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Reconstruir o imaginário político
Reconstruir o imaginário político
Por RENATO JANINE RIBEIRO*
Quando o PT venceu a eleição presidencial de 2002, iniciou uma ruptura com uma tradição política brasileira. Até então, os pobres não organizados costumavam votar na direita, enquanto a esquerda recebia os votos da classe média progressista e dos pobres organizados, como sindicalistas e participantes de movimentos sociais.
Durante os governos Lula, ocorreu um realinhamento político significativo no Brasil. O PT perdeu uma parte considerável do apoio que tinha nas classes médias, mas, em contrapartida, conquistou a fidelidade de uma grande parcela dos mais pobres. Esses eleitores, que anteriormente votavam em figuras como Paulo Maluf ou Antônio Carlos Magalhães — ou seja, contra seus próprios interesses —, passaram a enxergar no PT uma representação de suas aspirações.
Esse alinhamento entre os interesses econômicos e sociais dos mais pobres e a sua expressão política perdurou por um bom tempo. No entanto, entrou em crise após o golpe de 2016. Um dos principais efeitos desse golpe foi o rompimento desse elo entre a vontade política e os interesses reais das camadas mais pobres da população.
Hoje, vemos uma parte significativa da população pobre votando contra seus próprios interesses. Esse fenômeno é frequentemente descrito como o surgimento dos “pobres de direita”, uma expressão que não me agrada por ser condescendente, mas que reflete uma realidade concreta.
Esse desalinhamento é um grande desafio para o governo Lula atual, que não tem conseguido recuperar os níveis de popularidade e coesão política que existiam no passado. A questão central que se coloca é: como voltar a criar esse alinhamento entre interesses e expressão política?
Desta vez, não bastará apenas apelar aos interesses materiais, como o Bolsa Família ou promessas de consumo acessível, como a “picanha com cerveja”. Será necessário trabalhar o imaginário político, algo que não surge automaticamente de benefícios econômicos. Reconstruir esse imaginário, que conecta os valores, a dignidade e os sonhos da população com o projeto político, será crucial para retomar a fidelidade e a confiança das classes populares.
* Renato Janine Ribeiro é filósofo, ex-ministro da educação e presidente da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Texto publicado originalmente no Facebook do autor
Foto: Manifestantes em frente ao Quartel General das Forças Armadas, no sábado, 05/11/2022 – Crédito: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
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