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Opinião

O Fundo Amazônia e o desenvolvimento sustentável

O Fundo Amazônia e o desenvolvimento sustentável

Artigo por RED
22/01/2023 03:58 • Atualizado em 23/01/2023 16:43
O Fundo Amazônia e o desenvolvimento sustentável

O potencial de geração de riqueza é significativo, mas não é universalizável

De PEDRO BASTOS e DANILO FERNANDES*

Ainda não há consenso na luta internacional contra a emergência climática. Na COP27, nações ricas aceitaram contribuir para fundo compensando “perdas e danos” nos países mais pobres. Porém, rejeitam qualquer responsabilidade de indenização pelas emissões acumuladas na atmosfera, e pedem que países de renda média como o Brasil contribuam para o fundo, enquanto arcam por si próprios com enchentes e processos de desertificação.

O cenário para cooperação internacional é diferente no caso da Amazônia. Na posse do presidente Lula, o presidente alemão anunciou contribuição de R$ 200 milhões para o Fundo Amazônia (FA), logo reinstituído. Com a nova contribuição, o FA terá saldo em cerca de R$ 3,8 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões doados pela Noruega, podendo contar com doações de novos países em breve.

Apoio à restauração de áreas degradadas deve ser combinado com operações firmes de controle da grilagem

Nossa floresta tropical ficará ainda mais no centro da atenção e, se possível, da cooperação internacional, caso a COP30 seja realizada na Amazônia em 2025. Quais prioridades devem orientar a destinação das doações?

A impressão até agora é que, por si só, o FA não foi capaz de alterar a lógica das atividades produtivas na floresta. Com isso não queremos dizer que o BNDES, administrador de recursos em nome do Conselho Orientador do Fundo (COFA), poderia ter barrado a expansão indiscriminada de atividades predatórias que enriquecem poucos, o rumo da boiada que Bolsonaro e Salles deixaram passar e da decisão de abolir o COFA em 2019, interrompendo a aprovação de novos projetos.

Contudo, há um outro problema anterior. De 2009 até 2021, o apoio às atividades produtivas sustentáveis representou 27% do valor da carteira de projetos do FA, ou seja, R$ 479 milhões. Nesses doze anos, foram gerados R$ 254 milhões em receitas obtidas com a comercialização de produtos, relativamente pouco se considerarmos que a receita total gerada com extração vegetal só em 2020 foi de R$ 900 milhões, e com madeira legal foi de R$ 1,048 bi.

Notável é que, entre 2009-2020, a receita geral com extração vegetal aumentou 41%, mas com madeira sustentável, 1.185% (12 vezes). Ou seja, o FA parece ter contribuído pouco, como os demais órgãos de fomento regional, para atividades econômicas associadas a manejo e comercialização de produtos oriundos da floresta em pé.

Talvez isso se explique em razão da escala e da capacidade organizacional dos tomadores de recursos, considerando os custos elevados da regularização fundiária e ambiental e de capacitação para elaborar e acompanhar projetos. Enquanto a derrubada legal de madeira é um empreendimento de grande escala, a extração vegetal (frutas, castanhas e óleos) mantém a floresta em pé em várias áreas de ocupação camponesa e ribeirinha, quilombola ou não, em geral em pequena escala em territórios muitas vezes não regularizados e sob pressão do mercado de terras.

O aumento da escala não parece ser, em si, uma solução para o problema, pois grandes empreendimentos fora da pecuária, da produção de grãos e da extração de madeira tendem a recorrer à monocultura florestal, estimulando por tabela o mercado de terras. Ademais, a monocultura florestal deixa apenas uma parte da floresta em pé, prejudicando a biodiversidade que é condição de reprodução florestal e da própria monocultura a médio prazo.

Quanto à pecuária, o aumento da produtividade tem sido essencial para permitir sua reprodução ampliada sem pressão por novas pastagens em várias regiões brasileiras. Na Amazônia, porém, há um mercado de terras ainda em expansão, formando ciclos de incorporação de pastagens inseridas por grilagem no mercado, barateando seu preço de tempos em tempos. Tal mecanismo dificulta frear a expansão da pecuária de baixa produtividade sobre a floresta, mesmo com o avanço de fazendas mais modernas. Logo, o apoio à restauração de áreas degradadas deve ser
combinado com operações firmes de controle da grilagem.

No polo oposto, a imagem do futuro dos municípios amazônidas como centros da química fina e da biotecnologia avançada com base na diversidade ecológica não parece generalizável a ponto de transformá-la em modelo de desenvolvimento regional, assim como a mineração. O potencial de geração de riqueza é significativo, mas não é universalizável. Celso Furtado mostrou que qualquer polo associado à fronteira tecnológica combina concentração de renda e exclusão habitacional, exceto que os lucros sejam fortemente taxados para financiar infraestrutura coletiva e gasto social.

A desigualdade da qual se parte na Amazônia e o sistema tributário brasileiro tornam improvável um resultado menos polarizador na região, como os polos mineradores mostram a despeito da geração de riqueza.

Isso não desaconselha a pesquisa de ponta na Zona Franca ou além, nem a pecuária em áreas restauradas, tampouco o reflorestamento vinculado à extração de madeira ou à monocultura florestal, mas sugere priorizar doações à bioeconomia da sociobiodiversidade da Amazônia. Para manter a floresta em pé sem recorrer só à proteção, requer-se uma estratégia que garanta a reprodução material de população vasta ao longo da totalidade do bioma, em escala compatível com a preservação da diversidade, inclusive em unidades de conservação com manejo sustentável. Talvez a cooperação internacional, à medida que disponha de recursos doados como no Fundo Amazônia, possa apoiar
decisivamente tal bioeconomia, por exemplo financiando parcerias público-privadas em infraestrutura de pequeno porte e no fomento a atividades sociobiodiversas, dando escala à pequena produção através de apoio a cooperativas e outras formas de organização coletiva de unidades familiares, assim como ao refino industrial e à construção de
marcas internacionais.

A preservação do bioma amazônico não pode ser um projeto construído de fora para dentro, como um objetivo de “resgate” das florestas contra as populações e a suposta falta de conhecimento local. Só se enraizará e preservará a floresta se for um projeto construído coletivamente e com a participação produtiva dessas populações.

Leia mais: Fundo Amazônia e Desenvolvimento Socioambiental Inclusivo: Problemas e Recomendações


*Pedro Paulo Zahluth Bastos e Danilo Araujo Fernandes são paraenses, respectivamente professores de desenvolvimento socioeconômico na Unicamp e na UFPA

Publicado originalmente no Valor Econômico

Foto: TV Brasil

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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