?>

Opinião

Os nudes que salvaram o Brasil

Os nudes que salvaram o Brasil

Artigo por RED
24/03/2024 05:20 • Atualizado em 27/03/2024 10:16
Os nudes que salvaram o Brasil

De SOLON SALDANHA*

Estamos no ano de 2016. Na tarde de 15 de abril chega um e-mail privado para o então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre de Moraes. No texto, a informação de que haviam hackeado um outro endereço eletrônico, esse pertencente à primeira-dama do Brasil, Marcela Temer. Rapidamente o zeloso secretário mobiliza uma equipe de policiais especializados, que se debruçam sobre o caso. Não demora muito e descobrem que não apenas o e-mail dela havia sido invadido, como também sua conta na Apple e os conteúdos do celular pessoal. Desse último, os invasores copiaram um considerável número de fotos íntimas – logo dela, que sempre fora apresentada como uma mulher “recatada e do lar” –, o que permitiu ser iniciada uma chantagem. Queriam R$ 300 mil para que nenhuma fosse divulgada nas redes sociais.

hacker, no entanto, subestimou a capacidade técnica dos policiais que se envolveram na sua identificação. O mega aparato levou poucos dias para descobrir nome e endereço do responsável, que foi preso. Michel Temer ficou encantado com a presteza e discrição de Alexandre de Moraes, a quem antes conhecia apenas de nome. O inquérito, devido à complexidade do caso, somou mais de 1.100 páginas. Mas, em nenhuma delas foi sequer citado o que o invasor havia encontrado no celular de Marcela. Esse reconhecimento rendeu, pouco tempo depois, um convite para que Alexandre de Moraes assumisse o Ministério da Justiça, em Brasília.

Na Capital Federal, houve uma aproximação maior entre o presidente e o ministro. Tanto que, quando o catarinense Teori Albino Zavascki faleceu, vitimado por um acidente aéreo até hoje suspeito, abrindo uma vaga no STF, o nome de Alexandre de Moraes foi indicado para a sucessão. Essa morte foi em 19 de janeiro de 2017, tendo o bimotor turboélice decolado do Campo de Marte, na cidade de São Paulo, com destino à Paraty. Caiu no mar, 30 minutos depois da decolagem. Reconhecido por ser um dos mais técnicos entre os integrantes da Corte, além de ser extremamente avesso aos holofotes, Zavascki estava examinando os primeiros recursos contra as decisões depois comprovadamente ilegais do então juiz federal Sérgio Moro, quando morreu.

Recaiu sobre Alexandre de Moraes uma série de dúvidas sobre sua real capacidade, quando ele assumiu. Aos poucos, no entanto, conforme foram chegando em suas mãos temas de enorme sensibilidade para a defesa da democracia e o futuro do nosso país, ele se revelou como o mais ousado e corajoso membro do Supremo. A tal ponto que passou a acumular sobre si toda a atenção e ódio da extrema-direita bolsonarista. Nos planos que pretendiam, se tivessem sido concluídos, dar um golpe militar e tomar o poder, em janeiro de 2023, estava prevista no mínimo a sua prisão, com muitos dos envolvidos defendendo que seria melhor sua execução sumária.

Foram decisões de Alexandre de Moraes, por exemplo, citando apenas o período de combate à pandemia, suspender as restrições impostas à Lei de Acesso à Informação; negar o pedido de suspensão da Lei de Abuso de Autoridade; dar aos Estados e municípios o direito de tomar atitudes referentes à saúde pública, mesmo que à revelia do Governo Federal; e mais tarde ainda considerar como legítimo o desejo da CPI da Covid de pleitear apuração de supostas condutas criminosas do ex-presidente Bolsonaro, entre elas a de associar a vacinação contra essa doença com a infecção por HIV. Esse recorte serve apenas para exemplificar que ele se colocou sem temor algum, contra o que desejava o Executivo.

Foi ele também que tornou públicos documentos sobre operações que envolviam empresários, que desde 2019 eram mantidos sob inexplicável sigilo – talvez apenas em virtude do nível socioeconômico dos que estavam envolvidos, bem como da sua proximidade com o governo de então. O mesmo decidiu agora, nos últimos dias, quanto aos depoimentos prestados por militares ouvidos na investigação dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, entendendo que por sua importância eles precisam ser do conhecimento público. Aliás, para citarmos sua atuação ao longo do ano passado, Alexandre de Moraes foi recordista em termos de trabalho no STF: proferiu nada menos do que 7.680 decisões monocráticas ou colegiadas.

Não se pretende aqui fazer um apanhado completo da atuação deste ministro no Supremo. A intenção é apenas registrar o quanto a história muitas vezes se apoia em eventos de aparente insignificância para oferecer avanços inesperados. Ou para deter retrocessos. Basta pensarmos que, não fosse Marcela Temer tirar aquelas fotos, ou não fosse o hacker ter invadido seu celular, a probabilidade de estarmos ainda enfrentando um período de escuridão, com a extrema-direita no poder, seria bem maior. Que os livros ainda venham a fazer justiça ao papel indireto, porém fundamental, dessas duas figuras bastante secundárias: ela, de quem sempre se soube pouca coisa além do nome; e ele, de quem nem mesmo o nome chegou a ser conhecido pelo público.


O bônus do autor começa com Você Não Vale Nada Mais Eu Gosto de Você, do grupo Calcinha Preta, em uma performance de Nando Reis com a companhia do grupo Os Infernais – como apropriada homenagem a quem indiretamente auxiliou nosso país. Depois é a vez de Vitor Kley, com a música Mundo Paralelo.


*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.

(**) O lírio d’água tem suas raízes no lodo existente em lagos e lagoas. É a flor de lótus, que se fecha durante a noite, mergulhando nas águas. Só que essa reclusão voluntária termina pouco antes do amanhecer, quando ela ressurge e se abre para a vida, outra vez na superfície.

Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.