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Opinião

PARA ONDE VAI LULA

PARA ONDE VAI LULA

Artigo por RED
16/07/2023 17:53 • Atualizado em 17/07/2023 23:15
PARA ONDE VAI LULA

Edição revisitada

De BENEDITO TADEU CÉSAR*

No dia 3 de novembro de 2002, num domingo, exatos sete dias após a primeira vitória de Lula para o exercício da Presidência da República, o jornalista Elio Gaspari publicou na Folha de São Paulo uma entrevista comigo sobre os possíveis rumos de Lula e de seu futuro governo.

As expectativas das elites econômicas e políticas e da grande imprensa do país eram as piores possíveis. Elas acreditavam que Lula iria fazer um “governo radical”, destruir o que restava do Plano Real e reinstalar a hiperinflação, reestatizar as empresas privatizadas pelos dois governos FHC, taxar os ricos e remediados e promover a reforma agrária mesmo nas terras produtivas. Porta-vozes das elites afirmavam, atemorizando até as classes médias, que Lula obrigaria a divisão das casas e apartamentos e colocaria famílias pobres para morar junto com os antigos proprietários.

Passados 20 anos, sete meses e alguns dias da publicação da entrevista, penso que ela, no essencial, continua atual, porque a situação enfrentada por Lula no início do seu terceiro mandato na Presidência da República, agravada pela tentativa de golpe da extrema direita, e o seu desempenho no início do atual mandato têm semelhança com o desafio enfrentado em seu primeiro mandato.

Tratava-se naquele momento como agora de construir um novo pacto social no país, capaz de levar ao desenvolvimento econômico com inclusão dos setores populares. Desafio ao qual as elites econômicas e políticas brasileiras resistem desde o início do século passado.

Hoje, vencida a ameaça da radicalização do fascismo na Presidência da República e frente à necessidade de reconstruir a destruição promovida pelo governo Bolsonaro, a extrema direita continua forte e com apoio em muitos setores das elites econômicas e políticas e da grande imprensa. O Centrão domina os Legislativos em todos os níveis (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara e Senado federais), a direita aliada ao bolsonarismo governa a maioria dos municípios e estados.

Com isso, os desafios e as restrições enfrentadas por Lula são ainda maiores do que as enfrentadas no início do seu primeiro mandato presidencial.

Passemos à entrevista, que vai reproduzida aqui literalmente como foi publicada originalmente.

Entrevista

Benedito Tadeu César

(49 anos, autor de “PT: A Contemporaneidade Possível – Base Social e Projeto Político, 1980-1991”, professor de ciência política da UFRGS)

-Para onde vai Lula?

-Para onde sempre foi: a mesa de negociação. O Lula é o primeiro caso de líder de esquerda no Brasil que cresceu na oposição, negociando. Numa esquerda com tradição de golpes, confrontos ou adesões, ele criou e conduziu o PT como parte de um processo político em que a negociação é peça essencial. Dentro do partido e fora dele. Lula negocia mais hoje do que negociaria em 1989, quando estava muito mais à esquerda. Ele vai buscar um acordo para trazer para dentro da nossa sociedade o pedaço que ficou de fora. Com o tempo, a elite perceberá que ele está falando sério e que é improvável que venham a convencê-lo de que é um pop star.

-Para onde vai o PT?

-Para o centro. Historicamente, o PT segue um movimento pendular. Agora ele está no centro, e esse centro ainda tem muito chão para ser percorrido. A ala de esquerda acabará se conformando com isso, sem abandonar suas posições. A vitória do dia 27 de outubro coincidiu com a derrota do PT no Rio Grande do Sul, onde ele tinha o seu maior governo de Estado. O desempenho administrativo de Olívio Dutra tinha sido bom. Diversos indicadores melhoraram na sua administração. O que desandou foi a política. O PT assumiu o governo achando que tinha feito uma revolução, que podia mexer em tudo, comprar todas as brigas. Com isso cevou uma oposição ferrenha e ressentida e uma imprensa raivosa. Terminou derrotado. Foi uma experiência útil, para saber quais erros devem ser evitados em Brasília.

-O que o PT terá a oferecer? Queda nos juros, o doutor Palocci já disse que não dá. Salário mínimo de R$ 240, o doutor Mercadante já disse que é coisa perigosa. Falar em crescimento econômico de 3% para 2003 já é falta de educação.

-Nos próximos 12 a 18 meses, o Lula vai andar no fio da navalha. Você pode levar os primeiros seis meses conversando, consumindo o crédito de confiança. Depois disso, começarão as cobranças. O governo será influenciado pelo formato que terá a oposição. Ainda não se sabe como ela será nem de onde virá o seu pedaço mais agressivo. Lula precisará de duas coisas: uma agenda mínima, e rápida, e poder de pressão. Quando eu falo em poder de pressão, não me refiro ao velho recurso de botar o povo na rua, que traz enfrentamentos e não resolve nada. A satisfação que saiu da vitória pode se transformar num clima de entendimento. Pode-se chegar a acordos que reduzam a informalidade no trabalho e o desemprego, sobretudo dos jovens. Pode-se melhorar os serviços públicos, reativar a construção civil. Pode-se fazer pouca coisa, mas mesmo assim pode-se mostrar a muita gente que o governo está ao seu lado. É isso, ou o PT fica na posição do cachorro que corre atrás do automóvel. Corre, late, faz um barulho danado. Quando o carro para, ele o alcança, cheira o pneu traseiro e vai embora.

A publicação original pode ser acessada aqui (depois de acessar, vá até o final da página para ler a entrevista): https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0311200222.htm

PS – A sabedoria política de Lula, antevista na entrevista acima, deveria servir de inspiração para todos os que se encontram empenhados na reconstrução nacional e na consolidação da democracia hoje no Brasil. Afinal, foi essa sabedoria que garantiu o sucesso dos dois primeiros governos Lula, que lhe garantiu terminar o segundo mandato com mais de 80% de aprovação pública e fazer sua sucessora. É a mesma sabedoria que o levou, em 2022, a convidar Alckmin para vice, ganhar as eleições, ainda que por pouco, e passar a buscar alianças que permitam sua governabilidade com apoio no Congresso.

 

*Cientista político, professor aposentado da UFRGS e integrante das coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED.

Foto – Foto Ricardo Stuckert/ PR

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