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Opinião

Porque eu não quis ser presidente da República

Porque eu não quis ser presidente da República

Artigo por RED
28/04/2023 05:30 • Atualizado em 02/05/2023 09:44
Porque eu não quis ser presidente da República

De EDELBERTO BEHS*

Longe disso. Na verdade, nem seria possível, pois nunca me filiei a algum partido político. Preferi ficar a parte de partidos para melhor enxergar o todo, quando possível, ou mesmo ter a possibilidade de olhar para dentro deles e tomar posicionamento crítico. Também não fui capacitado para assumir um cargo público.

Não, não quis ser – aliás, nem poderia – governador de Estado, deputado, prefeito ou vereador, num país onde a imprensa se atém a besteiróis, factoides, fofocas sem importância, mas que invade e às vezes desnuda um dos preceitos mais sagrados da pessoa, o direito à privacidade.

Eu não suportaria sair numa rua de Lisboa, acompanhado por seis guarda-costas, entrar numa loja e ser bisbilhotado nas minhas compras. Foi o que aconteceu com a Janja, em Portugal. Antes de a gravata que ela comprou para o marido chegar às mãos dele, o mundo talvez ficasse sabendo a marca, o preço e as cores da gravata!

O que poderia, no caso, interessar à nação brasileira seria a modalidade de pagamento da compra. Foi com cartão corporativo? Não foi? Então está zerada a curiosidade. Se Janja pagou com o seu cartão de crédito, fez um Pix ou pagou em espécie, ninguém tem nada a ver com isso.

Mas como foi a Janja a sair pelas ruas a fazer compra temos que ficar sabendo – temos? – em quê a mulher do presidente da República, eleito pelo PT, anda esbanjando dinheiro (como Janja “esbanja”). Alguém sabe das compras da primeira-dama do Estado de São Paulo? Alguém acompanha a senhora Cristiane Freitas às lojas paulistanas?

Nessa grotesca lógica, seria pauta jornalística acompanhar o companheiro do governador gaúcho em eventual compra de gravata que daria ao parceiro? A gravata que Janja comprou pra Lula está mais para cortina de fumaça: sabem, tem aquelas joias recebidas por Bolsonaro…

Como simples cidadão, gozo do privilégio de caminhar pelas ruas da minha cidade sem ser importunado por puxa-sacos ou xingado por detratores; fazer compras sossegadamente, almoçar num restaurante ou num prato feito qualquer sem que tenha o meu cardápio anunciado aos quatro ventos.

Estou livre da ditadura da agenda, hora para isso, hora para aquilo. Posso escolher de onde vou assistir o pôr do sol: à beira-mar, na orla do Sinos ou subir um morro. Também escolho o dia em que vou visitar meus parentes. Nessas tertúlias até posso falar bobagens, fazer brincadeiras, quem se importa?

Também não preciso carregar guarda-costas quando saio a pedalar ou a viajar de carro por estradas brasileiras. Tenho certeza de que não serei fotografado doando pão a um pedinte ou uma sacola de garrafas pet para o coletor de lixo. Também não serei bisbilhotado pela cor da gravata que uso quando vou a alguma cerimônia.

Ou quando me sento com amigos, amigas, num bar e tomo uma bebida com álcool ou sem álcool. Posso tomar uma caipirinha sem ser chamado de “pinguço”, “cachaceiro”, “beberrão”. Posso me sentar num banco de praça e dar milho aos pombos sem ser chamado de populista.

Como é bom ser apenas um simples cidadão, quando se pode experimentar uma brisa de liberdade, privacidade e informalidade. Posso andar com um sapato marrom no pé direito e um sapato preto no pé esquerdo. Ninguém tem nada a ver com isso, a não ser eu e o meu psiquiatra.

Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sejam simples como as pombas e prudentes como as serpentes! (Mateus 10,16).


*Professor, teólogo e jornalista.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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