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Opinião

Prometeu entre a ciência e a política (e com sete Oscars no bolso)

Prometeu entre a ciência e a política (e com sete Oscars no bolso)

Artigo por RED
25/03/2024 05:20 • Atualizado em 30/03/2024 00:59
Prometeu entre a ciência e a política (e com sete Oscars no bolso)

De LÉA MARIA AARÃO REIS*

Cillian Murphy está magnífico no papel de Oppenheimer. Seu trabalho é um suporte decisivo na composição da personalidade complexa do gênio da ciência no século passado, amigo de Einstein que nutria por ele grande admiração

Foi nesta primeira biografia premiada com o Pullitzer, American Prometheus – The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer*, deKai Bird e Martin J. Sherwin, que o brilhante diretor britânico Christopher Nolan encontrou inspiração e se baseou para fazer o seu Oppenheimer, transformado em surpreendente blockbuster cinematográfico mundial. O filme continua sendo uma das maiores bilheterias da temporada de fim de verão do hemisfério norte. Nos cinemas brasileiros alcança fortes bilheterias.

Além de aclamação quase unânime da crítica especializada em filmes, no primeiro fim de semana de estreia Oppenheimer arrecadou cerca de 81 milhões de dólares nas bilheterias dos Estados Unidos e do Canadá, e mais 90 milhões de dólares em todos os outros países em que foi apresentado nos três primeiros dias.

Seu sucesso é devido à curiosidade das gerações mais jovens, do pós-guerra, anos 60 especialmente, que pouco conheceram a trajetória da personalidade  nada linear de Oppenheimer.

O jornalista e escritor Kai Bird arrisca explicar o estrondoso sucesso do filme de Nolan: “Ele conseguiu colocar a extrema complexidade da vida pessoal de Oppenheimer em imagens magníficas da arte do cinema e foi fiel ao ser humano e à História”. O resultado é uma cinebiografia fascinante do homem que liderou o histórico Projeto Manhattan no qual foi criada a bomba atômica, apesar da onipresença no filme de três horas do árduo tema para o grande público, ou seja, a Ciência pura e a Física Teórica.

O filme retrata os primeiros anos das atividades do filho de próspera família de comerciantes de origem judaica de Nova Iorque, e em seguida o cientista em Berkley, depois na Inglaterra e na Alemanha pesquisando astrofísica, física nuclear, espectroscopia e teoria quântica de campos até se tornar famoso e ser reconhecido como um dos pioneiros da escola norte-americana da Física Teórica.

No elenco, o ator Cillian Murphy está magnífico no papel do protagonista. Seu trabalho é um suporte decisivo na composição da personalidade complexa do gênio da ciência no século passado, amigo de Einstein que nutria por ele grande admiração.

É louvável como Murphy, ator jovem, de 41 anos, mas com uma aparência quase juvenil,se transforma, na sua interpretação, no cientista só um pouco mais maduro (47 anos) quando projetou e concretizou a bomba atômica histórica; mas que parecia de mais idade.

Outros, do elenco: Matt Damon e Robert Downey Jr., que também brilham, um como a autoridade militar em Los Álamos e o outro como o burocrata carreirista que infernizou a vida do colega. Emily Blunt interpreta Katherine ‘Kitty’ Oppenheimer, e a atriz Florence Pugh faz Jean Tatlock, repórter e escritora, membro do Partido Comunista americano, amante dele. As duas são fortes e causam impressão.

Albert Einstein surge, rápido, em duas cenas, no excelente ator Tom Conti, quase um sósia desse outro gênio científico, autor de carta ao então presidente Theodore Roosevelt recomendando que o país prestasse atenção no trabalho daquele companheiro e se envolvesse em pesquisas sobre armas nucleares.

Líder natural, carismático e envolvente, mas introvertido, sereno e culto, o “pai da bomba atômica” que possuía o livro sagrado do hinduísmo na sua estante, o Bhagavad Gita (A Canção do Senhor), foi convocado pelo governo americano de Franklin Roosevelt para chefiar pesquisas no Projeto Manhattan, montado por ele em pleno deserto texano. Uma pena que o filme não mostre com mais detalhes  esse lado ‘oriental’, simpatizante (ou adepto?) do budismo, depois de realizada a sua invenção mortal.

Em Los Álamos, Oppenheimer e o seu grupo de cientistas de verdadeira elite criaram a arma de extraordinário poder de ‘dissuasão’, o dispositivo que ensejaria o fim da Segunda Guerra Mundial. O objetivo era destruir de vez o inimigo japonês que, em 1945, antes da bomba estourar, já estava praticamente vencido.

As carnificinas de Hiroshima e de Nagasaki encerraram a guerra, mas a partir de então Oppenheimer começou a ser cobrado e perseguido por não se mostrar motivado nem pronto para continuar trabalhando no projeto de outro artefato, uma bomba definida como ‘arma defensiva’ no jargão do governo e dos militares norte-americanos.

Oppie, como o  chamavam os amigos, era contra o uso da bomba de hidrogênio que libera uma quantidade de energia várias vezes maior que a primeira.

O ritmo do filme de Christopher Nolan absorve; é atraente. Um dos melhores cineastas em atividade no cinema anglo-saxão, ele maneja e mescla com inteligência as fundamentais filigranas científicas do mundo de Oppenheimer com o universo das intrigas e das manobras políticas e militares da era do pós-guerra dos anos 50.

A competição e desconfiança entre ex-aliados na guerra, em particular a sempiterna e obsessiva rivalidade dos estadunidenses com os russos; o monumental narcisismo dentro da comunidade de estrelas da Ciência e os episódios da era fascista da histérica “perseguição às bruxas” do senador Joseph McCarthy, levaram Oppenheimer ao isolamento.

“Como você pôde ser tão ingênuo”, diziam os amigos ao cientista, quando ele começou a ser acusado de comunista e traidor. O ex-diretor do laboratório atômico de Los Álamos foi convocado a testemunhar, durante meses, em duras e humilhantes audiências diante do Comitê Especial do Senado sobre Energia Atômica. No filme, sequências exasperadas e dinâmicas que mantêm o interesse do espectador.

Vê-se sublinhada em diversos momentos a força do embate entre Ciência versus Política, esta acompanhada das instituições militares. A primeira, dependente das duas seguintes para se financiar e seguir pesquisando com a anuência de políticos e militares instalados no poder do momento.

Conduzindo Oppenheimer ao clima de thriller, muitas vezes recorrendo à trilha musical pontuada de prenúncios, acordes sombrios e carregados de suspense, Nolan desenrola com clareza detalhes desconhecidos até os dias de hoje de alguns dos espectadores mais idosos que na juventude viveram os tempos da arrasadora campanha de propaganda política dos governos americanos nos anos 50/60.

Nolan abre a porta desses bastidores para plateias mais jovens que assim têm acesso a um retrato mais honesto de Oppie,com todas as contradições e perplexidades humanas e um dos personagens mais fascinantes do século 20. O filme é imperdível e o tema será sempre necessário em novas produções sobre o assunto.

Some-se a esses fatos históricos o momento de alta voltagem do mundo de agora, as guerras convencionais e as igualmente ou ainda mais nefastas guerras híbridas, os golpes políticos, a violência extremada e naturalizada do neofascismo, e o medo das permanentes ameaças nucleares que pipocam quase diariamente vindas de todos os lados, explica-se aí o sucesso da bilheteria de Oppenheimer. É um filme imperdível.

Com motivação ainda maior depois da série de estatuetas que o filme de Nolan levou, esta semana, com sete oscars, ultrapassando outra produção de qualidade, Maestro, com um admirável Bradley Cooper fazendo um impecável e memorável maestro  Leonard Bernstein -outro personagem lendário da mitologia norteamericana do século vinte.

Oppenheimer – O triunfo e a tragédia do Prometeu americano é da Ed. Boitempo. As notas no fim do volume, a bibliografia e o índice remissivo da edição física do livro estão disponíveis, gratuitamente, em formato digital no site da editora.


*Jornalista carioca. Foi editora e redatora em programas da TV Globo e assessora de Comunicação da mesma emissora e da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi também colaboradora de Carta Maior e atualmente escreve para o Fórum 21 sobre Cinema, Livros, faz eventuais entrevistas. É autora de vários livros, entre eles Novos velhos: Viver e envelhecer bem (2011), Manual Prático de Assessoria de Imprensa (Coautora Claudia Carvalho, 2008), Maturidade – Manual De Sobrevivência Da Mulher De Meia-Idade (2001), entre outros.

Imagem: divulgação.

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