Destaque
Os crimes políticos na era da cibernética
Os crimes políticos na era da cibernética
Por CELSO JAPIASSU*
O mundo vive uma época em que a conexão instantânea, ao mesmo tempo em que reduz as distâncias e conecta as pessoas, revela também o que o ser humano tem de pior ao proporcionar o surgimento de um novo tipo de criminalidade. A fraude eleitoral é apenas um desses novos crimes, entre tantos outros que a sinistra imaginação do ser humano não cansa de planejar.
A eleição de Trump nos Estados Unidos, a saída do Reino Unido da União Europeia, sem esquecer a tragédia que foi a vitória e o governo de Bolsonaro no Brasil e agora o tumulto nas eleições municipais de São Paulo, sobre todos esses eventos políticos existe a certeza da manipulação do eleitorado através do uso da internet. O mundo vive uma época em que a conexão instantânea, ao mesmo tempo em que reduz as distâncias e conecta as pessoas, revela também o que o ser humano tem de pior ao proporcionar o surgimento de um novo tipo de criminalidade. A fraude eleitoral é apenas um desses novos crimes, entre tantos outros que a sinistra imaginação do ser humano não cansa de planejar.
Um relatório da diretora executiva da Europol, a polícia da União Europeia, a belga Catherine De Bolle, associa o recente aumento da criminalidade à epidemia de coronavírus e diz que “a pandemia trouxe o melhor, mas infelizmente também o pior da humanidade”. Com um grande número de pessoas que começou a trabalhar a partir de casa e, geralmente, com sistemas de segurança desatualizados, os cibercriminosos aproveitaram-se da situação. A Sra. De Bolle destaca que o impacto da pandemia no crime cibernético foi a face mais visível e impressionante em comparação com outras atividades criminosas, pois os criminosos conseguiram adaptar-se rapidamente e atingir as ansiedades e medos das suas vítimas.
Ansiedades e medos
A identificação de ansiedades e medos mencionados pela diretora da Europol, referindo-se principalmente aos crimes sexuais e fraudes financeiras, foram também os mais fortes elementos emocionais que a Cambridge Analytica, onde trabalhava o notório ativista de extrema direita Steve Bannon, explorou profundamente em suas campanhas de notícias falsas (“fake news”) destinadas a dirigir o voto nas campanhas eleitorais em que ele foi o responsável pela estratégia. O planejamento dessas campanhas visava principalmente as diversas camadas de classe média despolitizadas e por isso mesmo mais expostas ao populismo radical de extrema direita e à exploração das suas ansiedades e seus medos. Nos Estados Unidos, o medo do desemprego, dos mexicanos e todos os imigrantes; no Reino Unido, o medo do domínio da União Europeia e, no Brasil, o medo de Lula e do PT. São apenas alguns exemplos das ansiedades e medos a que se referia genericamente o relatório da Europol.
A estratégia da Cambridge Analytica e de Steve Bannon, embora sofisticada, é simples e tradicionalmente utilizada no planejamento das ações de marketing comercial: identifica-se o público-alvo pelos parâmetros de classe social, idade, hábitos, crenças, depois realiza-se alguns testes de efetividade do tipo de mensagem que a eles vai ser endereçada. No caso de campanhas de marketing de produtos, quais as mensagens capazes de influenciar o consumidor. Na estratégia eleitoral, as que serão capazes de conquistar corações e mentes e influenciar o voto. Os Big Data (https://inteligencia.rockcontent.com/big-data/) e mais recentemente as plataformas de Inteligência Artificial, encarregam-se de identificar onde se encontra o público desejado, traçar perfis eleitorais e tendência de voto para então bombardeá-lo com as mensagens que querem ouvir, a maioria falsas e que vão dirigir seu pensamento. Mensagens fraudulentas explorando suas ansiedades e medos. A partir daí, para obter sucesso, confia-se no comportamento de manada, que quase nunca falha.
Foi criado até um termo – “dominância informativa” -, para definir a técnica que difunde rumores, desinformação e notícias falsas. Foi a tarefa atribuída ao tristemente famoso “Gabinete de Ódio” da militância bolsonarista durante e depois do seu governo.
Guerras clandestinas
A Cambridge Analytica, fundada pelo bilionário de extrema direita Robert Mercer, teve uma curta vida de cinco anos (2013-2018) e faliu quando veio a público o escândalo do fornecimento a seu favor de dados pessoais dos usuários do Facebook. Esses dados foram usados para traçar o perfil psicológico daqueles usuários a fim de serem aplicados nas estratégias de campanhas eleitorais. Depois da falência, a Cambridge Analytica ressuscitou na pele de duas diferentes empresas, uma chamada CA Political, responsável pela atividade e exploração do mercado político e eleitoral, e a CA Commercial, para o atendimento de clientes empresariais. Ambas se encontram em atividade, a primeira delas em operações quase sempre clandestinas mundo afora. Os clientes da CA Political são governos e corporações militares que pretendem mudar o comportamento das populações em benefício dos seus objetivos, todos alinhados com os interesses da direita política. Usa táticas inspiradas nas estratégias de guerra desenvolvidas por teorias e práticas militares.
Até 2018 a Cambridge Analytica elaborou estratégias e executou programas de desinformação e propaganda para mais de 200 diferentes campanhas políticas pelo mundo. Todas as candidaturas eram do espectro conservador ou abertamente extremistas de direita, coincidentes com a visão ideológica de Robert Mercer e Steve Bannon.
Robert Mercer exerceu atividade profissional como cientista da computação, especialista em inteligência artificial. Trabalhou no laboratório de pesquisas da IBM antes de iniciar-se em aplicações financeiras e tornar-se bilionário administrando fundos de cobertura e fazendo diversos investimentos muito rentáveis de retorno garantido.
Steve Bannon foi banqueiro de investimentos antes de tornar-se estrategista político. Editou um site especializado em “fake news” e teorias de conspiração chamado Breitbart News, orientou a campanha de Donald Trump e foi estrategista chefe da Casa Branca antes de ser demitido pelo presidente. Fundou depois “The Movement”, uma organização de caráter ideológico que visa instalar governos de extrema direita nos países do mundo. Transferiu sua sede para Bruxelas, na vizinhança dos escritórios da União Europeia. Além de The Movement, criou também um portal chamado War Room (https://warroom.org/) para dar suporte a sua militância neofascista. A denominação ‘gabinete de guerra’ revela claramente quais são as suas intenções. Foi banido do Twitter e readmitido depois da compra dessa rede pelo também extremista de direita Elon Musk.
A Cambridge Analytica continua a responder como ré a várias investigações criminais tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido. Nem a empresa nem Bannon e muito menos Robert Mercer jamais responderam ao que lhes foi perguntado pelos jornalistas. A atuação desse grupo e suas ramificações têm sido considerada como uma ameaça global à democracia.
*Celso Japiassu é
*Poeta, articulista, jornalista e publicitário
Ilustração da capa: Photo Adapted by WhoWhatWhy from Thought Catalog / Flickr (CC BY 2.0) and Channel 4 News / YouTube + logo da War Room
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.