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Opinião

Por que combater a desinformação e apoiar o PL 2630

Por que combater a desinformação e apoiar o PL 2630

Artigo por RED
04/05/2023 15:22 • Atualizado em 08/05/2023 10:46
Por que combater a desinformação e apoiar o PL 2630

De SANDRA BITENCOURT*

As últimas semanas transcorrem com um debate interessante pelas lições que agrega. A discussão em torno do PL 2630, apelidado de PL das Fake News trouxe consigo um exemplo cristalino de como funciona o aparto da desinformação, o papel das grandes plataformas e a complexidade que o fenômeno nos apresenta. Digo se tratar de um exemplo cristalino porque o debate a respeito do projeto de lei foi alvo de um engenhoso processo de Fake News e manipulação retórica.

Embora o PL trate de regulação, o fato de ter ganho esse apelido, requer conceituar o fenômeno. Participei de um debate na TV, nesta semana, no qual o advogado contrário à lei tentou o tempo todo vincular regulação à censura e afirmar que o fenômeno não tem um conceito. Sim, tem. É material, objetivo e relativamente fácil de apreender. Fui pelo caminho mais simples. Não é o velho boato, nem a antiga mentira. Requer novo olhar e normas para regulação. Trata-se de informação falsa fabricada no ambiente digital, para a disseminação digital. Fake News, como ensina o professor Wilson Gomes, um dos grandes especialistas no tema no país, é uma expressão que se restringe a um tipo específico de informação falsificada para manipular e enganar as pessoas, aquela que só poderia existir em sociedades que se informam, se relacionam e praticamente vivem em extrema conexão digital. É um fenômeno novo, associado aos dispositivos digitais que mudaram o modo como as pessoas consomem, produzem e intercambiam informação.

Segundo Wilson Gomes, isso tem duas consequências inesperadas. A primeira é que fake news é só um nome para um fenômeno bem conhecido nos seus traços e intenções gerais – a manipulação e os enganos por meio de informações -, mas que é completamente distinto por sua natureza eminentemente digital. A segunda consequência, aponta o professor, é que as fake news que estão afogando a democracia e a vida pública mundiais desde 2018 não são produto único. “Nunca se trata apenas de Fake News”, afirma. Nenhum gabinete do ódio ou estrategista de comunicação da extrema-direita ou de qualquer facção política extremista vive de um só produto, pondera o pesquisador. “Os extremistas não vivem da monocultura de Fake News”. Isso, na avaliação do professor, não seria eficaz. “A coisa só funciona se houver um coquetel bem dosado de meias verdades, verdades e mentiras. Na vida real, o que temos então nas estratégias de comunicação baseadas em manipulação e enganos é uma mistura de falsas informações, outros tipos de informação, falsas narrativas de conspiração, narrativas discutíveis, em suma, de qualquer tipo de relato narrativo ou descritivo”. E para que? Assassinar reputações, satanizar adversários, semear o pânico moral, criar distração, lapidar identidades tribais, assediar adversários, destruir a credibilidade de instituições, motivar os partidários. Isso tudo é acomodado em um oportunista senso de liberdade. A Liberdade de Expressão é convocada para que esse direito, que não é absoluto, sirva de escudo a práticas manipulatórias e a crimes concretos que, em comum, têm o benefício de serem rentáveis, de acordo com o modelo de negócios das grandes plataformas.

Nessa mesma linha, Letícia Sallorenzo, autora do livro Gramática da Manipulação (Quintal Edições, 2018), explora o conceito de Firehosing, um método extremamente funcional que combina ações e estratégias variadas para propagação de informações de fonte tendenciosa ou enganosa, usadas para promover ou dar notoriedade a uma causa política ou ponto de vista específico. Tudo isso em alto volume, em multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva.

Se observamos dados do estudo do MIT de 2018 que mostram quanto as mentiras tem de performance de viralização, ou seja, se disseminam 70% mais e mais rápido que as verdades e que 6 a cada 10 brasileiros referem receber notícias falsas todos os dias, vamos dimensionando o tamanho do problema. De acordo com pesquisa recente do Comitê Gestor da Internet, 43% dos jovens não sabem checar se a uma notícia é falsa. Isso mesmo. Somos vulneráveis à manipulação. Somos sensíveis a afetos e sentimentos acionados numa mentira bem estruturada.

Aceitar como verdade aquilo que não se relaciona com fatos reais parece ter tomado conta da discussão do PL 2630. Incluindo mídias progressistas. Pelos interesses e crenças, agiram em consonância com a extrema-direita e passaram a propor que o PL da regulação era o PL da censura, embora nem todos conhecessem integralmente um texto que vem sendo discutido por especialistas há anos, com mais de 70 documentos apensados, diversos requerimentos e inúmeras discussões.

Obviamente o projeto precisa avançar em alguns pontos. O que não podemos é nos esquivar dessa discussão porque acomodar tantos pontos de vista é difícil. Isso porque o fenômeno que estamos buscando compreender e regrar é muito ameaçador e promove, além da manipulação e ameaça à integridade cívica e democrática, violência concreta.

A professora e pesquisadora Ana Regina Rêgo, coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação, definiu muito bem o que o PL 2630 objetiva: “trazer agilidade para a responsabilização de quem produz desinformação, discurso de ódio e atua como desagregador social, ao tempo, em que requer das plataformas ação direta contra conteúdos violentos ( nocivos e  ilegais) e desinformativos (nocivos, mas nem sempre ilegais) que NÃO DEVEM ser impulsionados, nem recomendados e muito menos monetizados”.

Só por isso, já vale a pena lutar por ele. Não é aceitável que a promoção da desinformação- e tudo que acarreta- continue lucrativa para quem produz e para as próprias plataformas, abutres de dados, que recusam aqui o papel responsável que na Europa já são obrigadas a assumir.

A União Europeia formulou o DSI- DIGITAL SERVICE ACT. A Alemanha promulgou a Lei das Redes Sociais (NetzDG), a Austrália constituiu seu Código de Negociação da Mídia. O PL 2630 merece atenção, melhorias e aceite como primeiro passo incontornável para frear ações criminosas e mal-intencionadas. É importante olhar para o legado da regulação dos meios tradicionais, compreender um novo tabuleiro no jogo de forças e reconhecer que o fermento da extrema direita é a possibilidade de mentir e ainda ganhar dinheiro com isso.

Aos arquitetos da perversidade, que bradam por liberdade, vale um bom e velho ditado de nossas avós: nossa liberdade termina onde começa a dos outros. Não posso ser livre para agredir, mentir, promover violência e preconceito.


*Doutora em comunicação e informação, jornalista, pesquisadora e professora universitária.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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