Opinião
Reynaldo Moura – pouco lido e quase esquecido
Reynaldo Moura – pouco lido e quase esquecido
De ADELI SELL*
Reynaldo Moura, escritor e jornalista, nasceu em Santa Maria em 1900 e faleceu em Porto Alegre em 1965.
Já na casa dos 20 anos, contribuía com a imprensa gaúcha com crônicas, poemas e romances em folhetins, como na Revista do Globo, Diário de Notícias, Boletim de Ariel, Jornal da Letras, Jornal da Tarde e Gazeta de Notícias. Foi redator e editor no jornal A Federação. E a partir de 1934, tornou-se cronista do Correio do povo. Também foi diretor da Biblioteca Pública do RS.
Em 1935, Moura publicou “A Ronda dos Anjos Sensuais”. Com este seu primeiro romance temos a marca de um escritor que fala da cidade, em especial de Porto Alegre, usando como em “Romance no Rio Grande” a contradição campanha x cidade, o passado x presente.
A professora e sua conterrânea, Maria Luíza Ritzel Remédios, tem um estudo sobre sua obra “para compreender o processo de construção e aniquilamento das personagens principais dentro da moldura espacial em que se encontram: a cidade de Porto Alegre em processo de modernização, de 1935 a 1965, período de trinta anos entre uma e outra obra, portanto”.
Tem uma notável obra ficcional, romanesca, além de poesias publicadas.
É preciso sinalizar que, em 1964, foi preso pelo Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS. Muito provável que este infortúnio persecutório tenha causado um infarto, que o levou à morte.
Num sebo, adquiri seu “Romance no Rio Grande”, de 1958, mas quem o comprou não leu, pois havia páginas não cortadas, tive que separá-las para ler as paginas já amareladas pelo tempo.
Não lembro no meu Curso de Letras de qualquer menção a ele, nem tenho lido na atualidade alguma memória ou estudo sobre um autor de uma obra notável, porque enquanto Érico, mesmo tendo escrito romance urbano, se voltava a trabalhar O Tempo e o Vento; Cyro Martins falava ainda do Gaúcho a pé, apenas Dyonélio no mesmo ano vinha com Os Ratos, este na máquina da cidade, no espaço urbano.
Neste “Romance no Rio Grande”, a campanha é “memória” passada do narrador, com uma infortunada presença/volta à fazenda da família por alguns dias. Mas tudo neste romance é, repetindo, presente em contraposição ao passado, pois está na cidade, onde comete um assassinato, num espaço tipicamente urbano, marcante daqueles anos, a prostituição, a espelunca, o cafetão, voltando para a cidade depois da morte da mulher que ele idealizou nas coxilhas para si, para ver com ele em seu apartamento em Porto Alegre.
O narrador é uma personagem em conflito, em uma busca para ser um cidadão do mundo, urbano, não usa mais as pilchas, não se vê de botas e bombachas. O pai não é mais aquela figura imponente e respeitosa do passado, mas um trapo de gente desfigurado por um acidente vascular.
Daquele interior, do pampa, só lhe restam o mate, que sorve com prazer, e o cigarro de palha que lhe serve para pensar e até ruminar sua vida, suas angústias.
Elizita, a menina filha de parentes com quem brinca é a mesma, agora já uma mulher, sempre à frente dele, mostrando seu garbo infantil ou de mulher cativante.
Só aparecem as cenas de sua morte pelo falar de um como se diria hoje em dia “doble chapa”, aquele tipo que se confunde nas fronteiras; algo que o narrador rejeita.
O seu meio irmão, que soube por acaso, motor da morte de sua amada, por assédio, levando “o cavalo” da morte a corcovear e levar à sua queda, ficando pendurada no estribo, arrastando-a a morte, é aquele “mestiço”, o outro, o iletrado, o bruto, como fora o cafetão/ladrão que o tenta matar depois de um ato de cama com a Matilde que o “agarra” na rua. São os brutos. E estes terão que morrer. O cafetão na cidade é morto para se defender da sua morte.
A morte do Chiru nas colinas de fim de campo tem que morrer também porque lhe tirou aquela que poderia ser sua redenção. Esquecer o seu passado, ultrapassar seus medos, seus limites de interiorano e coloca-lo no mundo civilizado dos grandes centros, pois o impacto que ela causou foi nas praias do Rio, quase despida, como ela voltou a aparecer na colina para ele quando tem seu grande momento de amor.
Se fosse fazer uma resenha crítica, se fosse partir da linguagem, da construção da narrativa, citaria vários pontos e elementos destas contradições passado x presente; campo x cidade; brutos x civilizados.
A palavra Chiru para designar seu meio irmão mestiço tem todos os sentidos desta origem étnica, como poderia ser “parceiro”, na medida em que este cuidava dos negócios de Júlio, o narrador.
Já me alertou um professor, estudioso de nossas Letras, que Reynaldo fora uma espécie de segundo time da narrativa pós-30, sendo que Érico, Dyonélio e Cyro seriam da primeira. Pode e até deva ser.
Mas passados quase 60 anos de sua morte, parece-me que está na hora de estuda-lo mais de perto.
É o que se deveria fazer com Alcides Maya e Augusto Meyer, nossos primeiros escritores a ir para a Academia.
*Escritor, professor e bacharel em Direito.
Imagem: arquivo pessoal disponível em Wikipedia.
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