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Opinião

O último suspiro

O último suspiro

Artigo por RED
06/10/2022 10:54 • Atualizado em 07/10/2022 10:18
O último suspiro

De MARCIO POCHMANN*

As eleições presidenciais de 2022 representam uma rara oportunidade democrática pela qual o conjunto dos brasileiros podem definir o rumo do seu próprio país. As principais mudanças institucionais do Brasil pós-colonial não registraram a presença democrática da participação popular. A Independência nacional (1822), a instalação da República (1889) e a Revolução de 1930 foram eventos históricos emblemáticos de ausência da maior parte da população.

Nos dias de hoje compete ao conjunto dos brasileiros decidir qual dos dois pacientes seguirá respirando. De um lado, a condição de pária do mundo numa sociedade de ‘desclassados’, movida pela luta da sobrevivência de todos contra todos. De outro, a condição soberana internacional constituída pelo protagonismo do desenvolvimento interno combinado com o aprofundamento da democracia e da inclusão social.

Enquanto a janela histórica aberta neste primeiro quarto do século 21 ao mundo começa a se fechar, o conjunto dos brasileiros que se defrontou no último domingo com a urna eletrônica – orgulho nacional – sem anular ou votar em branco, demonstrou indecisão sobre a qual opção melhor a fazer. O direito da dúvida que o sistema eleitoral possibilita é benéfico para que então os eleitores possam ser melhor esclarecidos antes de vaticinarem o rumo pelo qual o Brasil seguirá vivo.

Esse impasse será desfeito democrática e conscientemente nas próximas quatro semanas, quando o conjunto dos eleitores voltará ao painel de controle da nave brasileira disponibilizado pela urna eletrônica. Até lá, o “jogo segue sendo jogado”, especialmente no contexto segundo turno que torna mais plebiscitária a escolha: a continuidade do que já se sabe ou a segurança da mudança.

A insatisfação da maior parte da população com o que está aí se apresenta majoritária, uma vez que do conjunto dos eleitores que se defrontaram com as urnas, sem votar em branco e não anular, cerca de 2 em cada 3 não apoiaram o candidato da continuidade. Preferiram outros candidatos que apostaram na mudança.

Lula foi o que mais galvanizou melhor a força da mudança, obtendo quase 26 milhões de votos do candidato do PT em 2018. Depois de abandonar a narrativa de golpe adotada a partir de 2016, a organização atual de ampla frente política antifascista demonstra ser mais eficiente para a necessária formação de maioria política nacional, inédita desde a montagem do ciclo político da Nova República, em 1985.

Após o desmanche da Aliança do PMDB com o PFL que viabilizou a transição política pelo colégio eleitoral da ditadura civil militar (1964-1985), a polarização entre o PSDB e PT predominou até as eleições presidenciais de 2014. De lá para cá, um novo bloco de poder à extrema direita do espectro político se conformou, massacrando o centro democrático e derrotando alianças lideradas pelo PT nas eleições de 2016, 2018 e 2020.

A candidatura do ex-presidente Lula em 2022 compreendeu o sentido geral do movimento de forças que havia encerrado o ciclo político da Nova República (1985-2014), enterrando o presidencialismo de coalizão. Tanto que tem buscado integrar democraticamente a fragmentação de forças políticas mudancistas e antifascistas, necessárias para vencer as eleições e estabelecer a nova maioria a sustentar um programa que permita trazer para o presente o horizonte de expectativas atualmente obstaculizado por nove anos de estagflação (estagnação econômica com alta inflação.

O último suspiro deve ser concedido à vontade da superação da parte podre da política que insiste em submeter o país ao grupo dos países somente consumidores e importadores de bens e serviços tecnologicamente avançados que marcam a nova sociedade digital, outro governo é essencial. Mas isso requer deixar para trás o passado tanto da primitiva pobreza herdada do modelo econômico primário-exportador como da desigualdade generalizada trazida pela modernidade conservadora que acompanhou o projeto de industrialização por substituição de importações.

No caso do ex-presidente Lula, assim como havia afirmado no passado recente ser uma ideia a ser protagonizada por todos, a candidatura será vitoriosa quando assumida por cada um dos brasileiros que deseja escrever a história do presente com as suas próprias mãos, diferente da trajetória pregressa. A campanha, nestas próximas 4 semanas, não mais pertence ao candidato Lula, mas sim ao convencimento político que só a democracia permite.


*Economista, pesquisador, professor e político brasileiro. Foi presidente da Fundação Perseu Abramo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e secretário municipal de São Paulo.

Imagem de reprodução na internet.

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