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Opinião

O populismo de direita mostra sua cara com Marcelo Rech

O populismo de direita mostra sua cara com Marcelo Rech

Artigo por RED
11/05/2023 07:34 • Atualizado em 15/05/2023 07:33
O populismo de direita mostra sua cara com Marcelo Rech

De TARSO GENRO*

“A redução do estoque da dívida a partir de 2018, dá-se pela vigência dos termos da renegociação realizada em 2014, cujo aditivo foi assinado em 2017. Assim, a dívida passa a ser indexada pelo IPCA +4% de juros ou taxa Selic, o que for menos e não mais pelo IGP-DI +6. Com isso, apesar da suspensão do pagamento do serviço da dívida com a União, desde 2017, o estoque mesmo assim teve redução em termos reais. Em 2011, a arrecadação nominal de ICMS foi de R $19,5 bilhões.  Em 2014, a arrecadação nominal de ICMS foi de R $25,85 bilhões (arredondando, R $26 bilhões), sem aumento de impostos. O crescimento real de ICMS considerando o período do Governo Tarso comparado ao Governo anterior foi 18,6% acima da inflação. O RS obteve espaço fiscal para novas operações de crédito em função do aumento real de receita (7,5%) de ICMS alcançado no período de 2010 a 2014. Em todos os anos, o Governo Tarso atendeu aos limites de endividamento estabelecidos pelo Senado Federal, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal. A partir de 2015, o RS se mantém acima dos limites estabelecidos, impedindo o Estado de contratar novas operações para o financiamento do desenvolvimento”. O populismo de direita tem a propensão para mascarar a sua inépcia com anúncios bombásticos e a indicação de soluções fáceis e rápidas, normalmene viabilzadas pela violência. Sempre “nas costas dos outros.”

Os elementos acima mencionados são excertos de documentos técnicos da bancada do Partido dos Trabalhadores, que sempre foram disponibilizados à imprensa do Rio Grande do Sul e aos “formadores de opinião” em geral, mas nunca foram publicados de forma contrastada com os dados dos Governos posteriores, quando se iniciou – na visão de Marcelo Rech – o ciclo das maravilhas das gestões “liberais” no Estado, que nos levarão ao Paraíso da iniciativa privada ética e produtiva. Respondo ao artigo de Marcelo Rech em ZH, de 6-7 de maio, denominado “A hora do Rio Grande”, porque dirigi um daqueles Governos do passado, indiretamente mencionados por Rech como responsáveis pelo agravamento da crise no Rio Grande. O texto de Rech, um jornalista que transitou de boa-fé – creio eu – das expectativas esperançosas com o populismo de extrema direita que levou o país a um caos político degradante é um conjunto de “palavras-de-ordem” ideológicas, típicas daquele liberalismo que só se lembra que o Estado existe para atrapalhar a beleza e a honestidade da iniciativa privada. O populismo do extremismo de direita de Bolsonaro procura hoje, com a suas simplificações, retornar de forma esquiva ao identificar a nação com os empresários, a crise com o Estado Social de 88 e a esquerda com, segundo ele, o polo da gastança  irresponsável no serviço público.

A transição feita por Marcelo, depois insistir em várias oportunidade que tanto Lula como Bolsonaro eram “populistas”, demonstrando desconhecer minimamente o estatuto teórico e o significado de tal categoria política, foi processada sem um minuto sequer de dedicação a uma modesta reflexão conceitual sobre dois temas, cujo desconhecimento lhe levou a se tornar um mero apologeta do empresariado “ético” do Estado e, ao mesmo tempo, um um detrator absoluto dos seus servidores públicos. Nosso empresariado, majoritariamente golpista, merecia uma defesa mais fundamentada, porque o artigo de Marcelo Rech não diz uma letra sobre  o que é o populismo – em termos universais – e qual a natureza e o estágio atual da globalização capitalista, no seu ciclo rentista. Ciclo que agora prepara para novas guerras que vão alavancar a economia das grandes potências, não só com a produção de novas armas e novas técnicas de homicídios coletivos, – perpetrados entre os países capitalistas hegemônicos – mas sobretudo contra os pobres do mundo, sufocados por novas reformas para desmontar as funções públicas do Estado. Seu artigo, aliás, parece um grande anúncio voluntarista do próximo período histórico do Estado, muito semelhante àquele que ZH fez quando concebeu como “solucionada” – brilhantemente – a dívida do Estado, após o acordo Brito-Malan: “a boa nova é que o Rio Grande tem a chance de ser uma ilha de prosperidade e qualidade de vida” (…) “quando terá a chance de fazer valer (…) que a marca  ‘made in RS’ será cada vez mais sinônimo de tradição de qualidade, modernidade, tenacidade e trabalho duro e ético”. Não era uma ironia.

O parágrafo acima, se não fosse apenas um cortejo sem princípios aos empresários do Estado, que omite todas as demais classes e setores sociais do Rio Grande, poderia ser considerado apenas uma artimanha para não discutir a essência do atual populismo de direita, ora em reunificação com o protofascismo bolsonarista. A conjunção histórica que ocorreu no país, que reuniu o autoritarismo fascista com as ideias da nova-velha proposta “liberal”, para resolver as graves matérias que bloquearam o desenvolvimento do Estado, hoje são simplificadas como privilégios concedidos pelo Estado aos seus servidores, jamais aos seus empresários. Em consequência, cria o dogma de que a solução do endividamento dos Estados deve ser olhada apenas pelo polo da despesa para, a partir daí, impulsionar a tese da transferência do patrimônio público (em pregões de liquidação “total”) para a iniciativa privada. Tudo o que está posto no seu artigo da ZH se abriga – então – na seguinte fórmula: o populismo é o modo gastador de quem não defende o liberal-rentismo e apoia o Estado Social. Com esta posição de princípio Rech deixa de lado o fato histórico de que, em todas as experiências de gestão de crises financeiras contemporâneas, a austeridade da direita é sempre a pobreza e a fome, na base da sociedade, e sempre a acumulação privada e consumo suntuário, na ponta superior da pirâmide social. Não é gratuito que os adeptos da “austeridade” são os que não sofrem austeridade, que ainda não cansaram de elogiar Bolsonaro por conquistas “irrenunciáveis”: o ajuste (falso) das contas públicas (que não ocorreu), e a estabilidade fiscal (fictícia) que foi uma miragem.

É possível reunir uma montanha de dados para comprovar que o populismo de direita é inepto para propor políticas públicas de superação dos vários tipos de crises que submetem os Estados endividados. A demagogia de direita populista, porém, sempre adia o encontro de contas com a realdade porque sempre promete resolver os problemas sociais a longo prazo, com o sacrifício dos pobres, tratando das questões imediatas que atingem os humanos no horizonte longínquo que não se aproxima, não só sem humanidade, mas também sem perícia de gestão econômica. O populismo de direita tem uma concepção de superação das crises, então, que se move com dois sentidos políticos:  no primeiro, qualificam quem não aceita as suas fórmulas gerenciais desumanas, como demagogos populistas; e no segundo, utiliza esta expressão “populista”, sem nenhuma fundamentação conceitual, visando apenas dar suporte à simplificação fascista do pensamento econômico liberal, a partir de uma cega negação dos fatos históricos. Já em 2012 os mais sensatos concluíram: a dedução que se  extrai da política unidimensional da austeridade e de fortes cortes nos gastos do Estado de Bem-Estar, decretados pela União Européia, ao preço de evitar qualquer medida de estímulo, foi um fracasso em toda linha. Não há, no horizonte, sinais que animem a pensar que a continuidade desta política vai criar uma situação mais favorável, porque, em grande medida, está premida por cifras muito negativas.[1]

Seu argumento sobre o primeiro tema (o do populismo), mostra toda a sua aura de preconceitos contra o Estado Social e Constitucional de Direito, ao elogiar quem “resistiu às tentações populistas” e “fez reformas duras para superar um Estado inchado e perdulário” (para resolver o futuro do Rio Grande) “amparadas por correntes significativas da opinião pública que cansaram do discurso de preservação de privilégios estatais travestidos de defesa do patrimônio público”. Quanto ao segundo tema (natureza e etapa do globalismo financeiro), Rech não o  trata com conceitos, mas com preconceitos, sem lembrar o básico:: “quando rende mais o rentismo financeiro, ou seja, a aplicação em títulos e diversos “produtos” financeiros, do que abrir uma empresa e realizar um investimento produtivo, o dinheiro flui para onde rende mais: para ganhos improdutivos(…) que, no nosso caso, tem como consequência o fato de 82% do aumento da dívida resultar de juros acumulados, o que significa que estamos simplesmente alimentando especuladores financeiros. Segundo pesquisa de Carlos Luque (et al.) “desde 1995 o governo paga aos detentores da dívida pública o equivalente a 5-7% do PIB ao ano, muito mais do que o déficit das aposentadorias ou outros itens de gastos objetos de muita discussão no Congresso e na mídia….”[2]. O conceito de populismo abrigou muitas fórmulas acadêmicas divulgadas em todas as disciplinas e o seu uso é validado pelos argumentos mais diversos, abertos na esfera da política. Para Bobbio, por exemplo, sua tendência principal é considerar o povo “como conjunto social homogêneo” e depositário espontâneo do bem e do respeito, para justificar o autoritarismo de uma facção política”, povo que, para o autor – no caso – são as próprias elites empresariais. Com a negação da “legitimidade” (Mülher, Jean –Werner) dos adversários, como Marcelo faz em relação aos defensores do Estado Social – sempre identificados como populistas – ele disputa a ideia de uma “nação”, em que o povo sofredor não é sujeito nem ator, mas só objeto de um austericídio, sobre o qual o povo real não deve ser chamado a interferir, com a mediação das instituições e dos partidos políticos democraticamente funcionais.

O populismo de direita pós-moderno, que aqui no Brasil fez uma experiência nova, unindo a vocação ditatorial do bolsonarismo com um empresariado “liberal”, que não se importou com a vocação fascista do seu líder, agora tenta -esgotado o tempo de validade desta aliança espúria em direção a um golpe – emplacar uma revisão histórica manipulada. A situação financeira difícil e socialmente dramática que vivemos no Rio Grande nos últimos 50 anos – que claramente se degradou nos últimos nove anos –  começou a melhorar agora, graças à coragem dos Governos posteriores a 2014. Nenhum indicador social indica isso, em nenhuma área. Nenhum partido tem condições de mostrar este indicadores que interessam no mínimo a 2\3 dos gaúchos, mas o artigo de Marcelo já apontou os culpados deste atraso. E não são os negacionistas da pandemia, os privatistas alucinados, organizadores de milícias do bolsonarismo, os “arrochadores” dos salários dos funcionário do Estado, nem os depreciadores da educação e da saúde pública: os culpados são os defensores do Estado Social e da manutenção das funções públicas do Estado. Veremos se  o povo engole  mais essa nas próximas eleições!


*Ex-governador do RS, ex-prefeito de Porto Alegre, advogado, professor universitário, ensaísta, poeta. Foi ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça.

[1] GARRIDO, Diego López. Introdcción: Doce meses de desespeanza económica. EL estado de la Unión Europea El fracasso de la austeridade. Fundación Alternativas Y Friedrich-Ebert-Stifung. Madrid,pg.18

[2]DOWBOR, Ladislau O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit. Disponível em:https://sul21.com.br/opiniao/2023/02/o-dreno-financeiro-que-paralisa-o-pais-a-farsa-do-deficit-por-ladislau-dowbor/ Acesso em: 08 de maio de 2023

Imagem em Pixabay.

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