Opinião
O presidencialismo de todos
O presidencialismo de todos
De ALDO FORNAZIERI*
A minirreforma ministerial do governo, garantindo o ingresso formal do PP e do Republicanos, gerou uma nova faceta no presidencialismo brasileiro: tem-se agora o Presidencialismo de Todos. Em termos do espectro político e ideológico, somente a extrema-direita não está representada no governo. Serão 11 partidos no Ministério.
O Presidencialismo de Todos tem aspectos diferentes do Presidencialismo de Coalizão. Em 1987 Sérgio Abranches publicou um artigo intitulado “Presidencialismo de Coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro”. O debate em torno do conceito já tem uma longa história. Resumidamente, o Presidencialismo de Coalizão pode ser definido como a aliança partidária pós-eleitoral formada pelo presidente da República entre partidos que o apoiaram e partidos que não o apoiaram na eleição, visando formar uma base de apoio parlamentar majoritária.
O Presidencialismo de Coalizão não expressa uma aliança programática, mas um arranjo político de distribuição de cargos e verbas e com um compromisso geral de que a base deverá apoiar os principais projetos do governo. O Presidencialismo de Todos mantém algumas dessas características e agrega outras.
As novas características do Presidencialismo de Todos podem ser sintetizadas nos seguintes pontos: ministros de vários partidos não necessariamente garantem o apoio integral de seus partidos ao governo; não há mais o compromisso geral de apoio dos representados nos ministérios a todos os projetos do governo; o governo vê-se obrigado a negociar o apoio de partidos e de setores de partidos representados nos ministérios em vários pontos de sua pauta de interesses; a base de sustentação é menos coesa; o governo terá que negociar não só com as direções partidárias, mas também com grupos dentro de partidos e com bancadas específicas; com o enfraquecimento do centro democrático historicamente representado pelo MDB(PMDB), amplia-se os espectro político da base do governo, incluindo setores que apoiaram o governo e a candidatura de Bolsonaro.
O Presidencialismo de Todos é produto de uma série de circunstâncias: da pressão dissolvente do sistema político-partidário exercida pelo governo Bolsonaro; da polarização política do país; pela tentativa de golpe; da frágil base parlamentar própria do presidente Lula de apenas 136 deputados; do caráter mais conservador da Câmara e do Senado em relação a legislaturas anteriores e do fortalecimento do Congresso em relação ao Executivo ocorrido durante o governo Bolsonaro.
O governo cometeu um erro de cálculo ao montar seu primeiro ministério. Tratou-se de uma composição que não garantia nenhuma vitória na Câmara dos Deputados. Tudo dependeu de negociações com o presidente da Casa, Arthur Lira. O poder de Arthur Lira e o fortalecimento do Congresso ante o Executivo, também agregou uma nova característica ao presidencialismo. Agora não é mais apenas o presidente que define os termos da composição do Ministério, mas também Lira junto com os interesses políticos agregados de forma difusa nos partidos do centrão.
Diante desse conjunto de variáveis, o presidente Lula viu-se diante de três alternativas: 1) governar com uma base minoritária, articulando uma estratégia de formar maiorias circunstanciais em torno de algumas pautas, 2) buscar uma ampliação da base agregando alguns setores do centro-democrático e também negociar pautas específicas com partidos do centrão; 3) abrir o leque incorporando partidos que deram sustentação ao governo Bolsonaro e que o apoiaram nas eleições.
Dois fatores foram determinantes para a escolha da terceira opção: o enfraquecimento do centro democrático e a força de articulação de Arthur Lira na Câmara dos Deputados. Este tipo de composição produz um resultado ambivalente: por um lado, garante ao presidente certa tranquilidade para governar, com determinado grau de governabilidade; por outro, limita significativamente o alcance reformador e mudancista de um governo progressista.
Todos esses impasses e limitações permitem e sugerem algumas indagações. A primeira e talvez a mais relevante: seria possível um presidente governar com uma base parlamentar minoritária e mais coesa? Nos Estados Unidos, na maior parte do tempo, os presidentes têm minoria na Câmara ou no Senado. No caso brasileiro, dada a experiência negativa do afastamento com Collor e Dilma no pós-redemocratização, parece que paira na cabeça dos presidentes o temor de um impeachment.
O impeachment de Collor e o golpe contra Dilma não tiveram como causa principal a existência de bases parlamentares minoritárias, mas uma série de outras circunstâncias que não cabe aqui analisar. Então a pergunta que cabe fazer é a seguinte: tomando o caso do governo Lula 3, as chances de êxito são maiores ou menores com uma base minoritária fiel ou com uma base ampliada com a necessidade de negociação permanente?
Os oito primeiros meses de governo parecem ter convencido Lula de que a manutenção de uma base minoritária implicaria em severas restrições à governabilidade. Os partidos progressistas e de esquerda sequer dispõem de bases sociais organizadas e mobilizadas para exercer pressão sobre os deputados e defender o governo em disputas.
Mesmo ingressando no governo com ministérios, PP e Republicanos continuam se declarando independentes. O Presidencialismo de Todos é um governo de coalizão sem coalizão. Lula e o PT compartilham cargos e verbas, mas não compartilham o governo, não formam uma coalizão programática. As pautas, para serem aprovadas, precisam passar pelo crivo do balcão de negócios.
O mal é anterior às coalizões governamentais. Ele está na natureza fragmentária dos partidos, na sua fraqueza programática, na falta de enraizamento social e na ausência de projetos de país. Os partidos têm projetos de governo, não de país. Os partidos formam coalizões em torno de verbas e cargos, não de projetos programáticos. São partidos-Estado: dependem das verbas, dos fundos partidários e eleitorais, dos cargos, dos gabinetes e dos privilégios para sobreviver. Esta estrutura partidária bloqueia a viabilidade de qualquer governo progressista. Bloqueia o bem estar e os direitos do povo e as mudanças que o Brasil precisa.
*Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e autor de Liderança e Poder (Editora Contracorrente, 2022).
Imagem em Pixabay.
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.