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O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU

O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU

Artigo por RED
30/09/2024 18:00 • Atualizado em 30/09/2024 18:13
O POVO QUE O MUNDO ESQUECEU

Por CELSO JAPIASSU*

Eu canto porque encanto

Mas não sou santa

De nenhum canto

E se o mundo tem cantos

Pra percorrer

Percorro os cantos

Querendo viver

 

(Canto Cigano)

 

Eles têm origem misteriosa, pois parecem ter vindo da Índia, mas alguns estudiosos dizem que não. Teriam vindo da antiga região da Caldéia, no território onde hoje se encontra o Iraque. É certo, no entanto, que há novecentos anos começaram a chegar à Europa percorrendo o caminho dos Balcãs, passando pela Bulgária. Hoje estão espalhados pelos vários países do Continente europeu e também pelo mundo. São quase invisíveis, perambulam pelas ruas das grandes cidades, as mulheres com seus vestidos longos abordam os turistas e oferecem a leitura e a revelação do futuro. Marginalizados e alvos de fortes preconceitos, procuram a subsistência da forma que lhes for possível, nem sempre por meios absolutamente legais. São os ciganos, também chamados nas diversas regiões do mundo de romi, boêmios, gitanos, romnichals, calons, calés ou calós.  O termo cigano é considerado por alguns deles como um insulto. Sua população na Europa é estimada em 11 milhões de pessoas, o que representa um número superior à população de Portugal ou o dobro dos habitantes da Noruega, por exemplo. Representam o maior grupo entre as minorias existentes.

 

Na França

 

Durante o governo do Presidente Nicolas Sarkozy, começaram a ser expulsos da França. O pretexto foram os protestos às vezes violentos que fizeram depois da morte pela polícia de um jovem cigano que não parou durante uma operação policial. Sob o protesto dos movimentos e partidos de esquerda, embora com o apoio de 79% da população, Sarkozy justificou a expulsão como uma ação de reintegração dos ciganos em seus países de origem. Um eufemismo. Como incentivo à saída da França, o governo ofereceu 300 euros a cada adulto e 100 euros a cada criança. Muitos aceitaram e depois retornaram ao país.

 

Na Alemanha

 

Considerados como uma raça inferior pela Alemanha nazista, seu destino pode ser de alguma forma comparado ao dos judeus. Fichados pela polícia, eram obrigados a usar no peito, como distintivo, um triângulo marrom. Foram perseguidos e mortos. Aproximadamente 500 mil foram assassinados nos campos de concentração do regime. Toda a sua história é uma sucessão de perseguições, abusos e de forte rejeição dos povos que lhes negam a integração.

 

Na Alemanha, ainda hoje lutam para serem aceitos numa sociedade que os discrimina. Num espaço entre o Parlamento e o Portão de Brandemburgo, em Berlim, foi erguido em 2012 o Memorial aos Sinti e Roma da Europa Trucidados sob o Nacional-Socialismo. “Sinti” é o termo usado para designar os membros de um dos três troncos em que se divide o povo cigano. Os outros são os “romi” e os “caló”. A língua falada pelos sinti é um dialeto da língua romani cujo vocabulário tem grande influência do alemão.

 

Na cerimônia de inauguração do memorial, a chanceler Ângela Merkel disse que “cabe à Alemanha e à Europa dar apoio ao povo roma, onde quer que ele viva, não importa qual seja o país”.

 

Na Itália

 

Em 2018 o neofascista Matteo Salvini, enquanto Ministro do Interior, ordenou o recenseamento da população cigana para providenciar sua expulsão do território italiano. Segundo declarou, pretendia “verificar a presença de campos ilegais para elaborar um plano de expulsão”. Calcula-se que a Itália tenha em torno de 180 mil roma e sinti, uma das menores populações ciganas da Europa. Metade deles possui cidadania italiana e tem empregos nas diversas cidades e regiões do país.

 

A Associazione 21 Iuglio, de defesa dos direitos dos ciganos, denunciou uma manobra de Salvini, pois seu Ministério fez o levantamento de todos os campos de refugiados, ciganos ou não, com o objetivo de expulsá-los a todos. Sabe-se da obsessão dos partidos da extrema direita europeia, entre eles a Liga, de Salvini, em relação aos imigrantes e refugiados.

 

Na Hungria

 

“Eles estão a reproduzir-se como ratos, como parasitas”, foi o comentário mais replicado nas redes sociais húngaras em 2019, referindo-se aos ciganos. A Hungria é governada hoje pelo mais radical líder neofascista da Europa, Viktor Orbán, amigo do peito de Jair Bolsonaro e seus filhos. Ele conseguiu implantar uma ditadura de fato no país, fazendo uso e pretexto da epidemia do coronavírus.

 

Estimulado pelo governo, o racismo é crescente na Hungria e multiplicam-se os crimes relacionados ao preconceito. Há uma espiral de ataques violentos contra as comunidades ciganas. Há pouco, grupos neofascistas mataram seis pessoas dessa etnia, feriram vários, incendiaram casas e espalharam o terror em Budapeste.

 

A população cigana representa em torno de 10 por cento dos dez milhões de habitantes da Hungria. O governo Orbán tem aumentado a segregação, a começar das escolas primárias. Nevsija Durmish, responsável pelo programa de húngaro da Fundação de Educação Romani, diz que a segregação se manifesta de diversas formas. “Desde a colocação desproporcionada de alunos ciganos em escolas especiais para crianças deficientes, passando por aquelas destinadas apenas a ciganos, até à separação de turmas específicas de ciganos nas escolas comuns”.

 

A história dos ciganos é uma saga de violência, fuga e perseguições. A União Europeia, nos seus fundamentos, não reconheceu a sua existência e muito menos os seus direitos. Deixou-os de fora do estado de bem-estar social, sem emprego, saúde, educação e liberdade de circulação.

*Poeta, articulista, jornalista e publicitário

Foto: Depositphotos

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