Opinião
Qual é a pauta correta do Movimento Sindical?
Qual é a pauta correta do Movimento Sindical?
De AMAURI PERUSSO*
Brasil: subdesenvolvido ou em desenvolvimento?
Durante o Fórum Social Mundial de 2023, em Porto Alegre – RS, no painel que contou com a presença das Centrais Sindicais, ouvimos um depoimento de João Coelho, membro do conselho nacional da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses). Entremeada na sua fala, veio a mensagem dizendo que a unidade dos trabalhadores deve levar em conta a superação das linguagens ideológicas, que nos condicionam e confundem, como classe. Para exemplificar, falou que os Europeus devem abandonar o tratamento de “países em desenvolvimento”, atribuídos àqueles que estão na periferia do capitalismo, e que, por conseguinte, sofrem a exploração e subordinação, vinda do centro do sistema. Disse, também, que devemos enfrentar o sistema financeiro, que concentra a riqueza do mundo e empobrece os trabalhadores.
A expressão “Brasil, país em desenvolvimento” foi trazida ao espaço de entendimento do modelo brasileiro pelo Ex-Ministro da Economia Delfim Netto, nos estertores do modelo econômico da ditadura civil/militar. Mas, ela não é criação do Delfin. É um discurso ideológico organizado a partir do Departamento de Estado do EUA, assoprada aos Organismos Internacionais (FMI, Banco Mundial e outros).
Muita gente boa, que se intitula de esquerda, segue utilizando (repetindo) estes termos, sem qualquer análise crítica. E daí estamos há 50 anos como País em desenvolvimento.
Importante chamar Celso Furtado, estruturalista da escola da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), à conversa: o contrário de subdesenvolvido é desenvolvido. “O subdesenvolvimento é um processo histórico, não constitui uma etapa necessária de formação das economias capitalistas. A única tendência é que Países subdesenvolvidos sigam sendo subdesenvolvidos”.
O mestre ainda nos ensina que “o subdesenvolvimento é a manifestação de complexas relações de dominação entre os povos (com tendência) a autoperpetuar-se sob formas variantes”. E conclui que é preciso “tomar consciência da dimensão política da situação de subdesenvolvimento” (Celso Furtado, “O mito do desenvolvimento econômico” (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974).
Ah, você leitor, dirá: espera aí: eu prefiro adotar a expressão “emergente”. Muito atual, na imprensa. Ao que cabe perguntar: emergindo de quê? Emergindo de onde e para onde?
Na Pública – Central do Servidor, quando examinamos, em congresso, qual a estrutura deve ter a burocracia brasileira, ou, em outras palavras, como deveremos organizar o Estado (União, Estados e Municípios) para garantir a produção de bens públicos e a prestação de serviços à população? Quais funções e carreiras devemos assegurar e defender? Logo apareceram perguntas preliminares e relevantes: qual o modelo de sociedade construiremos, no Brasil, ou onde queremos viver no futuro? Qual será o papel do Estado (e sua intervenção na vida econômica, cultural, do meio- ambiente, etc.) para construir o novo modo de vida? Em outras palavras, como construir um mínimo civilizacional, num capitalismo que alcançou a fase financeira?
Então, decidiu-se apropriar o entendimento de que o Brasil é um país subdesenvolvido e dependente (e não foi necessário, nem mesmo, recorrer ao Ruy Mauro Marini), bastando olhar os dados primários de morte por dengue, chikungunya, febre amarela, falta de água tratada e coleta de esgoto (em 37% dos lares brasileiros) e a presença da fome para parte significativa da população, enquanto exportamos quantidades enormes de alimentos. Igualmente, o desatendimento da escola, incapaz de ensinar “os filhos do povo a ler e escrever e fazer contas” como denunciava Darcy Ribeiro. Um precário atendimento de saúde pública e uma nova “senzala humana” nos presídios.
Somente um país subdesenvolvido dizima seus povos originários e submete a população negra a um processo de “escravização estrutural”. Sem contar que naturalizamos o abandono social (humano), tendo como maior exemplo a cidade de São Paulo, Capital do Estado mais rico do Brasil.
É claro que temos ilhas de desenvolvimento (inclusive) tecnológico como a indústria aeroespacial, a extração de petróleo em águas profundas, o desenvolvimento do setor nuclear, pesquisas na área da genética, dentre outros.
Nesse diapasão, o papel dos trabalhadores (e também dos intelectuais) é de disputar transformações radicais da sociedade brasileira, para romper o subdesenvolvimento. Redefinir a distribuição da renda e da riqueza, da propriedade da terra (sobretudo a urbana, onde está o grosso da população, sem acesso a moradia adequada), do controle do lucro das empresas nacionais e estrangeiras – e, da remessa de enormes quantias para os “paraísos” (esconderijos) fiscais -. Romper com as diferenças econômicas brutais e inaceitáveis. Enfrentar e dominar o sistema financeiro que infelicita as famílias e o Estado. Alocar todos os recursos existentes no desenvolvimento das condições humanas e na realização dos potenciais de desenvolvimento. Tratar da cultura nacional, apoiar seu desenvolvimento e acesso do povo e eliminar a ignorância e a violência.
Haveria, por certo, uma enorme lista adicional. Amplie a seu gosto. Mas, não rebaixe as reivindicações às misérias do cotidiano.
Importante, não responda, a si mesmo, que não existe correlação de forças para fazer mudanças. Martin Luther king declarava que, quando dizem que “agora não é oportuno, eles querem dizer, nunca acontecerá”.
Rebaixar as demandas para pautas não transformadoras, com alguma ou nenhuma concessão no atendimento das necessidades, historicamente desatendidas, é papel daqueles que nada querem mudar. Assim que, por exemplo, dois milhões de casas do programa “minha casa, minha vida”, anunciadas (sem orçamento, fonte, determinadas) a serem construídas (?) até o final do Governo Lula, pode alcançar a categoria de uma piada de mau gosto, diante das necessidades conhecidas do país. Nessa programação, quantas gerações deverão morar na favela em sub-habitações, até que sua realidade seja alterada?
Centrais sindicais têm a obrigação de pensar essas questões, notadamente na medida em que os trabalhadores são a maioria da população nacional. E são diretamente atingidos pela ausência do Estado e dos serviços públicos de qualidade. Aqui, importante considerar o desmonte que a que o Temer e o Guedes (Bolsonaro) levaram a efeito nos últimos seis anos.
Parece curioso, mas não é, a ausência de críticas ao Guedes no debate nacional, depois da posse do Lula. Foi titular de cinco Ministérios: Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio, Previdência e Trabalho. Mas é mais fácil criticar o desempenho do “palhaço” Bolsonaro, do que as decisões do “dono do circo”, o sistema financeiro e seu representante. Essa crítica exige ir mais fundo na análise dos fenômenos econômicos e significa ter que mudar.
Importante determinar, se for o caso, que adotar comportamento para manter a sociedade onde se encontra é papel da direita. A direita é uma pequena fração (agora radicalizada, com um discurso de massa) que sempre se apropriou da riqueza nacional em detrimento da maioria do povo.
Ah, será que o Governo disputará mudanças estruturais? Como se comportarão as Centrais e o Movimento Sindical? O correr da luta é assunto para outros artigos…
*Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do RS, Presidente da Federação Nacional de Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (FENASTC), Diretor da Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado (CONACATE) e Secretário de Relações Internacionais da Pública – Central do Servidor.
Imagem em Pixabay.
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