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O Que é Centro Político?
O Que é Centro Político?
Por LINCOLN PENNA*
À Luiz Werneck Vianna. In Memoriam.
Logo após as eleições municipais escrevi um artigo sobre os resultados eleitorais em virtude de avaliações segundo as quais o centro seria o grande vencedor do último pleito na maioria das cidades. Entendia ao escrever que para mim essa avaliação nada dizia dado que não reconheço no centro algo que signifique ou configure uma visão de mundo, logo um projeto político fundado em propostas consistentes, senão em práticas das mais corriqueiras de acomodação e conciliação convenientes aos seus executores.
Relendo as análises políticas de Luiz Werneck Vianna, que nos deixou faz nove meses, um dos mais lúcidos intelectuais de minha geração e das que com certeza nos sucederam, percebi que o que escrevera por ocasião das eleições de 1989, guardadas as evidentes circunstâncias políticas e eleitorais, tem muito a ver com que observo em nosso panorama político. Em seu livro “Esquerda Brasileira e Tradição Republicana”, publicado em 2006 pela editora Revan, Werneck se ocupou de uma análise de conjuntura política no Brasil da virada do século e que se encontra reunidas nesse livro.
No capítulo em que examina a disputa eleitoral do ano de 2002 e especificamente no item relativo ao que denominou “A atração pelo centro” escrito em coautoria com José Eisenberg, seu diagnóstico já antevia o que hoje me parece mais evidente, quando ambos afirmam o descompasso em virtude da inexistência de propósitos geralmente ausentes nesses arranjos que evitam a tomada de posição. Assim sentenciam os seus autores:
“A convergência de todos rumo ao centro político, falso lugar comum da política brasileira, não os faz mais inteligíveis em razão disso, bem ao contrário: torna-os mais opacos. Pois há divergências táticas quanto aos modos de alavancar a estratégia de radicalizar a democratização em curso e de dar maiores consequências ao modelo de desenvolvimento no contexto, ora vigente, de aprofundamento da dependência externa da economia.”
Houve um tempo em que Werneck ressaltava a importância de um centro democrático para fortalecer os protagonistas que se batiam contra a ditadura que teimava em permanecer mesmo após a decisão de Ernesto Geisel em promover a abertura lenta, gradual e segura. Esse centro democrático nada tem a ver com a figura do centro político. É bom desde já esclarecer para não confundir quem porventura tenha guardado na memória essa denominação, que estava direcionada às forças políticas democráticas de distintos partidos e de visões de mundo nem sempre convergentes, mas que se colocavam objetivamente contra a continuidade do regime ditatorial.
Em relação ao agora, a conclusão apressada de alguns analistas ao considerarem que o resultado das eleições na maioria das cidades brasileiras favoreceu o centro é o mesmo que dizer que o eleitorado não quis se posicionar ou na melhor das hipóteses não pretendeu dar a nenhum dos lados, seja à direita ou a esquerda, o seu voto por razões que demandam uma mais consistente avaliação. Mas, daí a proclamar como vencedor o centro é a rigor nada dizer, pois não existe projetos ou visão de mundo naqueles que se assumem como centristas. Trata-se, na verdade, de uma abdicação da política enquanto expressão de interesses ditados por forças sociais representativas do espectro político e ideológico de uma comunidade de interesse.
As conclusões que Werneck nos apresenta em sua análise compartilhada com Eisenberg tem uma atualidade que chama a atenção de qualquer leitor que esteja presentemente atento ao que se passa em nosso processo político pós-eleitoral e já vislumbrando antecipadamente o que pode acontecer daqui até 2026. Cabe, portanto, recorrer de novo ao intelectual orgânico do qual tratamos aqui para constatar a coetaneidade de seu escrito há cerca de vinte anos. Reeditá-lo em parte ilustra bem o que teríamos de concluir. Senão vejamos:
“Há algo a lamentar nessa atual convergência de todos ao centro: a perda de um elemento vital à dinâmica política do Brasil moderno, uma vez que, presentemente, nenhum partido ou candidato disputa as eleições para firmar uma posição ofensiva, centrada em uma agenda efetivamente transformadora e mobilizadora dos interesses e das expectativas das grandes maiorias. (…) Nada ilustra melhor essa perda do que o fato de o maior movimento social agrário do país, o MST, encontrar-se ausente das interpelações realizadas pelos partidos que representam a esquerda nessas eleições.”
(página 197 do referido livro referente a parceria de Werneck e Eisenberg).
Pouco a acrescentar senão a me juntar a esse lamento, sobretudo no momento de mais uma eleição municipal onde as cidades deveriam estar conectadas com as atividades do MST, cujo papel é tão importante e, no entanto, secundarizado pelas candidaturas de esquerda, que caberiam estar juntas aos sem terras e às suas demandas reprimidas historicamente.
*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).
Foto de capa: IA
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