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Quando a ditadura vira liberdade de expressão: a distopia de Sebastião Melo

Quando a ditadura vira liberdade de expressão: a distopia de Sebastião Melo

Artigo por RED
02/01/2025 14:28 • Atualizado em 02/01/2025 14:35
Quando a ditadura vira liberdade de expressão: a distopia de Sebastião Melo

Por ALEXANDRE CRUZ*

Ontem, na cerimônia de posse do prefeito reeleito Sebastião Melo (MDB), a política de Porto Alegre foi tingida por uma mancha que nem mesmo o brilho dos holofotes conseguiu disfarçar. Em um discurso que beirou o revisionismo histórico, Melo defendeu a ditadura como liberdade de expressão. Sim, isso mesmo. Ditadura. Liberdade. Na mesma frase. Parece um paradoxo, mas na mente de Sebastião Melo, trata-se apenas de um jogo de palavras conveniente para um prefeito que não hesita em flertar com o autoritarismo.

Em seu discurso, Melo não apenas banalizou um regime que calou vozes, destruiu vidas e sufocou a democracia; ele também reiterou sua aliança com o Partido Liberal (PL), o mesmo partido que tem sido uma espécie de “bastião” do bolsonarismo. Um partido que insiste em minimizar os horrores do 8 de janeiro de 2023, um dia que entrará para a história como a tentativa mais flagrante de destruir os Três Poderes da República desde a redemocratização.

É impressionante como Sebastião, ao evocar a liberdade de expressão, parece ignorar que esta é justamente uma conquista da democracia que ele flerta em deslegitimar. Pior, ao citar comportamentos supostamente “equivalentes” ou “piores” de outros lados, Melo segue à risca o manual dos chamados semi-leais à democracia, uma categoria descrita com precisão no livro Como Salvar a Democracia. De acordo com os autores, democratas semi-leais são aqueles que, ao invés de condenar inequivocamente a violência política, preferem minimizá-la ou justificá-la com o clássico “mas e o outro lado?”.

A postura de Sebastião é particularmente perigosa porque normaliza narrativas que relativizam a gravidade de atos antidemocráticos. Quando um líder eleito utiliza sua tribuna para defender o indefensável, ele envia uma mensagem clara: a democracia é opcional. Afinal, se até um prefeito reeleito pode colocar ditadura e liberdade na mesma frase sem corar de vergonha, por que os extremistas deveriam se sentir constrangidos em repetir as cenas de horror que vimos em 2023?

Não é coincidência que a fala de Melo ocorra tão próxima ao aniversário de um dos momentos mais sombrios da nossa história recente. É quase como se ele estivesse testando os limites da nossa memória coletiva, um lembrete velado de que os valores democráticos estão sob constante ataque. E não, não é exagero. Os democratas leais – aqueles que condenam inequivocamente qualquer tentativa de minar as instituições – sabem que este é o momento de falar. O silêncio seria cumplicidade.

Sebastião Melo talvez veja sua retórica como um golpe de mestre, mas ela é, na verdade, uma revelação do quanto ele está disposto a relativizar a história e os valores democráticos em nome de alianças políticas. E essa postura deve ser denunciada, criticada e rejeitada com veemência. Porto Alegre, uma cidade que historicamente esteve à frente de movimentos progressistas, merece lideranças que estejam à altura de sua tradição democrática – não líderes que transformam a distopia em discurso oficial.

Se é para salvar a democracia, que comece por aqui. Condenemos inequivocamente a banalização da ditadura e a defesa de alianças que ameaçam o estado de direito. E que fiquem claros os limites: liberdade de expressão nunca será sinônimo de defender o indefensável.

 

 

*Alexandre Cruz é jornalista piolítico.

Foto de capa: Reprodução/RBS TV

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