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Opinião

São os economistas do PSDB os mais competentes?

São os economistas do PSDB os mais competentes?

Artigo por RED
07/12/2022 04:00 • Atualizado em 08/12/2022 15:10
São os economistas do PSDB os mais competentes?

De RICARDO DATHEIN*

No Brasil há um restrito grupo de economistas, normalmente ligados ao PSDB, com alta respeitabilidade tanto no chamado “mercado”, quanto pelos partidos entendidos como de centro e inclusive por parte da esquerda. Na extrema direita a pobreza de nomes competentes é enorme, enquanto na esquerda não há muitos nomes consagrados ou aceitos pelo “mercado” e pelo dito centro, sendo vistos na maioria das vezes como “populistas” e gastadores. Então os nomes liberais aparecem como quase consensuais e necessários. De fato, esses economistas podem dar contribuições no âmbito de políticas econômicas, mas principalmente de credibilidade frente às classes proprietárias.

Os economistas do PSDB têm um renome ligado ao bem-sucedido Plano Real, de combate à alta inflação que tanto afligiu o país depois dos fracassados governos militares. No entanto, já se passaram quase 30 anos desse marco. Também tiveram sua grande oportunidade de demonstrarem sua competência durante os governos de FHC. Mas os resultados não foram muito animadores. O PIB per capita cresceu apenas 0,8% ao ano entre 1995 e 2002, enquanto a produtividade do trabalho elevou-se em média 0,6% nesse período, um valor extremamente baixo, assim como a taxa de investimento total, de 17,9% do PIB, e a taxa de investimento do governo central, de apenas 0,5% do PIB. Todos esses dados são muito ruins e distantes de países que se destacaram no mesmo período. Além disso, em 2002 a inflação foi de 8,5%, a taxa de desemprego foi de 13%, as dívidas públicas líquida e bruta foram de 60% e 79% do PIB, respectivamente, e o déficit público foi de 4,4% do PIB. Para os que defendem austeridade e destacam sua competência, resultados muito fracos. Por fim, a concentração de renda em 2002, medida pelo índice de Gini, estava em 0,59, uma das piores do mundo. E a taxa de pobreza, depois de baixar com o controle da inflação, em 1994, permaneceu em um elevadíssimo patamar de 34,4% da população, enquanto a extrema pobreza estava em 14,0% (Fontes: FMI, IPEADATA, Observatório de Política Fiscal e EPWT).

Então, se medirmos sua competência pelos resultados, os dados não são muito abonadores. É claro que houve muitos fatores, além da sua competência, que influíram, como a conjuntura internacional. Mas eles tiveram sua oportunidade para enfrentar esses problemas, com amplo apoio do Congresso para suas ações, e a comparação internacional para o mesmo período mostra que o PIB brasileiro correspondia a 3,4% do mundo em 1995 e havia se reduzido a 3,1% em 2002 (FMI).

Vários desses economistas também ganharam muito dinheiro no setor privado, o que seria mais uma demonstração de sua competência. Mas, sendo o setor financeiro brasileiro um clássico setor onde há “almoço grátis”, isso não indica tanta competência. Na realidade não existe esse “almoço grátis”, mas sim transferência privilegiada de valor dos trabalhadores, clientes e da sociedade como um todo, via o Estado.

Mas existe um problema mais profundo, de concepção de mundo e de economia. Esses economistas acreditam que cabe aos governos manter equilíbrio fiscal e baixa inflação, o restante o mercado faria de forma mais eficiente. E, para que o mercado possa atuar livremente, são necessárias mais e mais reformas “estruturais”, retirando as “amarras” impostas ao mercado. Ou seja, percebem o Estado como agente externo ao mercado, como fonte de rigidez e gastos improdutivos.

Os economistas liberais não consideram que uma das principais fontes do baixo desempenho da economia brasileira é a piora da estrutura produtiva. Como o desenvolvimento econômico é justamente uma ampliação da complexidade e sofisticação produtiva, é pressuposto que uma reversão da tendência de piora da estrutura econômica é necessária para aumentar a produtividade e a taxa de lucro média da economia, melhorando com isso a qualidade das ocupações e a renda média da população. Além disso, diminuiria a pressão sobre as políticas sociais, pois nosso baixo dinamismo está fazendo cada vez mais pessoas necessitarem de assistência social para sua sobrevivência.

A visão liberal também não usa o conceito de subdesenvolvimento, não admite que vivemos em um país subdesenvolvido. Esse conceito é fundamental para entendermos que nesses países a dinâmica econômica e social é muito distinta de países desenvolvidos, onde o mercado pretensamente resolveria os problemas, bastando o Estado não atrapalhar. O problema é que a superação do subdesenvolvimento exige a ação do Estado (planejando e agindo) justo para reduzir os entraves, as armadilhas, do subdesenvolvimento.

Além disso, a taxa de lucro média da economia nacional está muito baixa, fruto principalmente da piora da estrutura produtiva. Desde que a visão social-liberal que os economistas do PSDB defendem vigora no Brasil, o crescimento econômico e da produtividade são muito baixos e a estrutura produtiva piora. Essa taxa de lucro produz uma taxa de investimento privada baixíssima, que oscila em torno de 14% do PIB desde 1990, apesar de todas as reformas liberalizantes. Então, não se consegue mais crescimento, mas em compensação tende a ocorrer concentração de renda. E como as finanças públicas ficam permanentemente estressadas pelo baixo crescimento, as políticas sociais acabam por ser cada vez mais contestadas.

Não considerando esses problemas, os economistas liberais travam os governos e o país em uma armadilha, produzindo concentração de renda, baixo crescimento e, portanto, mais dificuldades fiscais.

O pensamento liberal considera que a forma central de recuperar uma baixa taxa de lucro é a redução dos custos. Em termos teóricos até existem outros modelos liberais, mas na prática é essa visão que predomina. Por isso se depreende que as políticas de austeridade buscam prioritariamente não o equilíbrio fiscal (que só virá com o crescimento), mas a redução salarial e de outros custos. Portanto, tendem a ver (na prática, não teoricamente e não admitindo explicitamente) a crise e o desemprego como “positivos”, em uma concepção pré-keynesiana.

Uma questão de fundo é que esses economistas defendem um liberalismo que é justamente uma das origens dos problemas econômicos, sociais e políticos do Brasil, assim como do mundo. Assim, acabam por reforçar a posição crítica da extrema direita, pois representam efetivamente o establishment contestado pela esquerda e por essa extrema direita.

Por isso, dados os problemas de piora da estrutura produtiva, da reduzida taxa de lucro e das questões históricas do subdesenvolvimento, além das dificuldades macroeconômicos cíclicas e dos novos contextos geopolíticos, são necessários políticos, economistas e cientistas sociais que pensam diferente dos liberais. Ou seja, percebendo que a sociedade, via o Estado, precisa fazer o que o mercado não faz.


*Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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