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O que está acontecendo nas universidades públicas brasileiras?

O que está acontecendo nas universidades públicas brasileiras?

Politica por RED
23/10/2024 16:00 • Atualizado em 25/10/2024 09:29
O que está acontecendo nas universidades públicas brasileiras?

Por RODRIGO PEREZ*

À esquerda e à direita as universidades estão sob ataque. Os ataques têm dinâmica e propósitos diferentes, apesar de estarem umbilicalmente conectados entre si. Principalmente nos cursos das ciências sociais e humanas, as universidades públicas foram dominadas por movimentos sociais da esquerda identitária, supostamente comprometidos com a agenda da equidade de raça e gênero.
O pensamento dominante no ambiente acadêmico afirma uma nova missão para o sistema universitário: não mais o ensino gratuito de qualidade, a pesquisa científica de ponta a as atividades extensionistas de impacto social. A missão, agora, é a reparação de todas as violências acumuladas ao longo da história moderna.
Machismo, homofobia, racismo, escravidão, genocídio indígena, discriminação de pessoas com deficiência. Caberia à universidade a jornada messiânica de correção de todas as injustiças, com parte da comunidade acadêmica convencida de que chegou ao estágio mais evoluído da consciência crítica e das boas intenções morais.
Essa jornada messiânica pela reparação leva a universidade a buscar, incessantemente, o sujeito do sofrimento, o personagem a ser reparado e protegido.  Hoje, essa posição é compartilhada entre as pessoas trans e as populações escravizadas pela colonização europeia, ou seja, negros e indígenas. Já começa a surgir no horizonte um novo sujeito do sofrimento: as pessoas neurodivergentes, sobretudo espectro autista. Estar no espectro autista já se tornou marcador de identidade política, constantemente evocado por membros da comunidade acadêmica em seus esforços de autoidentificação.
São duas as principais consequências dessa atmosfera política e cultural:
– O conhecimento produzido passa a ser validado em função de seu compromisso com a “representatividade” das “experiências” desses sujeitos do sofrimento. Se o leitor e leitora fizerem uma pesquisa rápida nos produtos acadêmicos mais laureados nos últimos anos na área das ciências sociais e humanas, perceberão que, em geral, as temáticas apontam para experiências e testemunhos de minorias sociais. “Representatividade”, “experiência” e “testemunho” são as palavras-chave. Ganhou bastante influência um gênero textual conhecido como “autoetnografia”, onde “pessoas não binárias” narram suas próprias experiências de socialização (há diversos relatos de experiências sexuais, muitas vezes legitimados como dissertações de mestrado e teses de doutorado). A narrativa em primeira pessoa é fetichizada a partir da premissa de que somente o oprimido pode falar sobre si mesmo. A relação de exterioridade recíproca entre sujeito e objeto não apenas deixa de fazer sentido como deveria ser abolida, considerada um valor politicamente negativo defendido apenas pelos “reacionários”.
– As pessoas que fazem parte das minorias sociais e que, por isso, encarnariam o sofrimento histórico, estão liberadas para fazerem o que bem entenderem. Reivindicam direitos nem sempre formalizados na legislação: “direito” de faltar aulas, de não se submeter aos ritos de avaliação, de não ler a bibliografia recomendada, de ter acesso a políticas de transferência direta de renda, mesmo que isso não esteja previsto no orçamento das instituições. “Direito” à expressão de suas identidades através de performances que colidem com o decoro acadêmico. Por isso, no evento realizado na Universidade Federal do Maranhão no dia 18/10, uma pesquisadora, pessoa trans vinculada à Universidade Federal da Bahia, se sentiu à vontade para subir na mesa e mostrar suas partes íntimas. O evento foi divulgado como palestra acadêmica e não como performance artística, o que demandaria estabelecimento de classificação etária, nos termos das leis brasileiras.
Os “sujeitos do sofrimento”, portanto, se sentem autorizados a ignorar qualquer código de ética e procedimento institucional, que nada mais seriam do que instrumentos de coerção de uma universidade “branca, elitista e colonizadora”. Qualquer medida institucional que contrarie os interesses dessas pessoas coloca professores e servidores em situação de embaraço, sob risco de serem interpelados em processos administrativos, acusados de racismo, transfobia e assédio.
A extrema direita acompanha com atenção os escândalos protagonizados pelos “sujeitos do sofrimento”, utilizando-os como combustível para promoção de pânico moral visando a destruição da reputação das universidades públicas.  O objetivo é o estrangulamento orçamentário, a precarização das condições de trabalho e a privatização.
A extrema direita é pouco presente no ambiente acadêmico e, geralmente, seus ataques vêm de fora da universidade, provocando coesão da comunidade universitária, o que colabora para a eficiência da resposta. Já a esquerda identitária conta com a leniência de professores e autoridades universitárias, o que dificulta a adoção de protocolos de autoproteção institucional.
Leia também: A crise da hegemonia identitária nas universidades

*Rodrigo Perez é historiador, tendo se formado na educação pública das primeiras letras ao doutorado. Vivendo em Salvador desde 2017, onde atua como professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, o autor pesquisa a história do pensamento político brasileiro e os usos do passado no texto historiográfico e nas narrativas políticas, temas que foram explorados nos livros “As armas e as letras: a Guerra do Paraguai na memória oficial do Exército brasileiro”, publicado pela editora Multifoco em 2013, e “Conversas sobre o Brasil: ensaios de síntese histórica”, pela editora autografia em 2017.

 

Veja o vídeo da cantora travesti que faz dança erótica em universidade no Maranhão:

Observatório Nacional Docente

Às direções sindicais,

Os professores abaixo listados solicitam apoio e orientação institucional para a criação de um Observatório Nacional em Defesa da Saúde Laboral dos Professores Universitários, com o objetivo de monitorar os constantes casos de violência política, laboral, psicológica e ideológica praticada contra os professores no ambiente acadêmico.

A proposta é que o observatório funcione permanentemente, tendo dois objetivos fundamentais.

– Estabelecer um espaço de acolhimento e escuta para os docentes que se sintam atingidos por qualquer tipo de violência perpetrada no ambiente universitário.

– Mediar o acesso do docente às redes de proteção sindical.

Pedimos apoio para construir um projeto que garanta, em todo o Brasil, que docentes do ensino superior tenham informações sobre seus direitos como trabalhadores/as, espaços de acolhimento psicológico e o desenvolvimento de processos claros e padronizados de gestão de conflitos que respeitem seus direitos constitucionais e permitam construir condições de trabalho menos conflitivas, mais seguras e salubres.

Reforçamos, ainda, o compromisso dessa iniciativa com uma universidade plural, inclusiva e democrática, que garanta pluralidade política e ideológica e liberdade de cátedra.

Clique no link para assinar a petição.

Lista de nomes que assinaram a petição:

  1. 1. Adriano Codato, UFPR (Presidente Anpocs)
  2. Adilson Vaz Cabral Filho, UFF
  3. Afonso Albuquerque, UFF e INCT – DSI
  4. Aldo Victorio, UERJ
  5. Alexandre Sá, UFF
  6. Andréa Casanova Maia, UFRJ
  7. André Coonforte, UERJ
  8. Alexandre M T de Carvalho, UFJF
  9. Alice Gouveia, UFPE
  10. Aline Grego, UNICAP
  11. Ana Claudia Silverio Nascimento, UFES,
  12. Ana Paula Cruz Penkala Dias, UFPel
  13. Ana Luisa Araujo de Oliveira, UNIFASV
  14. Antonio Andrade, UNIRIO15. Astrogildo de França, UERJ
  15. Arthur Leandro da Silva, UFPE
  16. Beatriz Kushnir, UNIRIO/ Presidenta da ANPUH/RJ
  17. Benedito Tadeu César, UFRGS
  18. Bila Sorj, UFRJ
  19. Bruno Borges, UFRJ
  20. Bruno Speck, USP
  21. Camila Paese Fedrigo, CONSUP IFRS, EPEPT IFRS, FURG, Mythocondrè Lab
  22. Carlos Souza, UFPA
  23. Caroline Ribeiro, UESB
  24. Celia Tavares, UERJ
  25. Cesar Sabino, Unirio
  26. Cibele Saliba Rizek, USP
  27. Clayton Mendonça Cunha Filho, UFC.
  28. Claudia Sousa Passador, USP
  29. Cláudio Rodrigues Coração, UFOP
  30. Cristiano Alencar Arrais, UFG
  31. Cristiano Monteiro, UFF
  32. Dalson Britto Figueiredo Filho, UFPE
  33. Daniela Virgínia Vaz, UFMG
  34. Débora Messenberg, UNB
  35. Denise Paiva, UFG
  36. Deolinda Catarina França de Vilhena, UFBA
  37. Eduardo Heleno de Jesus Santos, INEST UFF
  38. ⁠Emanuel Freitas da Silva, UECE
  39. Elvia Nascimento. UFCG
  40. Erick Assis de Araújo, UECE
  41. Erisvaldo Pereira dos Santos, UFOP
  42. Eugenio Fuentes Pérez Junior, UERJ
  43. Fabíola Calazans, UNB
  44. Felipe Borba, UNIRO
  45. Felipe Mostaro, UERJ
  46. Fernando de Figueiredo Balieiro, UFCat
  47. Flavia Turino Ferreira, IFRJ
  48. Francisco Aragão Azevedo, IFRJ
  49. Genildo Ferreira da Silva, UFBa
  50. Gustavo Gomes da Costa, UFPE
  51. Haya Dele Bel, UFMT
  52. Helcimara Telles, UFMG
  53. Helena de Souza Pereira, UFF
  54. Heloisa Bezerra, UNIRIO
  55. Heloiza Matos, USP
  56. Hila Bernadete Rodrigues, UFOP
  57. Ivan Ducatti, UFF
  58. Ivo Coser, UNIRIO
  59. Isabel Frade, UFES
  60. Jan Alyne Barbosa Prado, UFBA
  61. Jayme Benvenuto, UFPE
  62. Jeane Carla Oliveira de Melo, UFMA
  63. Joao Luiz Passador, USP

Publicado originalmente em Revista Fórum.

Foto da capa: Print de trecho do vídeo no YouTube com a performance

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