Opinião
O pezinho da Barbie
O pezinho da Barbie
De SOLON SALDANHA*
Dentro de exatos sete dias, agora em 20 de julho, estará sendo lançado no Brasil o filme Barbie. O nome é daquela boneca, que ficou famosa no século passado. E não poderia ser outro, uma vez que conta uma história na qual ela é a protagonista. Nesta ficção, repleta de cor-de-rosa em quase todos os cenários, ela é expulsa de um local chamado Barbieland – muito criativo –, depois de determinarem ser ela menos do que perfeita. Por isso, o que lhe resta é partir para o mundo dos humanos, em busca da verdadeira felicidade. Não sabe nada, a coitada. Como se isso existisse por aqui.
As bonecas genericamente chamadas de Barbie foram criadas em 1958, sob encomenda, pelo designer Jack Ryan. Oficialmente apresentada em março do ano seguinte, na Feira Anual de Brinquedos de Nova York, era vista como um modelo teenager, vestida de modo impecável. Virou, graças a uma grande campanha publicitária e uma distribuição bem feita, em desejo mundial. Algo semelhante está sendo feito agora, com relação ao filme, com investimento milionário em marketing. A Warner foi aos poucos largando informações sobre os atores que estariam no elenco; a respeito da diretora escolhida – Greta Gerwig –, que tem uma carreira sólida; e com teaser trazendo referências que não se esperava. Isso tudo aumentou a curiosidade e, com certeza absoluta, trará uma bilheteria bastante compensatória.
Agora, não se pode deixar de dizer que o conhecimento sobre o público específico que o estúdio pretende atingir, fez com que alguns cuidados fossem incluídos. As meninas que desejavam as bonecas são mulheres agora. Talvez tão ou mais vaidosas do que a própria, que foi pioneira em oferecer roupas vendidas em separado, para que estivesse sempre na última moda. Em torno do brinquedo se criou um universo de consumo próprio, com casinha, objetos pessoais e até um namorado. Então, se a boneca tem os pés arqueados, sempre prontos para usar um sapato de salto alto, que se mantenha a mesma estética no filme. Mas, com uma sutil diferença: agora ele não está assim por praticidade, tornando-se um apelo de cunho erótico que é evidenciado por closes.
Escrito por José de Alencar e publicado em 1870, o romance A Pata da Gazela retrata a sociedade carioca daquela época de uma forma irônica. O autor cria um triângulo amoroso entre Horácio, Amélia e Leopoldo, com inspiração evidente em duas obras: a fábula O Leão Amoroso, de Jean de La Fontaine; e Cinderela, de Charles Perrault – que por sua vez havia se baseado num conto popular italiano, La Gatta Cenerentola (A Gata Borralheira). Alencar descreve uma paixão inexplicável de Horácio não por Amélia, mas por seu pé, que imaginava ser a própria perfeição.
Esse fetiche é mais comum do que se imagina. Seguindo apenas com exemplos literários, em Lolita (de Vladimir Nabokov) um homem adulto se encanta com os pés de uma menina; em Crime e Castigo (de Fiódor Dostoiévski) há um personagem que beija os pés de uma mulher; e nos quadrinhos Dennis Cramer criou Mara, uma mocinha que está sempre descalça. Na vida real, a atração se chama podolatria e oferece inúmeras variáveis, das mais leves a outras que beiram à tara. Neste universo, há os que gostam de ver, se excitam em tocar e até cheirar, sejam eles pés gordos ou magros, com ou sem adereços, unhas pintadas ou não. Por incrível que pareça, existem os adoradores de joanetes e até de chulé, fatores muito utilizados na indústria de filmes adultos.
Barbie tem Margot Robbie no papel principal, com Ryan Gosling sendo o seu Ken. A classificação indicativa dada para o longa é de 12 anos. Isso por si só revela que o filme não é exatamente uma produção feita visando o público infantil. A explicação dada é que ele “contém referências e breve linguagem sugestiva”. De positivo é que uma das bonecas – o filme mostra todas as suas versões, convivendo em harmonia fútil e festas intermináveis – começa a se dar conta de que o mundo real vai além do que elas fazem diariamente. E com isso se questiona sobre o sentido da vida, alarmando as demais, que adoram a própria alienação.
No bônus deixado pelo autor temos teaser (com referência explícita a 2001: Uma Odisseia no Espaço) e também trailer dublado do filme. Depois há o clipe da música Barbie Girl, com a banda dinamarquesa Aqua. Trata-se de um grupo de dance-pop que foi formado em 1989, por Lene Grawford Nystrøm, René Dif, Søren Rasted e Claus Norreen.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Imagem: reprodução de cena do filme Barbie.
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