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Opinião

Por uma repactuação constitucionalista, progressista, antirracista e cidadã com as forças de segurança.

Por uma repactuação constitucionalista, progressista, antirracista e cidadã com as forças de segurança.

Artigo por RED
13/01/2023 17:23 • Atualizado em 16/01/2023 08:36
Por uma repactuação constitucionalista, progressista, antirracista e cidadã com as forças de segurança.

DE GLEIDSON RENATO MARTINS DIAS*

Hoje, pós os atos terroristas de 08 de janeiro de 2022, que foram orquestrados, financiados e praticados por bolsonaristas, os temas segurança pública, forças de segurança e eventual hegemonia à direita e/ou bolsonarista, bem como o vácuo ou omissão programática dos partidos que se apresentam como de esquerda (ou à esquerda) volta ao centro dos debates e análises.

Isto porque são vários os indícios de que, não as instituições, mas alguns dos agentes das forças de segurança trabalharam no sentido diverso à sua missão constitucional. Destes reprováveis episódios resultaram, até agora: Intervenção Federal até 31 de janeiro na segurança pública do Distrito Federal (já com a anuência do Congresso Nacional); mandado de prisão em desfavor de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do DF, e de Fábio Augusto, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal; afastamento do Governador Ibaneis Rocha por 90 dias, exonerações de servidores(as) envolvidos com os atos terroristas, e a prisão e indiciamento de centenas de envolvidos.  Além disso, o MP de Contas solicitou ao TCU bloqueio dos bens do Ex-Presidente Jair Bolsonaro, do Ex-Ministro da Justiça e Ex-Secretário da Segurança Pública do DF Anderson Torres, além do Governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.

São dezenas de vídeos, gravados na sua maioria pelos próprios terroristas, onde se nota um “clima de piquenique” com os criminosos, como asseverou o repórter da Globo News, Otávio Guedes. A revista eletrônica metrópole questiona o comportamento do GSI e apresenta um vídeo que, segundo a reportagem, mostra um Coronel do Exército tentando impedir que a PM prendesse os baderneiros, entre tantos outros vídeos comprometedores que circulam às dezenas pelas redes sociais.

Outras, das tantas notícias de vínculo de agentes das forças de segurança que reforçam os indícios apresentados pela grande mídia, estão nas matérias sobre os 70 dias de acampamentos em frente aos quartéis de todo o país, bem como, e de forma mais específica, a forma como a Polícia Rodoviária Federal foi utilizada para impedir que eleitores do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva chegassem às suas respectivas seções eleitorais.

Por óbvio não se está aqui confundido o exercício constitucional da cidadania (direito de todo o brasileiro, ou brasileira) com prevaricação, com traição à Constituição. São fatos totalmente distintos.

Uma coisa é o agente público, enquanto cidadão ou cidadã, se identificar com determinada bandeira ou programa e, por este motivo, investir sua confiança, sua torcida e seu voto em determinado grupo ou agremiação por se sentir representado pela visão de mundo e função de Estado que o grupo representa.

Outra bem diferente é o agente público em serviço utilizar-se de cargo ou função para, em conluio, de forma ardil, omissiva e/ou comissiva concorrer em atos que tenham por objetivo ações antijurídicas, criminosas, golpistas e inconstitucionais. Como já advertiu Ulysses Guimarães, “Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.

Aparentemente, existe uma esmagadora maioria de agentes da segurança embebecida com o discurso à direita. Este não é o problema. Isto não é crime. Faz parte de democracia e é fruto da omissão de partidos e grupos de esquerda que não colocam na sua plataforma a disputa programática desta área. No entanto, entre eles (os à direita), existe, aparentemente, uma porcentagem (até agora não sabida), que se tornou antidemocrática a ponto de omitirem-se das suas funções constitucionais, e isto é muito grave. Uns inclusive, mesmo fardados, pegaram microfones para gritar e sem se esconder, ou seja, sem medo de responsabilizações penais e administrativas, gritarem nos atos de trancamento de vias públicas: “estamos com vocês”. Outros vários aparecem prestando continência para os acampamentos antidemocráticos que pedem fim da democracia, golpe e intervenção militar. Entre os tantos vídeos disponíveis, vê-se uma viatura da polícia civil passando com uma bandeira acenando para os manifestantes golpistas.

Diante deste quadro, não parece exagero partir do pressuposto investigativo-analítico que eventual hegemonia do campo à direita, e hoje, também do campo antidemocrático na área de segurança (ou seja, o bolsonarismo) seja resultado penoso e lamentável da omissão, discriminação e exclusão destes agentes da agenda de disputas democráticas de partidos de esquerda ou à esquerda (ou ainda, se preferirem, de partidos progressistas).

Não por acaso, no ano de 2011, no artigo intitulado Da Necessidade de um novo Paradigma para a Segurança Pública no Brasil, escrito inicialmente para a Carta Maior e replicado por vários outros sites, a citação inicial escolhida foi a de Marcos Rolim quando disse “Passamos os anos da ditadura encarando os policiais como repressores e defendemos os direitos humanos, mas nos esquecemos dos direitos humanos dos próprios policiais”. Este parece o ponto central. Os partidos “progressistas” não vêem os policias como “trabalhadores da segurança” assim como conseguem disputar com os professores que se sintam “trabalhadores da educação”. Lembre-se, inclusive, dos desgastes que partidos como o PT tiveram com professores mais “conservadores” (ainda com as lembranças de uma época em que alunos tinham que se levantar quando a autoridade professor(a) entrava na sala de aula) que relutavam em abrir mão do status de “professor(a)” para “trabalhador(a) da educação”. No entanto, mesmo assim, os partidos foram para a disputa conceitual. Organizaram-se de forma insistente e programática e disputaram (e ainda disputam) todas as associações e sindicatos deste trabalhares(as). O mesmo nunca aconteceu com a área da segurança. Os sindicatos (dos policiais civis) e as associações (dos militares) são hegemonicamente à direita.

Exceção aqui no sul do país encontra-se nas atividades da Ugeirm-Sindicato, que representa os agentes de polícia do Rio Grande do Sul, inspetores, escrivães e investigadores. A Ugeirm, sempre teve uma atuação, no mínimo, progressista, com integrantes apoiando publicamente candidaturas ao governo do estado comprometidas com pautas progressistas, anti-neoliberais e com avanços na carreira dos servidores da área da segurança pública.

Outro destaque positivo é a existência de um grupo de policiais autodenominado “Policiais Antifascismo” criado em 2016, que se reconhecem como “progressista”. O Grupo conta com policiais de diversas forças de segurança pública e está organizado em várias Unidades Federativas e no DF, se posicionando contra a criminalização das drogas, o armamentismo e a favor da desmilitarização das polícias. Nota-se que a constituição do grupo nasce exatamente no ano do Golpe contra a então Presidenta Dilma, e é uma resposta ao aumento das pautas antidemocráticas na sociedade brasileira como um todo.

Foi neste sentido que o texto Da necessidade de um novo paradigma para a Segurança Pública no Brasil fazia uma análise-denúncia que a hegemonia da direita entre os agentes das forças de segurança era o resultado previsível de vários equívocos e incompreensões dos dirigentes partidários dos partidos de esquerda. Este resultado é, provavelmente, fruto da relação, e das lembranças dolorosas, destes dirigentes com os setores das forças de segurança no período da ditadura militar.

No entanto, se por um lado, entende-se a justa dor e desconfiança, principalmente lá no início da redemocratização, por outro, mostra equívoco de programa, principalmente quando se nota o tempo já passado, isto é, mais de três décadas da redemocratização, mais de seis décadas desde o início da ditadura.

Não existe democracia e soberania sem agentes de segurança comprometidos(as) visceralmente com a legalidade e a constituição.  É interessante notar que o Brasil é o único país do mundo onde os dirigentes de esquerda não entendem o papel estratégico das forças de segurança, por isso as ignoram, por isso as discriminam, por isso não as disputam e com isso a hegemonia é do grupo programático antagonicamente diverso.

Note-se que nos países que se apresentaram, de alguma forma, como socialistas o papel das forças de segurança é preponderante. Vide a Rússia e a China (só para dar dois exemplos). No entanto ninguém duvida do papel das forças de segurança na imagem dos EUA. Não se está aqui defendendo o neocolonialismo feito pelos Estados Unidos da América, nem mesmo fazendo análises axiológicas do resultado e/ou forma de atuação, mas, sim, lembrando ou destacando o papel estratégico das forças de segurança naquele país.

Dois casos podem ajudar na compreensão da afirmação acima. Na Venezuela, por exemplo, Hugo Chaves, Padrino Lópes (coronel do Exército durante o fracassado golpe de 2002), Nicolás Maduro e Juan Guaidó fizeram do Exército instrumento de golpes e contragolpes. Em Cuba (que se apresenta como comunista) é indiscutível a ligação do maior líder da nação, Fidel Castro, com o Exército e é chamado de general e/ou comandante.

Já no Brasil, aparentemente, ninguém entendeu melhor que Leonel de Moura Brizola o papel estratégico das forças de segurança. Em 1961, diante de um iminente golpe de Estado, Brizola não fez uma “nota de repudio”, nem ficou gritando “Não passarão!”. Mas mobilizou a polícia militar gaúcha – Brigada Militar – para coordenar, com barricadas, uma resistência militar e também popular que ficou conhecida como o Movimento da Legalidade, ou Campanha da Legalidade.

Naquela época o Governador Brizola, chefe supremo das forças de segurança do Estado do Rio Grande do Sul, mobilizou as tropas para assegurar o cumprimento da Constituição da época, ou seja, a posse do vice-presidente João Goulart após renúncia do então presidente Jânio Quadros. Fator primordial para o sucesso da resistência armada foi a posição do então 3º Exército “comandado pelo General José Machado Lopes que se recusou a cumprir as ordens do alto comando em Brasília”, lembra matéria da CUT-RS.

Obviamente não foi só o aparato militar que possibilitou o sucesso da Campanha. Brizola mobilizou a população gaúcha incluindo distribuição de armas para a resistência e, dos porões da sede do governo – Palácio Piratini – utilizou a rádio estatal para sensibilizar, publicizar e recrutar “combatentes”.

Deve-se destacar que por trás de tudo isso se tem: a) disputa interpretativa do papel das forças de segurança; b) liderança e proximidade do Governador Brizola com os comandantes das forças de segurança; c) reconhecimento desta liderança por parte dos comandantes e dos subordinados das forças de segurança. A desculpa para golpes no Brasil não é, sequer, reinventada. Naquela época a argumentação já era o “medo do comunismo”, mas mesmo assim as forças de segurança foram leais à Brizola e a constituição.

Hoje, aparentemente, não haveria dissidências, pois somente um grupo hegemoniza a área de segurança, sejam elas federal, estaduais, municipais (civil ou militar) e isso não é pouca coisa, pois o conceito de segurança, o conceito de soberania e tantos outros, podem ser disputados a partir de uma compreensão mais literal ou contextual, mais restritiva ou extensiva, mais inclusiva ou excludente e, por conseguinte, e de alguma forma, mais à direita ou à esquerda.

Porém erram, e erram muito, os partidos à esquerda. Já destacava no texto de 2011 que

os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda (PT, PC do B, PSB, para falar dos mais antigos), não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.

Tal omissão é que fortaleceu e ainda fortalece a visão de que bandido bom é bandido morto, que devemos ter prisão perpétua e de pena morte, que deve-se reduzir a menor idade penal, e até mesmo o posicionamento de não descriminalizar o aborto, haja vista que esta discussão – mesmo contendo posicionamentos machistas e religiosos – está diretamente relacionada com a visão maximizadora do direito penal. Estado mínimo e direito penal máximo.

Aliás, a história das administrações dos partidos conservadores ou programaticamente de direita, (no Brasil mais especificamente DEM, PSDB) nos demonstrou esta estreita e, para eles, quase necessária relação: quanto menos Estado, mais Direito Penal, quanto menos políticas sociais, mais repressão policial, quanto menos distribuição de renda, mais presídios e presidiários, ou seja, quanto menos Estado tivermos mais os mecanismos de repressão – direito penal e polícias – são chamados para atuarem na sua ausência. (DIAS, 2011)

No entanto, de lá para cá só piorou. Se antes estes agentes eram ignorados nas plataformas de disputa democrática, preferencialmente por partidos à esquerda, hoje são reduzidos à atividade fim, e não enquanto servidoras e servidores públicos, criando com tal realidade uma incontestável discriminação. É o que se vê nas redes sociais com o “lugar de milico é no quartel” agudizando uma separação temerária entre os cidadãos que tem acesso em toda a Administração Pública e os “milicos” (neste contexto entenda-se também policiais militares e ou civis) restritos a uma só função.

Esta restrição, ou separatismo funcional é preocupante. Problema ainda maior é que nesta compreensão, esquerda e direita estão unidas. Duas proposituras legislativas, uma do MDB (já aprovada e em vigência), outra do PC do B (em tramitação) materializam a “união” e confirmam o afirmado. O então Governador do Estado do Rio Grande do Sul pelo MDB, José Ivo Sartori, elaborou a Lei nº 14.877, de 09 de junho de 2016, que limitou a cedência de policiais. Na prática ela reduz a atuação do servidor da área da segurança pública à “segurança” e restringe numericamente a possibilidade de cedência. Já a Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 21/21) apresentada por Perpétua Almeida, Deputada do PC do B do Acre, vai ao encontro do que fez no Rio Grande do Sul o então governador do mdebista, e tenta proibir militar da ativa de ocupar cargo civil da administração pública. Disse a deputada ao defender o projeto que

É imperativo emendar a Constituição para ampliar seu alcance democrático e republicano em relação ao necessário distanciamento dos militares das funções de governo. Aprimora-se, dessa forma, o modelo constitucional de isenção e apartidarismo das Forças Armadas, bem como a natureza civil da ocupação política do Estado mediante eleições livres, universais e periódicas

 

Alguém poderia questionar. Por que uma legislação que obriga policias a atuarem somente em funções de polícia seria discriminadora sendo que é a profissão escolhida por eles(as)? A resposta seria simples. Porque restringe a atividade somente para policiais (militares e civis) e não para outros servidores e servidoras com funções também estritamente “técnicas”.

Ou seja, se não fosse fruto de discriminação, insegurança e desconfiança existiriam legislações que negariam a cedência de delegados de polícia (civil e federal), de promotores de justiça, procuradores de Estado, professores, auditores etc., para fazerem tão-somente sua função específica ou estritamente técnica.  Mas, no entanto, estes outros servidores(as) atuam como Secretários(as) de Estado, assessores parlamentares, chefes de gabinetes etc ou seja, participam das atividades “político-estatais”. (que não se confundem com estritamente partidárias).

Ora o serviço é público, o servidor ou servidora das áreas de segurança, incluindo às militares estaduais e/ou federais também o são. A especificidade “militar” não enseja, em si mesma, doença que contamine a “administração pública”. Aliás, não existe administração pública civil e administração pública militar. Na República Federativa do Brasil a Administração Pública é una. A especificidade não é excludente de per si, mas sim gênero da espécie Administração Pública.

A Força Aérea Brasileira, por exemplo, tem excelência na formação de engenheiros(as). É (seria) um absurdo que o Estado, como um todo, não possa recrutar, quando necessário, servidor(a) público (latu sensu) que stricto sensu é militar. Perderia a Administração Pública e, por conseguinte a sociedade brasileira ao excluir e/ou rejeitar, de pronto, técnico(a) de alto padrão por existência de eventual norma impeditiva pré-estabelecida que não leve em conta a conveniência e oportunidade.

Há, logicamente, necessidade de avançar e aprofundar este debate específico. A aceitação ou não de servidores militares em cargos “civis” não resolveria, de forma isolada, o distanciamento. Ou dito de outra forma, não quebraria o muro que separa concepções dicotômicas entre civil X militar, cidadão(ã) X militar; cidadania X militarismo. As guardas municipais, por exemplo, não são estruturas formalmente militarizadas, mas, no entanto estão atuando, muitas vezes, como se militares fossem. Ou seja, militar na administração pública não a faz militarizada e uma instituição formalmente civil pode ser, na prática, muito mais militarizada que instituições militares. O problema a ser enfrentado é bem mais complexo que “cedências”. Os exemplos foram trazidas para demonstrar o tamanho do percurso a ser trilhado.

Parte-se, portanto, da premissa (a ser ou não comprovada) que ações como estas que tentam isolar policiais e militares com medo de militarização da administração pública e/ou de golpe de estado são, no mínimo, ingênuas na concepção e discriminadoras na prática. Aliás, aparentemente, pode criar resultados diversos à preocupação dos partidos à esquerda na medida em que os servidores(as) se sentem hostilizados, recusados, excluídos de ações político-estatais e, por conseguinte, pode fortalecer o entendimento de que há diferença ontológica em militar e civil, em policial e servidores da administração pública. Todos e todas são cidadãs e cidadãos brasileiros agentes do Estado.

É exatamente neste sentido que se faz necessário uma agenda nacional de repactuação com as áreas de segurança pública: Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícias Federais e Guardas Municipais.

Unir o Brasil passa por disputar militares e policiais enquanto cidadãos e cidadãs brasileiros(as), e não reforçar imaginável diferença ontológica que necessitaria cercadinho fora de “cargos civis”, simplesmente porque antes de qualquer coisa todo o policial e/ou militar é um cidadão(ã) brasileiro(a). Se o Governo Lula, como já anunciado, irá retomar ações e debates com toda a sociedade: com trabalhadores(as), empresários(as), universidades, pesquisadores(as) etc., deve colocar na agenda este importante setor de manutenção da ordem pública e de segurança nacional, incluindo-se nessa agenda seus representantes legais, sindicatos e associações.

A superação da hegemonia à direita e de eventual hegemonia bolsonarista passa, obrigatoriamente por acolhida, inclusão e disputa democrática dos rumos, conceitos, programas sobre segurança pública, soberania, segurança nacional, bem como sobre as funcionalidades dos agentes de segurança, e não por isolamento, medo e exclusão. “Negar a política, desvalorizá-la e criminalizá-la é o caminho da barbárie e das tiranias”, disse o Presidente Lula no seu discurso após receber a faixa do povo brasileiro no Planalto. Portanto essa mesma política não pode ser negada a uma parcela tão importante para ordem pública, para preservação do patrimônio público e privado, para a manutenção da democracia, como bem vimos em tantos momentos, em tantos países, e agora no Brasil neste dia de terrorismo contra a democracia.

A democracia e os Poderes da República saíram fortalecidos do “8 de janeiro” exatamente porque ainda temos servidores(as) leais à Constituição. Que consigamos ler corretamente os motivos pelos quais chegamos até aqui e principalmente construirmos a partir dos erros os acertos necessários para o fortalecimento, aprofundamento e materialização da democracia.

Como disse o Presidente Lula “Dizíamos ditadura nunca mais; hoje dizemos: Democracia para sempre”. Então que ela, a democracia, seja constituída com cada peça fundamental para sua concretude: a diversidade nos postos de poder e prestígio com homens e mulheres negras. Com pessoas com deficiência. Com pessoas LGBTQIA+. Com Indígenas.

A repactuação desejada, por óbvio, não se consubstancia num mero respeito formal à legalidade. Sobre isso, a Constituição Federal, as legislações infraconstitucionais, os estatutos dos servidores já apontam e os obrigam. A repactuação sonhada é uma repactuação política, pois desde o momento que a esquerda brasileira desistiu de chagar ao poder através da luta armada e apostou na luta democrática, as forças de segurança já deveriam ser colocadas como prioridade nos programas partidários. Não só para a chegada democrática ao poder, mas também e principalmente para permanência.

As disputas sobre as mentes e os corações dos agentes da segurança são estratégicas, entre tantos outros importantes pontos para disputarmos compreensões mais profundas sobre “soberania nacional”, compreendendo a soberania para além do território e espaço aéreo, mas também na perspectiva de soberania sustentável. Neste sentido entendo e protegendo nossas riquezas naturais e minerais.

A disputa e acolhimento à esquerda, de agentes de segurança, que ao fim e ao cabo são os operadores da ponta, ajudaria para, por exemplo: enfrentarmos com mais êxito o encarceramento da população negra; Para combatermos a seletividade racial dos “enquadros”; Para disputarmos compreensão diversa da hegemônica sobre “pessoa suspeita” e sobre “atitude suspeita”; Para diminuirmos drasticamente o triste infortúnio da “bala perdida”, que na esmagadora maioria, só é “perdida” (ou achada) em corpos negros; Para darmos eficácia ao mandamento constitucional de inviolabilidade do domicílio nas periferias; Para entendimento do papel seletivo (racista e classista) do Código Penal Brasileiro e da esmagadora maioria das políticas públicas de segurança; Para a possibilidade de construção de uma segurança constitucionalista, progressista, antirracista e cidadã.

 


 

*Gleidson Renato Martins Dias é doutorando, mestre em Direito pela UNISINOS e filiado ao MNU – Movimento Negro Unificado

 

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