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Uma interpretação das eleições
Uma interpretação das eleições
Por CARLOS DE ASSIS*
O recente artigo de Benedito Tadeu, na Red, e a entrevista de José Dirceu na Globonews, na última terça-feira, coincidem na correta interpretação do enfraquecimento da esquerda e do fortalecimento do Centrão constatados nas últimas eleições municipais. Na essência, ambos concluem que a esquerda e, principalmente, o PT, fracassaram porque deixaram um espaço vazio para que a direita e a extrema direita avançassem nas áreas mais pobres da população, que antes as acompanhavam.
Tadeu acentua a dificuldade de comunicação do Governo com essas áreas. E ambos chamam a atenção para o óbvio: o mecanismo antirrepublicano de manipulação de emendas parlamentares para apropriação de recursos públicos a fim de financiar campanhas eleitorais, levando à perpetuação no poder de oligarquias partidárias. Estou totalmente de acordo com essas interpretações. Mas gostaria de acrescentar um elemento histórico, que considero igualmente relevante.
Por que as esquerdas já não conseguem falar com o povo pobre, como antes? Para mim, é porque as sociedades, e não só no Brasil, como em grande parte do mundo, sofreram transformações que as descaracterizaram profundamente nas últimas décadas em relação às anteriores. A história de fins do século XIX e da maior parte do século XX foi a história do conflito entre Capital e Trabalho. Nesse período o Capital, que sempre puxou a História, puxou com ele esse conflito.
De fins dos anos 1970 para cá, sob o impulso do avanço tecnológico e da financeirização da economia, o Capital produtivo começou a dispensar trabalhadores e a migrar para a especulação financeira improdutiva. Cada país teve uma participação diferenciada nesse processo. No Brasil, ele tem sido mais intenso, porque o domínio do Capital sobre o Estado, em suas duas formas, tem sido muito mais forte que em outros países, devido principalmente à aliança da classe dominante com a mídia.
Enquanto atuou como força produtiva e social relevante, o Trabalho compensou politicamente sua subordinação econômica ao Capital mediante apoio eventual do Estado. Isso começou com Getúlio Vargas, que criou a legislação trabalhista, e veio até os anos 70, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu acabar com seu legado, e efetivamente o fez, de forma indireta, com a Lei de Responsabilidade Fiscal de caráter conservador-neoliberal.
Ao dispersar o Trabalho, e converter-se à financeirização e ao fiscalismo, o Capital tornou-se no Brasil uma força regressiva sem oponentes, aliado ao Estado conservador-neoliberal. Lula foi o último líder político que conseguiu afirmar-se com amplo apoio popular, contando com uma base sindical forte. Já depois de suas primeiras eleições o Trabalho se enfraquece, a Sociedade se fragmenta em grupos de interesses e prevalece o identitarismo. E a esquerda perde suas referências básicas.
É isso, a meu ver, que explica o crescimento da direita e da extrema direita no Brasil e no mundo. O Capital, sem oponente direto no campo econômico e em condições políticas de dominar o Estado, pode exercer livremente a defesa de seus interesses na apropriação de grande parte da renda nacional. Isso se faz através de uma política fiscal restritiva, que diminui a capacidade do Governo de atender as necessidades básicas do povo, e da política monetária, com seus juros imorais.
Na Sociedade, só os idealistas defendem o interesse comum. É inútil. A realidade crua se sobrepõe ao discurso político, especialmente quando esse discurso pretende “esclarecer” as camadas mais pobres da população sobre suas mazelas. Nos velhos tempos do sindicalismo forte, os trabalhadores, em grande número, conviviam nos mesmos espaços e dividiam as mesmas esperanças. Curiosamente, antes da internet, era mais fácil a comunicação política entre eles. Hoje é diferente.
Parte relevante dos trabalhadores se encontra no mercado informal, sem proteção previdenciária ou trabalhista, graças às reformas feitas sem grande oposição nos recentes governos de direita ou de extrema direita. Há cerca de 15 milhões de MEIs (Microempreendedores Individuais), uma forma precária de institucionalização que atende a centenas de milhares de trabalhadores que foram expulsos do mercado formal. Eis aí um grande mercado de votos, porém não alcançado pelas esquerdas.
É um mercado explorado principalmente pelos demagogos (“sou contra tudo isso que está aí”), pelos riquíssimos pastores episcopais e, nas grandes metrópoles, por políticos ligados a milicianos e traficantes. As esquerdas não entram nesses espaços. E não vejo mesmo como possam entrar. A mídia e a internet, em tese, poderiam facilitar o processo de comunicação, mas as esquerdas ainda não encontraram uma linguagem e mesmo uma ideologia comum para chegar às diferentes camadas da população.
Por tudo isso justifico o crescimento da direita e da extrema direita nas últimas eleições, e sou extremamente cético em relação à possibilidade de que esse quadro mude nas próximas. Na raiz dessa questão não estão relações políticas superficiais na Sociedade. Existem razões profundas, que dizem respeito à própria transformação do Capitalismo produtivo dos séculos XIX e XX no Capitalismo financeiro improdutivo do Século XXI, que marginalizou a força de trabalho e fragmentou a Sociedade.
*Jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto: Antonio Augusto/Ascom-TSE)
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