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Opinião

Realidade cruel do racismo ambiental e injustiça climática em Porto Alegre

Realidade cruel do racismo ambiental e injustiça climática em Porto Alegre

Artigo por RED
20/12/2023 05:35 • Atualizado em 23/12/2023 00:04
Realidade cruel do racismo ambiental e injustiça climática em Porto Alegre

De ALEXANDRE CRUZ* e BETÂNIA ALFONSIN**

Recentemente, uma pesquisa do Datafolha revelou que 40% dos brasileiros sentem que seus bairros não estão preparados para lidar com condições climáticas extremas. Esse estudo, divulgado no último domingo, destaca os impactos observados e a percepção da população sobre as mudanças climáticas, reflexo direto das atividades humanas.

Outra pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) identificou os bairros de Sarandi, Rubem Berta, Cristal, Santa Teresa, Partenon e São José, todos em Porto Alegre, como os mais suscetíveis ao calor. Essa análise considerou não apenas as características climáticas, mas também fatores socioeconômicos, infraestrutura pública de combate ao calor, vegetação local e a faixa etária da população em situação de rua.
Essa pesquisa propôs um plano de mitigação do calor, delineando estratégias para orientar os governos municipais a incluir a variável climática no planejamento urbano, especialmente em relação às temperaturas elevadas durante o verão.

No entanto, além de destacar a vulnerabilidade dos bairros ao calor extremo, essa pesquisa revelou nuances de um fenômeno conhecido como racismo ambiental. A análise cuidadosa das variáveis socioeconômicas revela disparidades alarmantes, com comunidades mais carentes sendo as mais afetadas, principalmente em bairros negros como Partenon e São José. Isso não só aponta para a falta de preparo para as mudanças climáticas, mas também evidencia desigualdades profundas e estruturais.

Nesse contexto, críticas têm sido direcionadas ao prefeito Sebastião Melo, do MDB, cuja gestão tem sido alvo de controvérsias e insatisfação. A população denuncia a ausência de medidas eficazes para enfrentar o problema, evidenciando uma falta de compromisso com a proteção das comunidades mais vulneráveis. Ultimamente, os bairros periféricos da capital gaúcha ficaram sem água e eletricidade diante do calor acima de 40 graus. Isso é inaceitável, Melo!

Essas críticas ressaltam a necessidade urgente de ações concretas para lidar com as questões do clima extremo e do racismo ambiental. Os cidadãos clamam por uma abordagem mais inclusiva, considerando não apenas a infraestrutura, mas também as disparidades socioeconômicas que perpetuam a injustiça ambiental.

Em um momento em que o mundo enfrenta desafios climáticos cada vez mais severos, é imperativo que os líderes municipais, incluindo o prefeito Melo, estejam à altura da responsabilidade de proteger todas as comunidades, independentemente de sua condição socioeconômica. A falta de ações efetivas agora pode resultar em consequências irreversíveis no futuro, exacerbando ainda mais as desigualdades já existentes e até o risco de mortes.

Nossas cidades, moldadas pelo modo de produção e consumo, refletem essa discrepância. Enquanto a elite econômica desfruta de bairros arborizados e condomínios fechados, as periferias carecem de árvores, resultando em mapas térmicos que variam até cinco graus em diferentes regiões da cidade. Enquanto os mais privilegiados têm recursos como ar-condicionado e piscinas para enfrentar o calor, a população de menor renda vive em habitações sem conforto térmico, incapazes de oferecer qualquer alívio nesse clima escaldante.

O sociólogo Pierre Bourdieu observou que em uma sociedade hierarquizada não há espaço que não seja igualmente hierarquizado. No Brasil, essas hierarquias espaciais remontam ao período colonial, seguido do horror da escravatura e esse legado atualizado sobre forma de exclusão sócio territorial  e  racismo ambiental. A injustiça climática se materializa de maneira avassaladora para os habitantes das periferias, que muitas vezes estão em áreas consideradas impróprias para moradia, à margem de cursos d’água e suscetíveis a deslizamentos.

Quando eventos climáticos extremos, como enchentes, ocorrem, são os pobres das cidades que mais sofrem, perdendo tudo sob as forças das águas e dependendo de doações e da competência governamental para enfrentar a calamidade. No entanto, a injustiça ambiental também se manifesta em condições de calor excessivo, como as que vivenciamos em dezembro de 2023, com uma crueldade adicional: a falta de destaque midiático para o sofrimento de quem enfrenta temperaturas escaldantes sob condições habitacionais precárias diante do telhado de zinco que impulsa a sensação térmica a 50 graus e a moradia sem janelas.

No caso específico da capital gaúcha, o racismo ambiental se revela na distribuição desigual das deficiências nos serviços públicos municipais e estaduais. Bairros como Lomba do Pinheiro, Bom Jesus, Belém Novo e Intercap enfrentam falta de água e luz, às vezes por vários dias consecutivos. Se a mesma falha ocorresse em bairros mais privilegiados, como Bela Vista ou Moinhos de Vento, certamente as equipes municipais e estaduais priorizam o atendimento a essas regiões, perpetuando a desigualdade econômica.

Ficar sem água em meio a uma onda de calor é uma tortura física cruel, privando os menos favorecidos de um recurso vital para a sobrevivência. A privatização dos serviços de água, proposta por Sebastião Melo para a autarquia antes referência em atendimento universal, só agravaria essa situação, sujeitando-a aos interesses de um prefeito que optou por governar para poucos.

O racismo ambiental será um tema crucial no debate eleitoral de 2024. A cidade clama por políticas públicas e líderes comprometidos em assegurar o direito à cidade para todos. Transformar essa realidade exige esforços coletivos para criar um ambiente mais equitativo e resiliente, onde cada cidadão possa enfrentar as mudanças climáticas com a mesma dignidade.


*Jornalista.

**Pesquisadora do Observatório das Metrópoles e Diretora de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU).

Foto: Cesar Lopes/ PMPA.

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