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Opinião

Paciência para recompor o que foi destruído nos últimos quatro anos

Paciência para recompor o que foi destruído nos últimos quatro anos

Artigo por RED
28/12/2022 21:00 • Atualizado em 29/12/2022 10:21
Paciência para recompor o que foi destruído nos últimos quatro anos

De MÁRCIA MARTINS*

Um dos governos mais nefastos, sinistros, sombrios e que apostou em todas as suas pastas na disseminação da necropolítica, se encerra no dia 31 de dezembro, e pode ser considerado, sem medo de errar, uma das piores administrações públicas que este País já teve. Por isso mesmo, é muito difícil fazer um balanço das realizações de Jair Bolsonaro na presidência. De 2019 a 2020, pouco ou quase nada foi feito. O balanço que prevalece é negativo e liderado pelo desmantelamento de políticas sociais, ofensas e xingamentos aos jornalistas, principalmente as mulheres, aumento da população com fome e, o mais grave, um descaso inexplicável com a pandemia da Covid-19.
Algumas poucas inaugurações do período da atual administração foram obras do governo anterior, que levou a assinatura da presidenta Dilma Rousseff, afastada do cargo por um duvidoso processo de impeachment em 2016, e sucedida pelo seu vice-presidente, Michel Temer.

Mas, por estar mais familiarizada com as políticas para as mulheres, seja pela militância no feminismo ou pela gestão à frente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA), de setembro de 2019 a fevereiro de 2022, limito-me a comentar o desastre do governo Jair Bolsonaro na área. A ineficiência neste setor exigirá da equipe do presidente Lula muita paciência e competência para recompor as políticas e programas sociais que foram destruídos nos últimos quatro anos, com a realidade de um orçamento abaixo do esperado e uma urgência para frear retrocessos.

Para 2023, por exemplo, o total destinado para o enfrentamento da violência contra as mulheres é de apenas R$ 13 milhões, ou seja, um corte de 70% sobre o ano anterior, cujo valor não era suficiente. Já, para os principais programas voltados à defesa da mulher, estão previstos recursos de R$ 23 milhões, apenas 10% do que foi disponibilizado em 2016. Assim foi o governo Bolsonaro nos seus quatro anos: um retrato de uma administração que entendia o Estado como isento da obrigação de oferecer proteção, acolhimento e autonomia às mulheres.

Não à toa, foi um período de recrudescimento cruel das mais diversas formas de violência contra as mulheres. O Brasil esteve governado por um político que muitas vezes mostrou desprezo com as mulheres, afirmou que sua filha nasceu de uma fraquejada e disse que não estupraria uma deputada federal por que a mesma não merecia, uma vez que na sua compreensão, era feia. Como se o estupro fosse algo aceitável em qualquer situação. E no comando da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, tivemos a pastora evangélica, conservadora e militante antiaborto, Damares Alves, que endossou todos os retrocessos dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQIA+.

Desmembrado na administração que toma posse em 1° de janeiro de 2023, o Ministério da Mulher coordenado pela especialista em gênero e violência contra a mulher, secretária nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres nos governos de Lula e Dilma, Cida Gonçalves, terá uma árdua missão. Reverter os retrocessos, reduzir o número alarmante de feminicídios, investir em educação na prevenção do combate à violência, aumentar as casas para acolher e abrigar as mulheres que passam por situações de violência. Tudo isso com um orçamento minguado, insignificante e que, por isso mesmo, deixará muitas prioridades para um segundo plano.

Uma herança indigesta do Jair Bolsonaro para o governo Lula no item políticas para as mulheres é o funcionamento do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher – que recebe, analisa e encaminha denúncias de violências. No ano que termina, o orçamento deste serviço foi de R$ 22 milhões. Em 2023, a previsão é de somente R$ 3 milhões. E terá que ser administrado dentro deste volume de recursos.

Há muito a ser feito para devolver um pouco de dignidade às mulheres vítimas de violência. Há muito que ser arrumado para recuperar direitos retirados nos últimos quatro anos. Há muito que ser priorizado com o orçamento estreito. Mas é preciso, com urgência, estancar esta sangria de desrespeito contínuo com as mulheres, agravado de 2019 a 2022. Mais uma vez, nós mulheres, precisaremos exercer a resiliência e adquirir doses extras de paciência. O novo governo merece nossa consideração!


*Jornalista, ex-presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre e integrante da Coordenação da RED.

Foto: Exposição Stella do Patrocínio, no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea por Fernando Frazão/Agência Brasil

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