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Opinião

Redes sociais e violência

Redes sociais e violência

Artigo por RED
02/05/2023 05:30 • Atualizado em 04/05/2023 08:22
Redes sociais e violência

De RENATO STECKERT DE OLIVEIRA*

Se alguém ficar nu numa via pública fazendo gestos obscenos, certamente será detido e processado por atentado ao pudor. Mas, se alguém constituir um grupo de pessoas que gostam de ficar nuas fazendo gestos obscenos numa rede social, muito provavelmente não sofrerá nenhuma punição. A razão básica é que uma via pública é um espaço público, submetido, portanto, a leis que respeitam o público, isto é, definem aquilo que é o consenso mínimo para a boa convivência numa sociedade. Normalmente esse consenso mínimo já é definido pelos padrões morais vigentes, e a lei existe justamente para coibir aqueles indivíduos que transgridem esse consenso mínimo.

Ora, as redes sociais não constituem um espaço público neste sentido. Não há leis claras que definem os limites entre o que é lícito e o que é ilícito nos conteúdos nelas divulgados. Os integrantes do grupo virtual de admiradores de nus obscenos, por exemplo, pode perfeitamente alegar que não estão incomodando ninguém, que tudo se passa entre eles e ninguém tem nada a ver com isto. Ou seja, o que é ilícito em público não necessariamente é ilícito na rede social, onde se reúnem grupos privados. Este é o argumento.

Daí que as redes sociais podem facilmente se converter, e efetivamente se converteram, no espaço privilegiado de indivíduos que, por um motivo ou outro, querem justamente transgredir as normas públicas, ou seja, o consenso mínimo que torna possível a vida em comum. Essa transgressão pode ir desde formas “inocentes”, como admirar nus obscenos, até formas de pura perversão – como atacar escolas infantis e assassinar crianças.

Só o público não trabalha contra si mesmo, disse o filósofo Jean-Jacques Rousseau, querendo com isto dizer que, entregue a si mesmo, o indivíduo pode cometer as piores barbaridades. Formamo-nos na vida pública, através das instituições que a regulam e tornam possível a convivência de pessoas distintas que pensam de formas distintas: a família, a escola, a igreja, os partidos políticos – o Estado, enfim, a depender da trajetória de cada um. É aí que nos constituímos como seres humanos. É através da vida pública que transformamos nossos instintos – de autodefesa, por exemplo – em virtudes – quando aprendemos que nossa autodefesa depende do bem estar dos outros, e portanto, se quisermos nos defender, temos que ser corresponsáveis pela defesa de todos.

Ao criarem um espaço que nos possibilita escapar desse espaço público, ainda que momentaneamente, as redes sociais promovem uma regressão civilizatória, convidando-nos a viver a ilusão do puro eu, do egoísmo sem limites em meio aos que pensam, agem e querem como eu. Aí podemos planejar tudo, desde ficar nus fazendo gestos obscenos até invadir uma escola e massacrar seus alunos e professores. Tudo sem controle público. Tudo contra o público.


*Sociólogo, professor aposentado da UFRGS, foi secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do RS e secretário de Estado Adjunto do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do RS.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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