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Opinião

Preparem-se para o pior

Preparem-se para o pior

Artigo por RED
01/10/2022 02:15 • Atualizado em 01/10/2022 19:28
Preparem-se para o pior

De ANDRÉ MOREIRA CUNHA e ANDRÉS FERRARI*

Uma nova “Recessão Global”?

Preparem-se para o pior. Este foi o recado dado pelo CEO do JP Morgan, Jamie Dimon, em reunião do Comitê de Serviços Financeiros do Congresso dos EUA no dia 21 de setembro. Diante dos dirigentes dos maiores bancos do país – JP Morgan, Bancorp, PNC, Citigroup, Bank of America, Truist ae Wells Fargo – e dos congressistas, Dimon criticou duramente as medidas orientadas ao enfrentamento da pandemia: “Eu não acho que você pode gastar US$ 6 trilhões e não esperar (por mais) inflação”. Como era esperado, para os executivos do mundo financeiro a alta da inflação nos EUA e ao redor do mundo se origina no excesso de gastos públicos direcionados aos efeitos da pandemia, particularmente a preservação da renda das famílias. Diante do fantasma do descontrole inflacionário, tratar-se-ia de colocar a casa em ordem e fazer as “políticas corretas”.

A terceira alta consecutiva das taxas básicas de juros estadunidenses, em 75 pontos-base (0,75%), foi celebrada como uma ação dura na direção correta. A nova meta dos juros passou para o intervalo entre 3,0% e 3,25%, o maior patamar desde a crise financeira global (CFG), em 2008. A expectativa alimentada pelo FED nos últimos meses de que será possível combater as pressões inflacionárias por meio de um “pouso suave”, vale dizer, uma desaceleração econômica, não converge mais com a visão dos gestores privados. Estes vislumbram uma recessão intensa, com uma taxa de desemprego que deveria se elevar em um patamar tal – cerca do dobro do nível atual – que forçasse o ajuste mais intenso no mercado de trabalho, com queda significativa de salários.

Jeremy Powell já não esconde que haverá custos para puxar a inflação novamente para o patamar de 2% no médio prazo (até 2025): “Eu gostaria que houvesse uma maneira indolor de fazer isso. Não há. Precisamos elevar as taxas até o ponto em que estejamos pressionando significativamente a inflação para baixo. E é isso que estamos fazendo.”. O sinal político está dado e o custo do ajuste recairá sobre o emprego e os salários, conforme sugere Janelle Jones, que até recentemente era a economista-chefe do Departamento de Trabalho da administração Biden. Para ela “… o Fed decidiu arriscar o desemprego em massa em sua luta contra a inflação.”.

Problemas globais e soluções descoordenadas

As pressões inflacionárias são globais, assim como a alta das taxas básicas de juros. De acordo com um estudo recente do Banco Mundial (“Is Global Recession Imminent?”, September 2022), a maior aceleração nos preços em cinco décadas está produzindo um movimento sincronizado de apertos monetários e fiscais. Estes, por sua vez, ampliam a possibilidade de emergência de um quadro recessivo também disseminado e que apresenta elementos de cumulatividade e de retroalimentação. É importante observar que as três maiores economias – EUA, Área do Euro e China –, e que respondem por 55% da renda mundial, já estão em desaceleração, com renovadas previsões baixistas para seus respectivos produtos em 2022 e 2023.

Alta nos juros, contração fiscal, mercados financeiros em queda, dívidas privadas e públicas em níveis recordes e riscos geopolíticos crescentes. Esta combinação é pura nitroglicerina. Para o economista-chefe da PGIM Fixed Income, Daleep Singh, responsável pela gestão de US$ 1,3 trilhão em ativos: “Estamos em um mundo em que os choques continuarão chegando”. A falta de coordenação global aprofunda os riscos, pois os tomadores de decisão olham somente para dentro de suas economias, assustados que estão com o surto inflacionário inédito em seus horizontes profissionais, além de outros problemas locais que agravam aquele: na Europa, a crise energética e a guerra; na China, Xi Jinping espera seu terceiro mandato em outubro em meio aos problemas de excesso de endividamento e desequilíbrios financeiros em setores como o imobiliário, fundos municipais, energia, dentre outros; nos EUA, a polarização política se agrava às vésperas da eleição de meio termo, enquanto aprofundam-se os conflitos geopolíticos.

No final dos anos 1970, início dos 1980, quando se experimentou outro aperto monetário e fiscal de grande intensidade, a maioria dos atuais CEOs, presidentes de Bancos Centrais e Ministros de Finanças estava na adolescência ou no início da vida adulta. Nos anos 1990 e 2000, testemunharam o que parecia ser a vitória definitiva do neoliberalismo e da hiperglobalização. Sobreviveram à CFG e depois desta, com os estímulos monetários inéditos dos sucessivos pacotes de “afrouxamento quantitativo”, lucraram como nunca em um dos maiores ciclos de alta do mercado acionário estadunidense. Quando veio a pandemia, foram novamente socorridos pelos governos centrais, com redobradas doses de dinheiro fácil.

Entre 2008 e 2022, os ativos dos maiores bancos centrais do mundo (Fed, ECB, BOJ e PBOC) passaram de US$ 7 trilhões para US$ 28,5 trilhões. A maior parte destes recursos escoou livremente para o caixa dos grandes bancos que até recentemente não tinham olhos para os riscos inflacionários. Até a desorganização das cadeias globais e a guerra da Ucrânia, esta inédita injeção de liquidez conviveu com a inflação baixa. Com renovados choques de oferta, ainda mais intensos, os mercados exigem o aperto dos cintos alheios. Enquanto isso, os governos se veem com um leque mais restrito de instrumentos para enfrentar o custo dos ajustes recessivos.

Diante de tais dificuldades, o Bank for International Settlements (BIS) apoia o aperto monetário. Para seus economistas o risco inflacionário é mais grave do que uma eventual recessão, mesmo que esta venha a precipitar novas crises financeiras. Claudio Borio, do BIS, considera que os investidores não têm mais ilusões quanto aos custos de se combater a inflação alta em meio a várias restrições: “Eles agora acordaram para o fato de que os formuladores de políticas estão lutando contra a inflação tenaz em um cenário de vulnerabilidades financeiras.”

Na era de turbulências em que vivemos, os sucessivos choques econômicos, políticos, climáticos e sanitários têm aprofundado a insegurança das pessoas ao redor do mundo, particularmente das classes não proprietárias. Tornou-se mais arriscado depender das rendas do trabalho e das políticas públicas em áreas essenciais como educação, saúde, previdência etc. A generosidade dos governos para com os ricos é recorrente, assim como a socialização dos custos dos ajustes recessivos que então se seguem. Por sua vez, os desequilíbrios distributivos se aprofundam e alimentam o ressentimento contra as instituições econômicas e políticas tradicionais. Não à toa os movimentos antissistema ganham força a cada nova crise.

O caminho da recessão está pavimentado. Para chegar lá basta seguir os conselhos dos financistas.

*Professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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