Opinião
O pulso ainda pulsa?
O pulso ainda pulsa?
De LEONARDO MELGAREJO*
Acabei de participar de encontro muito instigante, onde palestraram ilustres pesquisadores do campo da biologia moderna¹. Paradoxalmente, apareceram ali entre enormes avanços da ciência de manipulação gênica, indicativos de tendência à manutenção de mecanismos pautados por interesses econômicos de origem duvidosa.
Por isso, decidi aproveitar este espaço para estimular reflexão a respeito de algo que me pareceu contraditório .
Ao mesmo tempo em que se percebe acelerada evolução em terapias gênicas fabulosas, destinadas inclusive ao enfrentamento de doenças ultra-raras (ao custo de milhões de dólares/caso tratado², se mantém a triste a expansão de tecnologias que induzem derrame de bilhões de litros de agrotóxicos, muitos deles sabidamente cancerígenos, sobre nuestra patria sojera³.
É evidente que uma vida humana não tem preço e que devemos estimular qualquer avanço do conhecimento científico orientado à minimização de sofrimentos. Mas também é óbvio que não podemos descuidar de medidas preventivas, que possam contribuir para limitar dramas de saúde tão dramáticos como aqueles relacionados aos vários tipos de câncer. Afinal, no câncer já se esconde a segunda (tendente a ser a primeira) causa de mortes em nosso país4. Por isso, a aprovação e o estímulo ao uso de plantas transgênicas tolerantes a múltiplos herbicidas cancerígenos não pode continuar sendo desconsiderada,. Afinal, para muitos profissionais das áreas da biologia, nutrição e medicina, ali estaria uma de suas causas mais relevantes.
Dentre as muitas perguntas que o fato instiga, vamos ficar na mais simples: o que está acontecendo com as avaliações de risco atinentes aos agrotóxicos e cultivos transgênicos associados , que apesar de tantos protestos de organizações da sociedade civil, continuam atestando a inocuidade daquela tecnologia ?
Claramente uma metodologia analítica que não encontra perigos no cultivo de lavouras transgênicas tolerantes a herbicidas cancerígenos se revela inadequada ou pelo menos insuficiente em seu escopo de abrangência. E isto é assim porque assim o determinam seus protocolos. Ao ignorar os efeitos ecocidas de atitudes induzidas pela disponibilidade daquelas plantas induz, sobre ações humanas, a metodologia “oficial” de avaliação de riscos simplesmente está colaborando para com a venda/o uso de venenos cancerígenos e, por conseqüência, para com a expansão de dramas que de outra forma poderiam ser evitados. Ou não seria assim?
Mantidos os atuais procedimentos se faz inevitável concluir que, fascinados pelo sucesso da engenharia genética no tratamento de casos especiais envolvendo doenças raras, estamos atribuindo escasso valor à vida daquelas pessoas comuns, atendidas em serviços de oncologia prestados pelo SUS. E este fato merece reflexão. Não apenas porque tende a se expandir como também porque caracteriza uma linha de captura de nossa democracia, bem como, talvez, de parte de nossa comunidade científica, por interesses e valores de mercado alheios, quando não ofensivos a direitos e deveres constitucionalmente assegurados.
Precisamos ficar atentos ao que se passa nas agências avaliadoras de risco, desde já, enquanto o pulso ainda pulsa5.
*Engenheiro Agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção. Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio e presidente da AGAPAN. Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
Imagem: arquivo pessoal do autor.
1 https://congresso.tjcc.com.br/app/inicio/
2 https://canaltech.com.br/saude/zolgensma-sus-vai-receber-um-dos-remedios-mais-caros-do-mundo-231869/
3 https://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/libros/pm.1549/pm.1549.pdf
5 https://www.youtube.com/watch?v=PH3kNbvjN9E
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.