?>

Opinião

Os dilemas da direita na Europa; o que a eleição em Portugal ensina sobre acordos com radicais

Os dilemas da direita na Europa; o que a eleição em Portugal ensina sobre acordos com radicais

Artigo por RED
20/03/2024 05:25 • Atualizado em 23/03/2024 22:59
Os dilemas da direita na Europa; o que a eleição em Portugal ensina sobre acordos com radicais

De FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim

O resultado da eleição legislativa de 10 de março passado em Portugal provocou uma onda de comentários assinalando o progresso da extrema direita no país. O partido Chega, liderado pelo jurista André Ventura, obteve 18,06% dos votos,  conseguindo o terceiro lugar e catapultando seu número de deputados na Assembleia da República para 49 entre 230. Alguns comentaristas chegaram a afirmar que, ainda que não venha a fazer parte do futuro governo, o Chega e Ventura foram os grandes vencedores do pleito, e provavelmente serão o fiel da balança no parlamento.

Ao mesmo tempo, o resultado eleitoral expôs o dilema da Aliança Democrática, de centro-direita, liderada pelo Partido Social-Democrata que, apesar do seu nome, pertence ao campo conservador tradicional. A AD ficou com 29,49% dos votos e 79 deputados, apenas 2 a mais do que o Partido Socialista, de centro-esquerda, que ficou com 77 deputados e 28,66% dos votos, numa diferença mínima de 0,83% em relação ao vencedor.

A AD vê-se agora diante do dilema: ou negocia com o Chega para governar ou com seus tradicionais adversários, os socialistas. Ou ainda assume governar em minoria, tendo de negociar caso a caso com estes dois contendores, além dos pequenos partidos que, seja à direita, seja à esquerda, não têm condições para oferecer uma maioria estável de votos.

De momento, o líder da AD, Luís Montenegro, do Partido Social-Democrata, anunciou que não pretende formar uma aliança com o Chega. Sua posição é frágil, pois, por exemplo, se não conseguir aprovar o Orçamento, o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, será forçado a chamar novas eleições.

A situação complicada de Montenegro em Portugal é a mesma de outros líderes conservadores tradicionais na Europa. A extrema direita é parte integrante do governo conservador na Finlândia e dá apoio decisivo para o governo igualmente conservador na Suécia. A ultra-direitista Giorgia Meloni, com seu partido Fratelli d’Italia, atropelou os demais conservadores e  lidera hoje o governo em Roma, saindo de 1,9% dos votos  e nenhum deputado eleito em 2013 para 26% em 2022, com 26 deputados.

Na Espanha o tradicional Partido Popular aceita negociar regionalmente com o Vox, que se declara herdeiro do Falangismo do ditador Francisco Franco.

Na Holanda, o radical Gert Wilders desistiu de formar um governo por falta de alianças, mas a situação dos demais partidos está longe de ser confortável.

Na França Marine Le Pen, do Rassemblement National (Reunião Nacional) vem crescendo de eleição para eleição presidencial, e é uma séria candidata na próxima, prevista para 2027.

Na Alemanha, o Alternative für Deutschland, que tem membros acusados de serem neonazistas, é a segunda força eleitoral nas atuais pesquisas de intenção de voto para 2025. Na União Democrata Cristã, da direita tradicional, a posição ainda dominante é a de não negociar com o AfD, mas há correntes dentro do partido que admitem essa possibilidade.

Na Áustria o Partido da Liberdade, radical de direita, é o líder em intenções de voto nas eleições previstas para o segundo semestre deste ano e, se confirmar esta posição, deverá propor uma aliança com o tradicional direitista Partido do Povo.

Por trás deste crescimento da extrema direita tirando votos de todos os partidos mas, sobretudo, da direita tradicional, jaz uma condição que raramente é comentada nas mídias mainstream da Europa e também de outros continentes.

União Europeia

A Europa tem um carro-chefe, que é a União Europeia. Esta começou a ser construída após o fim da Segunda Guerra, num momento em que na Europa Ocidental o pensamento hegemônico, mesmo entre os conservadores, era de raiz social-democrata, com suas consistentes politicas sociais, como uma alternativa ao comunismo dominante na “outra Europa”, a Oriental, sob a batuta da hoje extinta União Soviética.

Entretanto, ela foi criada formalmente pelo Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 e em vigor a partir de novembro do ano seguinte. Nesta altura, a União Soviética já não existia, o mundo comunista se esboroava e a hegemonia do pensamento social-democrata na Europa entrava em declínio. Em seu lugar crescia a hegemonia do pensamento neo-liberal, com seus planos de austeridade e o retraimento das políticas sociais, criando passo a passo uma sensação de insegurança e desamparo. A atual guerra na Ucrânia acentuou esta sensação, promovendo saltos inflacionários em toda a parte e empurrando o continente para um beco recessivo.

Ou seja, a política economicamente conservadora que se impôs na União e na Europa do século XXI minou as bases dos políticos conservadores tradicionais, levando de roldão os social-democratas, verdes e socialistas que também foram enfraquecendo suas plataformas sociais. As esquerdas, divididas, não têm conseguido se afirmar como opção. As extremas direitas começaram a faturar votos, com suas bandeiras fáceis e simplistas de xenofobia, nacionalismos excludentes e dúvidas quanto a própria União.

Seguindo uma triste tradição, diante de crises econômicas profundas a Europa volta a adernar para a direita radical e busca um culpado “diferente”. Antes foram os judeus; hoje são os muçulmanos, os imigrantes ou refugiados do “Sul do Mundo”. E os conservadores tradicionais se vêem diante do impasse: se forem mais para a direita, poderão ser engolidos pela extrema direita; se permanecerem onde estão, pode lhes suceder o mesmo… Poderão dar um salto mágico, mudando suas políticas e sua forma de pensar, contribuindo para a sobrevivência de uma Europa democrática? Só podemos glosar o poeta português Fernando Pessoa:  “Tudo é incerto e derradeiro/Tudo é disperso, nada é inteiro/Ó Europa, hoje és nevoeiro”.


*Jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Publicado anteriormente no portal rfi.

Imagem em Pixabay.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.