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Opinião

O Plano Plurianual e a retomada da democracia participativa no Brasil

O Plano Plurianual e a retomada da democracia participativa no Brasil

Artigo por RED
25/05/2023 05:25 • Atualizado em 26/05/2023 10:54
O Plano Plurianual e a retomada da democracia participativa no Brasil

De TARSON NÚÑEZ*

No mundo inteiro se discute hoje a chamada “crise da democracia”. Em todos os continentes se multiplicam os casos de governos autoritários, a polarização e a radicalização política, o ceticismo dos cidadãos e a descrença nas instituições. Gestores públicos, pesquisadores, jornalistas e cidadãos demonstram uma preocupação crescente com a erosão das instituições democráticas. No Brasil este processo foi muito intenso na última década, fazendo com que o grande desafio atual seja o da reconstrução do convívio democrático. O novo governo tem este projeto como uma prioridade. Para Lula, a crise da democracia deve ser enfrentada com mais democracia, com a ampliação da participação dos cidadãos em todas as decisões governamentais.

No dia 11 de maio, em Salvador, o governo federal lançou o processo participativo de discussão do Plano Plurianual (PPA). O chamado PPA Participativo é mais um passo no sentido de ampliar a participação dos cidadãos nas decisões do governo. Este plano, que estabelece as metas para os próximos quatro anos, vai ser resultado de um amplo processo de participação, que envolve discussões com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, a realização de plenárias abertas em cada um dos 26 estados e uma plataforma na internet. Nesta plataforma todos os cidadãos poderão votar nos programas a serem priorizados e até mesmo sugerir novas propostas e programas. Esta é mais uma iniciativa voltada para o estabelecimento de uma dinâmica mais intensa de participação dos cidadãos nas decisões do governo e é também o primeiro passo de um Orçamento Participativo em nível nacional.

O PPA participativo faz parte de um contexto maior de recuperação dos espaços de participação democrática no Brasil. Desde a sua posse, em janeiro, o governo já vem revitalizando os Conselhos Setoriais de políticas públicas, que vinham sendo esvaziados e descaracterizados desde o golpe de 2016. Agora estes conselhos estão novamente ativos e retomando a dinâmica de realização de conferências de políticas públicas em nível municipal, estadual e nacional. Além disso Lula recriou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, com a participação de 86 representantes de organizações sociais, instituições e movimentos sociais de todo o país. Este conselho é um espaço de debate com a sociedade civil acerca de um projeto de futuro para o país. Todas estas iniciativas têm como pano de fundo a criação de mecanismos de participação direta dos cidadãos nas decisões, ou seja, a ampliação e aprofundamento da democracia.

Além disso o governo vem criando estruturas voltadas para garantir que a construção das políticas públicas em nível federal conte sempre com espaços de participação direta da cidadania. No âmbito da Secretaria Geral de Governo foi criada a Secretaria Nacional de Participação Social, um espaço de que tem como objetivo articular as ações e estruturas participativas em todo os órgãos da administração direta e indireta da União e propor a sistematização da participação social no âmbito governamental. Esta Secretaria coordena o Fórum Interconselhos, que aglutina as representações da sociedade civil em todos os conselhos setoriais e que se constitui em mais um espaço de interlocução do executivo com a sociedade civil organizada. É neste contexto de ampliação dos mecanismos de participação que se insere o processo do PPA Participativo.

Segundo a legislação brasileira o PPA é a primeira das leis orçamentárias, um plano que deve estabelecer os programas de políticas públicas e os investimentos do governo para os próximos quatro anos. O PPA é a base a partir da qual se constroem as leis orçamentárias anuais. Nele devem constar todos os programas que deverão ser desenvolvidos pelo governo nos quatro anos subsequentes, com suas metas e indicadores de monitoramento. Além disso todos os grandes investimentos do governo, aqueles que têm uma duração superior a um orçamento anual, devem estar explicitados no PPA. O Plano Plurianual dialoga também com a redução das desigualdades regionais no país, pensando iniciativas voltadas para as regiões menos desenvolvidas, além de incorporar dimensões transversais, incorporando temas como políticas para mulheres, para a promoção da igualdade racial, criança e adolescente, pessoa com deficiência, água, primeira infância, entre outras.

A construção do processo participativo do PPA foi construída com a participação das representações da sociedade civil que se articulam no Fórum Interconselhos. Este Fórum que foi criado em 2011 para estabelecer um espaço de debate transversal das políticas setoriais, teve seu funcionamento interrompido em 2017 e foi retomado agora, participando do processo do PPA. O Fórum Interconselhos foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014. O prêmio United Nations Public Service Awards (UNPSA) apontou a importância da iniciativa na contribuição para o Plano Plurianual no Brasil. No PPA Participativo de 2023 o Fórum será um dos espaços fundamentais da elaboração do Plano.

Além desta discussão com os representantes nacionais da sociedade civil organizada, a construção do PPA Participativo passa também pela realização de Plenárias Estaduais, que serão realizadas em todos os estados da federação. Na sua primeira semana de atividades, que envolveu os estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Paraíba, mais de 9 mil pessoas estiveram presentes nestas reuniões. Nas plenárias são apresentadas e debatidas propostas de interesse de cada um dos estados, que deverão ser consolidadas na dimensão territorial do PPA. O público-alvo preferencial das plenárias são representantes da sociedade civil organizada, que tem nestas reuniões um espaço onde podem incidir sobre o planejamento das políticas e programas federais. Atividades deste tipo já tinham sido realizadas nas discussões dos PPAs de 2012-2015 e 2016-2019 e estão sendo retomadas no PPA Participativo.

A grande novidade deste ano é o estabelecimento de mecanismos que garantem a participação direta dos cidadãos neste processo de planejamento. O governo vai utilizar a internet e as novas tecnologias de informação para garantir que todo o cidadão interessado possa contribuir para a decisão de quais devem ser os programas a serem priorizados pelo governo federal. Através da Plataforma Decidim foi montado um sistema onde qualquer cidadão pode ter acesso ao processo de planejamento e manifestar suas preferências. Decidim é uma plataforma aberta e gratuita lançada em 2017, mantida e desenvolvida por uma comunidade de usuários com apoio da municipalidade de Barcelona. Através dela qualquer organização, grupo ou instituição, pode desenvolver um processo decisório democrático on-line.

Na Plataforma Brasil Participativo o governo disponibiliza um conjunto de programas de políticas públicas nos mais diversos setores de atividade. Cada cidadão pode acessar a página, se inscrever utilizando seu cadastro no e-gov e selecionar três programas prioritários entre as alternativas oferecidas. Os votos ficam visíveis mostrando em tempo real os números do apoio a cada um dos programas. Além disso há também um espaço onde qualquer cidadão pode incorporar novas propostas que também podem ser votadas pelos cidadãos. Nas duas primeiras semanas a plataforma já receberam votos e propostas de mais de 39 mil cidadãos.

Cabe agora à sociedade civil organizada e aos movimentos sociais ocupar os espaços que se abrem nos processos de decisão do governo. Os investimentos e as políticas públicas para os próximos quatro anos estarão sendo decididas agora, na elaboração do Plano Plurianual. Cada setor ou movimento deve se mobilizar no sentido de fortalecer as propostas que se sintonizam com as suas pautas. O impacto do voto popular é o que vai estabelecer a hierarquia das prioridades do governo. É a mobilização dos cidadãos, portanto, que vai garantir que determinadas pautas venham a nortear as políticas públicas.

O PPA Participativo é um experimento sem paralelo no mundo. A implementação de um processo de participação ampla e direta dos cidadãos no planejamento público em um país de dimensões continentais nunca foi experimentada nesta escala. Não é um processo perfeito, pelo contrário, é uma metodologia que vem sendo desenvolvida em tempo real, com todos os limites que isto implica. Mas sem dúvida é uma inovação que contribui para ampliar os espaços de discussão democrática das políticas públicas. Neste sentido é uma proposta que contribui para aprimorar e aprofundar a democracia no Brasil.


*Doutor em Ciência Política pela UFRGS e Pesquisador do Observatório das Metrópolis.

Imagem: divulgação do PPA.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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