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Os ratos em fuga
Os ratos em fuga
De MOISÉS MENDES*
Os argentinos testemunham cenas de acovardamento que vão se repetir no Brasil depois da eleição, quando bandidos impunes e pregadores do golpe, já sem imunidade, não tiverem mais a proteção do governo fascista.
Um exemplo recente. José Derman, o nazista que fez declarações nas redes sociais, lamentando que Cristina Kirchner não tenha sido assassinada pelo brasileiro Fernando Sabag Montiel, foi recolhido à Clínica Psiquiátrica Alejandro Korn de Melchor Romero.
Derman estava preso. Um juiz aceitou o argumento da defesa de que o sujeito não é nazista, é doente mental.
Mas o doente mantinha até agora um instituto supremacista de pregação de ações violentas contra o peronismo e os comunistas, o Centro Cultural Kyle Rittenhouse de La Plata.
Kyle Rittenhouse é o racista de 18 anos que matou dois negros a tiros, em 2020, em Kenosha (Wisconsin), e foi depois absolvido por unanimidade.
Enquanto as investigações vão desvendando personagens do entorno do atentado, Javier Milei, deputado e líder do movimento fascista ‘A liberdade avança’, tenta se afastar da própria turma.
Milei é economista e uma espécie de Bolsonaro esclarecido deles. É uma celebridade da televisão e ficou famoso como antikirchnerista e ultraliberal.
Assustado, o sujeito tenta se desplugar de grupos ligados ao brasileiro que tentou matar Cristina, porque a situação vai se complicando.
O jornal Página 12 mostrou na capa, nesta quinta-feira, uma foto do ano passado de Milei com Sebástian Poch.
Poch é um dos fundadores, com José Derman, do tal centro cultural de extrema direita de La Plata. A foto é de um grupo fazendo protesto diante da embaixada de Cuba.
Há um drama pessoal e de dimensões políticas assombrosas na história de José Derman, de 38 anos, ex-estudante de sociologia da Universidade Nacional de La Plata, que o expulsou depois da prisão.
O homem amigo de um líder fascista é filho de perseguidos da ditadura militar. A mãe dele, Cristina Gioglio, que faleceu há dois anos, era militante feminista de La Plata.
Foi presa e testemunhou várias vezes em processos contra os militares em acusações por crime de lesa humanidade.
O pai, Alberto Derman, militante de esquerda, foi preso duas vezes durante a ditadura.
Uma página em nome de Alberto no Facebook tem uma crítica de um amigo de Alberto à atuação do filho. E uma pergunta: por que a sede do centro cultural fica na sua casa? Não há respostas.
O jornalismo tenta obter mais informações para fazer a conexão entre o deputado, líder do fascismo argentino, os dois dirigentes do instituto e o brasileiro.
Na parede do clube, que prega supremacia branca e a morte de ‘comunistas’, estão retratados, em pinturas grotescas, entre outros, Donald Trump, o próprio Javier Milei, o tenista Novak Djokovic e, claro, Jair Bolsonaro.
O Página 12 conta a história dessa gente e remete para outros grupos extremistas que passam, com o atentado contra Cristina, a ganhar visibilidade, como o Força Unitária Argentina.
Também a grande imprensa de Buenos Aires, do Nación e do Clarín, dois jornais inimigos históricos do kirchnerismo, vem contribuindo com um esclarecimento: não existem lobos solitários.
O que seria um lobo solitário decidido a ficar famoso matando Cristina é na verdade parte de um grupo organizado inclusive no WhatsApp, com ligações com outras redes de extremistas.
Os argentinos nos mostram uma obviedade: pessoas organizadas em grupos privados de zap podem estar tramando ações violentas.
Esse esclarecimento é decisivo para que parem com a desculpa de que conversas privadas não significam nada, mas apenas bobagens ditas por uma turma de amigos extremistas.
Os fascistas argentinos diziam o mesmo, até a tentativa de assassinato de Cristina e a constatação de os ratos do fascismo, antes agrupados, estão em fuga.
*Jornalista e autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’.
Foto dos retratos expostos no centro cultural dos fascistas.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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