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Opinião

Palácio Pedro Ernesto faz 100 Anos

Palácio Pedro Ernesto faz 100 Anos

Artigo por RED
06/06/2023 05:25 • Atualizado em 07/06/2023 10:28
Palácio Pedro Ernesto faz 100 Anos

De LINCOLN PENNA*

Em 21 de Julho de 1923 foi inaugurado o Palácio que passou a abrigar o Conselho de Intendentes do Município Neutro criado pelo governo provisório da República, após a dissolução da Câmara da Corte, quando da instauração do regime republicano em 1889. Seu funcionamento teve início ainda no Campo de Santana (Praça da República) e foi depois para a Escola Pública da Freguesia de São José no então Largo da Mãe do Bispo, atual Praça Floriano, no atual espaço da Cinelândia.

Quando da obra para a edificação da sua sede definitiva houve a interrupção causada pela irrupção da Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1918, período durante o qual foi transferido o seu funcionamento para a Escola de Artes e Ofício, no chamado Tabuleiro da Baiana, no Largo da Carioca, entre 1919 e 1923. A concepção do Palácio foi idealização de dois arquitetos, Heitor de Mello e Arquimedes Memória, no estilo eclético predominante desde o início do século XX, também presente na construção do Teatro Municipal.

Interessante associar o estilo arquitetônico conhecido como ecletismo com a valorização das fachadas e o emprego dos mais nobres materiais de acabamento, o que sugere um custo adicional à obra. Uma dessas formas de valorização ou de dar destaque à visibilidade da construção se encontra, no caso do Palácio Pedro Ernesto, nas figuras que à época foram lembradas como se fossem gaiolas gigantes. O termo “Gaiola de Ouro” que foi foi popularizado para se referir ao Palácio decorreu do montante que foi dispendido em sua construção, muito maior do que fora previsto, sobretudo se comparado ao que se gastara com o Teatro Municipal, de 1909, contemporâneo em termos de edificação.

Por sinal, o batismo do Palácio em homenagem ao prefeito Pedro Ernesto foi de iniciativa do povo carioca. Tornou-se tão corriqueiro assim chamá-lo que o deputado Gama Lima, da então Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara, através de propositura tornou oficial essa designação. Isto aconteceu no ano de 1961, trinta e oito anos após a inauguração do Palácio.

Algumas curiosidades valem a pena lembrar. Uma delas se refere à presença de autoridades no dia da entrega do Palácio aos seus novos ocupantes, os intendentes. Além das figuras destacadas da República, como a do presidente Artur Bernardes, do prefeito Alaor Prata, de parlamentares e dos demais poderes, lá se encontrava o representante do magistério, a denotar o respeito e a importância que se dava ao professorado. O que seria reafirmado anos depois na prefeitura de Pedro Ernesto, que entregou a educação para Anísio Teixeira, um dos autores e signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, durante o período de gestão de Pedro Ernesto.

Dez anos antes, em 1922, e cerca de um ano antes da inauguração do Palácio, aconteceu a revolta dos “18 do Forte de Copacabana”, que daria início ao ciclo do Tenentismo a anunciar o fim da Primeira República. Além disso, o surgimento de sua mais destacada liderança surgida desse processo de contestação à ordem oligárquico em vigor, que ganharia prestígio Nacional, a do capitão Luiz Carlos Prestes, cuja influência foi tanta que ensejou, após o término do Estado Novo, a eleição da maior bancada da Câmara do Distrito Federal na legislatura de 1947 a 1951, eleita na legenda do PCB, graças à popularidade do “Cavaleiro da Esperança”.

Nesse mesmo ano de 1922 dois outros fatos se anteciparam ao funcionamento do Palácio, a fundação do Partido Comunista e a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Poderia também mencionar o surgimento do Centro Dom Vital, que mais adiante responderia pela criação da Liga Eleitoral Católica. Fatos que prenunciariam mudanças políticas e institucionais no pais, que viriam através da Revolução (ou golpe) Liberal de 1930.

Mas, para não nos distanciamos do entorno do Palácio Pedro Ernesto, basta destacar dois eventos posteriores ocorridos nas proximidades do Palácio: as manifestações da Campanha O Petróleo É Nosso! (1948 a 1953), e a Passeata do Cem Mil de 1968. Muito embora o primeiro tenha sido mais extenso logrando mobilizar um conjunto diversificado de cidadãos sob a bandeira da defesa da soberania nacional, ao passo que a Passeata aconteceu como corolário de uma série de insurgências contra a ditadura implantada em 1964, o fato é que ambas tiveram a oportunidade de instigar e incrementar uma consciência cívica e democrática tendo como pano de fundo e área de apoio o Palácio Pedro Ernesto.

Da Campanha resultaria uma série de consequências. Dentre elas, é claro, a criação da Petrobras, a formação da Liga de Emancipação Nacional, a Frente Parlamentar Nacionalista, o Movimento em Defesa da Economia Nacional, que deram impulso e continuidade à bandeira nacional-desenvolvimentista.

No que concerne ao segundo, a Passeata, o embalo para que a ditadura começasse a perder progressivamente a sua base de apoio junto à sociedade civil e definhasse, a ponto de abrir negociações para que os resultados de sua derrota não fossem semelhantes a das ditaduras vizinhas, da Argentina e do Chile, que julgaram e puniram exemplarmente os algozes desses regimes. Afinal, grande parte dos que foram sacrificados durante a vigência dessas ditaduras era constituída de jovens desejosos de participação na vida pública dos seus países. É a esses que se deve lembrar nessas ocasiões a evocar datas e realizações que fazem parte de nossa história.

Assim, preservar a memória de um próprio público como o Palácio Pedro Ernesto é um dever de cidadania, pois ele é a representação do poder público no que ele tem de mais eloquente, ou seja, o poder que emana do povo. Este mesmo povo, no entanto, não deve se restringir a ser um eleitor de ocasião. É preciso que no espaço onde se faz e se decide o interesse público, ele, povo, esteja presente dando apoio a decisões ou criticando quando elas não atendem as suas demandas.


*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Imagem do início da construção do Palácio Pedro Ernesto, em 1920 – disponível no site da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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