças”.
(…)
Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
Tratar da mesma forma a esses dois impostores.
(…)
Que infortúnios, que desgraças abatem-se sobre nós! Alucinados pelo chamado fascista, pessoas comuns cometeram atrocidades em Brasília. Quem poderia imaginar que nossa vizinha idosa e que aquele motorista pacato pudessem ter tanta raiva dentro de si, não para se defender de um ataque, mas para atacar pessoas, bens públicos, a democracia… Queriam a ditadura. Ou seja, mais desgraças.
Que desgraça ter ventania, chuvas e granizo com tal força para botar abaixo um silo, árvores, casas, colégios, prefeituras. Mal fazia dois meses, e novas desgraças se abatem sobre nós no Rio Grande do Sul.
Que desgraça poderia você imaginar que um rio faria em tantos lugares e com tais forças que nada sobraria pela frente? De alguns até a vida ceifou. Você dá graças aos céus pela vida que sobrou.
Se…
Se nossos avós não tivessem acabado com as araucárias sem dó e sem piedade, não pensando em seus netos…
Se não tivessem os poderosos queimado irresponsavelmente 23 mil km² no Pantanal…
Se não tivessem os meliantes desmatado a Amazônia num tamanho igual ao da França…
Se o bioma pampa não tivesse sido tão maltratado pela ganância da soja…
Se houvesse diversificação da produção no Estado…
Se não tivéssemos desmatado e arrancado a trator as matas ciliares, as sombras das nascentes….
Se a gente não tivesse plantado até a beira do asfalto, derrubando as patas de vaca, o vassoural, alguns pés de madeira de lei, até frutíferas ao longo das plantações…
Se a gente não tivesse jogado estercos para dentro dos arroios…
Se a gente tivesse exigido dos governos fazerem açudagem…
Se a gente tivesse exigido financiamento para cisternas em cada propriedade rural…
Se a gente tivesse feito curvas de nível nas roças….
Se a gente tivesse cuidado do solo para evitar lavagem da terra, as voçorocas…
Se a gente não tivesse jogado rejeitos de lajotas no Rio Carreiro…
Se os governos tivessem discutido barragens, contenções, navegabilidade dos rios…
Se houvesse dragagem para tornar nossos rios navegáveis…
Se…
Ah “se” a gente tivesse pensado, feito, agido doutra forma….
Se…
(…)
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
(…)
Se tivéssemos ouvido e anotado os números do serviço de meteorologia…
Se a gente tivesse se prevenido….
Parece pouca empatia com a desgraça. Mas não… Exatamente pela desgraça, pelo infortúnio, pelo trato ou pelos maus tratos com a mãe Natureza é que me obrigo a escrever e falar. Isto também é empatia!
(…)
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!
(…)
Portanto, vamos assumir nosso papel, filhos desta Terra, como homens e mulheres que podem fazer façanhas e mudar rumos.
Como foram elaborados os Planos Diretores por aqui?
Como foram elaborados os Planos de Manejo das nossas roças?
Qual é o papel da nossa Emater?
Qual o papel do governo do Estado e de cada Município?
Estamos engajados nos auxílios os mais variados possíveis, certo?
Quase todos estamos ajudando e fazendo o que podemos, apesar da vileza de certas “gentes” de ir aos locais para “ver”, fotografando ou filmando a miséria humana estampada na face dos que tudo perderam, menos a vida, aquela que pode resgatar a sua dignidade.
Você que faz “turismo de desgraças” é como diz Hannah Arendt: a Banalidade do Mal, e eu complementaria “ambulante”. Vocês são a nossa desgraça, o nosso Mal, o nosso fel, a nossa escumalha. Se eu acreditasse no Inferno, juro que pediria para vocês queimarem neste fogo sem fim.
Mas quero crer que somos capazes de dar, segundo por segundo, ao minuto fatal todo valor e brilho, para sermos melhores amanhã.
Quero crer que somos capazes de pensar – sem que a isso só nos atiremos – a novos erros, mas a acertos.
Quero crer que somos capazes de sonhar – sem fazer dos sonhos nossos senhores, que vão nos escravizar como tem feito ao longo dos tempos.
Quero crer que o debate do Clima não seja o papo que ouvimos com espanto da pequena jovem Greta Thunberg, na TV, pois já ouvi de uma netinha de uma amiga a campanha que ela está fazendo em seu meio na cidade de Lajeado. Ainda há esperanças.
Amanhã, creio que teremos mais vozes ouvidas, mais linhas lidas, mais feitos realizados.
Nossas façanhas serão ter mudado nestes tempos de “agora” algo que estava nos levando ao Fim.
Ah, se pudermos dizer como nos disse Chico Mendes: Agora, percebo que estou lutando pela Humanidade, a gente está começando a mudar.
*Escritor, professor e bacharel em Direito.
Imagem em Pixabay.
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