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Opinião

SALVAR O FOGO, novo romance de Itamar Vieira Junior

SALVAR O FOGO, novo romance de Itamar Vieira Junior

Artigo por RED
17/03/2024 05:30 • Atualizado em 20/03/2024 21:05
SALVAR O FOGO, novo romance de Itamar Vieira Junior

De ROBERTO E. ZWETSCH*

Esta é apenas uma nota sobre o livro, nota de espanto, de constatação, de euforia, pois analisar este romance, o segundo da trilogia prometida por Itamar, é um desafio imenso, e ainda não tenho condições de fazê-lo. A leitura desse extraordinário romance causa espécie, na linguagem mais antiga, pois remexe com as entranhas de quem o lê e ausculta, desde os sofrimentos de muitas personagens, os sons do vento e das águas do Paraguaçu, das plantas do tabuleiro e das trilhas, dos cantos dos pássaros e mesmo das ervas da roça de seu Mundinho ou dos tristes e abomináveis segredos do mosteiro de Tapera.

Ainda não consigo analisá-lo no todo e nem sei se um dia o farei. Mas tenho de registrar meu apreço, minha dor, meu apego, minha exaltação a essa inolvidável personagem Luzia de Paraguaçu, rio que tive a alegria de conhecer anos atrás num evento em Cachoeira e de ter percorrido – por um breve momento – suas margens históricas na Bahia de todas as gentes. Foi por isso que conheci a tal ponte de ferro que o autor menciona numa breve passagem.

Luzia de Paraguaçu, registrem este nome, coloquem-no num quadro ou num recanto especial de seu coração. Ela deixará cravada em nossa mente e coração uma luta por dignidade como pouco se viu na literatura brasileira. Digo-o com precaução porque também não sou versado a tal ponto. Mas de tudo o que tenho lido e conhecido, Luzia desponta hoje como – talvez – a maior novidade, a mais densa, a mais linda, a mais corajosa, aquela que – depois de uma vida violada, carregada de trabalho, de preconceitos, de perseguição, de acusações demoníacas totalmente infundadas e insanas, ressurge altiva, livre como o fogo que a habita e jamais se extinguiu.

Luzia de Paraguaçu ergue-se dessas páginas como uma mulher que nos enlaça, nos encanta, nos faz chorar e rir com ela, e talvez, alçar voo com seu manto de penas tecido com todo o cuidado por meses, uma ressonância dos tempos dos Tupinambá, cujo manto mais famoso acaba de retornar ao Brasil como uma memória de um tempo perdido, mas não morto!

Luzia de Paraguaçu renasce, eis o que entendi, caro Itamar! E cito aqui um de seus parágrafos finais que me fizeram parar com a leitura antes de chegar à derradeira página, ao assombro de confirmar que ela é mesmo uma mulher de coragem, que aprendeu a não temer a morte. Pois sabe muito bem que a morte a espreitou em muitos momentos dramáticos de sua dura vida.

Eis o trecho: “Luzia não sabia, mas intuía. Uma torrente de sangue corre em seu corpo e nela viajam memórias antigas de um tempo duro e impenetrável. A epopeia ancestral navega o rio da vida e promove o despertar de sua existência selvagem. Não a transporta para o passado, mas conduz o que há de valioso neste tempo até o presente” (p. 313).

Definitivamente, este é um romance não iluminista, um livro que nos mostra que a vida verdadeira está sempre latindo, se insurgindo, se afirmando como um rio – de fogo? – em nossas veias, pois nelas as nossas memórias e as memórias de nosso passado, de nossas gentes ultrajadas, estão presentes, sempre, sem fim, mesmo quando parecemos frágeis, derrotados ou suspirando por liberdade.


*Teólogo, professor de teologia, pastor luterano.

**Salvar o fogo. Itamar Vieira Junior. São Paulo: Todavia, 2023.

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