Opinião
Sabão de benjoim
Sabão de benjoim
De SOLON SALDANHA*
Quando eu era criança, seguido se ouvia – asseguro que mais meus amigos do que eu – uma ameaça das nossas mães, que lavariam nossas bocas com sabão devido a algum palavrão que delas havia escapado. Não aconteceu comigo, mas o gosto não deveria ser nada bom. Sabão em pó nem sei se existia naquela época. Talvez sim, mas não para todas as camadas sociais. E felizmente, ou se engoliria. Lembro bem daquelas barras de cor indefinida, feitas à base de glicerina. Se destinadas a lavar roupas, seguido recebiam auxílio de um saco plástico onde eram postas as peças para quarar ao sol, se mais encardidas. Como encardida ficava a situação de algum de nós que ousasse repetir o palavrão.
Sinceramente, eu nem sabia até agora da existência de um tal sabão de benjoim. Tomei conhecimento porque fui apresentado a ele, por ser o nome de uma canção. Tem áudio, ao final, como o bônus de hoje. Então, fui pesquisar e descobri que benjoim é um bálsamo extraído da resina de algumas espécies de árvores, nativas das Índias Orientais. O legítimo benjoeiro é de Sumatra, sendo também cultivado em Java, na Tailândia, China, Vietnã e Camboja. Mas o que importa é que ele tem concentração alta de fragrância, o que permite uso em perfumaria e massagens. Veio agora na minha mente uma daquelas massagistas tailandesas de filmes em ação, mas deixa prá lá. O tema de hoje não é esse.
De qualquer sorte, com ele se produz sabão e sabonetes que são, esses últimos, cremosos porque enriquecidos com manteiga de murumuru, que hidrata e nutre a pele. Já estou achando que leitoras e leitores irão fazer pesquisa também, mas para descobrir onde encontrar o produto. Então, facilito informando também que murumuru é a semente de uma palmeira encontrada na Amazônia. Que agora, se espera, tenha possibilidade bem maior de continuar existindo, se o novo governo cumprir sua promessa de evitar o desmatamento criminoso da região. Então, para concluir esse trecho enciclopédico, existe também a tintura de benjoim, que se usa como um poderoso antisséptico tópico.
Pierre Aderne e Pedro Luís são muito talentosos. O primeiro nasceu em Toulouse, na França, tem pai português e mãe brasileira. Veio para o Rio de Janeiro com um ano de idade e depois viveu em Brasília, quando seus pais foram lecionar na UNB. É cantor e compositor. O segundo, carioca da Tijuca, é músico que desenvolveu trabalho em especial com bandas, como a Monobloco. É da lavra de ambos a Sabão de Benjoim. Compuseram como sátira, informando o uso do produto para desinfetar de vez as camisetas amarelas da Seleção Brasileira, depois de quatro anos sendo elas usadas para fins diversos que não os esportivos. Mas, segundo eles, a situação é tão extrema que irão ainda aplicar sal grosso e manjericão. Isso além de benzer com água benta, arruda e saião. Essa última é também conhecida como folha-da-fortuna e tem origem africana, sendo nativa de Madagascar.
Esse esforço múltiplo e de peso mostra bem a carga que tal camiseta tem sobre si. Talvez isso tenha inclusive sido causa imaterial da derrota sofrida no Catar, mas agora não adianta a gente chorar. Que chorem os que estão tendo que abandonar as concentrações na frente dos quartéis. Serviram, com o perdão do trocadilho óbvio, de “bois de piranha”. Foram úteis para que os militares usassem as manifestações como forma de pressão, de chantagem na luta desesperada por manter benefícios que Bolsonaro se encarregou de distribuir aos borbotões para os fardados. Mas a mudança do comando das Forças Armadas está aconselhando que desistam. Não tinham mesmo o perfil dos acampados diante da prisão onde Lula, em Curitiba, cumpria pena injusta. Na capital paranaense a resistência durou mais do que 500 dias, sem recebimento de picanha, cerveja e toda a enorme infraestrutura paga por empresários. Dois meses realmente já foi muito.
Existe um ótimo clipe de Sabão de Benjoim. Ele foi gravado no Rio de Janeiro, Porto e Lisboa, com um bom grupo de instrumentistas e também vocais. Mas não está permitido seu compartilhamento. Então, coloco a seguir apenas o áudio. Quanto à camiseta, nunca comprei uma daquelas oficiais. Mas até estou me animando a fazer isso agora. Assim como a bandeira nacional, outro símbolo do qual a extrema-direita havia se apropriado, ela nos está sendo restituída. Vamos ter que fazer é uma lavagem bem profunda na história recente. Haja água, sabão, trabalho e paciência.
O bônus de hoje, conforme foi antecipado ao longo do texto, é a música de Pierre Aderne e Pedro Luís, Sabão de Benjoim.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Imagem da internet com detalhes das folhas, flores e frutos de benjoim.
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