Opinião
Os Lulíadas
Os Lulíadas
Por WALTER MORALES ARAGÃO*
“Cessa tudo o que a Musa antiga canta/
Que um valor mais alto se alevanta.”
L. de Camões. Os Lusíadas. Canto I. Lisboa. 1572.
“(…)Muchas veces los llevé a la victoria en la dura
batalla”. J. L. Borges. El disco. In: El libro de
arena. Buenos Aires. 1975
A vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022 possui uma dimensão de avanço civilizatório para o Brasil. Isto pode ser afirmado através de diversos aspectos. Um deles, que abordo aqui, é o de que a democracia e, mais estritamente, as eleições, são exemplos daquilo que se denomina como “eterização” no processo civilizatório, conforme a proposta de Max Weber. Trata- se da substituição de ações violentas, nos processos sociais, por práticas menos gravosas que as anteriores. Assim, no caso das trocas de poder, da pura violência física grupal ou das guerras civis, características de sociedades rígidas ou arcaicas, passa-se às alternâncias pacíficas nos governos, entre opositores e situação.
A redemocratização formal brasileira, após 1985, já dera este passo, na consideração às instâncias eleitorais, no reconhecimento dos resultados e nas sucessões regulamentares dos governos eleitos. Mas o atual governo de extrema-direita efetivou retrocessos naquela trajetória e anunciava um período mais retrógrado ainda, no caso de êxito em sua tentativa de reeleição.
Além disso, apenas as escalas continental e populacional massivas, como as do Brasil atual, já conferem à vitória de Lula nestas eleições uma dimensão épica inegável, apontada em diversas análises recentes. Tanto pelos quantitativos envolvidos (os mais de sessenta milhões de votos por ele recebidos equivalem numericamente a uma vez e meia a população da Argentina ou a toda população do Reino Unido; e o tornam a pessoa mais votada da História, superando Putin) como também pela obtenção do resultado favorável diante da magnitude dos recursos mobilizados, legal e ilegalmente, pela candidatura situacionista de Bolsonaro.
O momento de crise mundial, com as mudanças climáticas agudas, desemprego estrutural decorrente do uso capitalista das novas tecnologias e mesmo as guerras atuais para o redesenho das áreas de influência geopolítica das maiores potências realçam a dramaticidade incomum destas eleições. A terceira vitória de Lula para a presidência da república e a quinta do PT e aliados são, assim também, marcas inéditas na recente democracia brasileira. E, recordando-se agora em 2022 os 450 anos da primeira edição de “Os Lusíadas”, pode-se dizer que “a última flor do Lácio” tem feitos épicos novos para assinalar perante o mundo. Talvez os/as participantes da epopeia venham a ser conhecidos/as como “@s Lulíadas”, se não for demasiada a pretensão.
Veja-se, a propósito, que o Brasil, hoje uma das dez maiores economias nacionais, segue sendo o quinto maior país em território, tem agora a sexta maior população da Terra e é, infelizmente, o segundo em desigualdade econômica. O quer dizer, entre outras coisas, que uma campanha eleitoral nacional é muito difícil de qualquer modo, dadas estas dimensões. E, no caso de Lula, do PT e de seus aliados, tem-se ainda o fato de estarem na oposição (Bolsonaro é o primeiro presidente no cargo que perde na busca da reeleição) e do líder esquerdista ter sofrido recentemente
um violentíssimo e vasto processo de “lawfare” .
A reunião geracional da esquerda nesta candidatura – com a cabeça-de-chapa petista e o apoio do PSOL desde o início -, mais o apelo ao centro e à direita democráticos, com a vice de Alckmin, deram ainda mais amplitude no espectro partidário à Lula.
A defesa da democracia brasileira, configurada na Constituição de 1988, e das conquistas sociais e libertárias nela inscritas, mais as políticas públicas dos governos petistas – todas fortemente combatidas pela extrema-direita tão personificada em Bolsonaro – fizeram com que a rejeição ao mandatário fosse sempre superior à de Lula. Além disso, aquelas defesas oportunizaram uma ampliação da célebre capilaridade nacional petista, ampliando a votação nas regiões Sul e Sudeste. Fato que foi decisivo para a vitória e onde brilhou o protagonismo da miríade de militantes, numa variedade grande de ações: comitês populares, carreatas espontâneas, bancas voluntárias de distribuição de materiais, etc.
Esta excelência do ativismo “Lulíada” melhorou os resultados em todas as regiões do país e somou-se à manutenção inabalada da sua fortaleza nordestina, a qual resistiu a todo o direcionamento massivo de cooptação movido pela máquina bolsonarista. A campanha da reeleição priorizou, sem sucesso no geral, as regiões Sudeste e Nordeste na agenda de campanha. Os resultados em Minas Gerais e na Bahia foram emblemáticos destes embates localizados.
A linha de comparação aos clássicos é apresentada internacionalmente, por exemplo, pelo analista Pepe Escobar. Ao comentar as eleições de 2022 no Brasil, ele compara Lula a Odisseu: ambos protagonistas de retornos heroicos a cenários dramáticos. Queira o destino que ele consiga dirigir bem o barco Brasil nestes dias tempestuosos, junto a tod@s @s argonautas/cidadãos/ãs. Esta vitória eleitoral coaduna-se também, para finalizar, junto a outras sínteses notáveis, à tese do educador Paulo Freire: é dos oprimidos que vem o gesto libertador.
*Professor de Filosofia. Possui especialização em História Contemporânea, Mestrado e Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. É participante do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado de Direito.
Imagem em Pixabay.
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