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O frango sem cabeça que nasceu antes de Bolsonaro
O frango sem cabeça que nasceu antes de Bolsonaro
Por LUIZ CLÁUDIO CUNHA*
A galinhagem do bolsonarismo começou dez anos antes de seu Messias, o capitão Jair Bolsonaro, nascido em março de 1955. A espantosa revelação foi feita pela repórter Maria Clara Rossini, na última semana de novembro, na edição da revista Superinteressante. Ela conta a história inacreditável de Mike, um frango do Estado americano do Colorado que sobreviveu um ano e meio sem cabeça – uma proeza quase tão incrível quanto a sobrevivência nessas condições improváveis, já há seis anos, do aviário bolsonarista, que nasceu em 2018 quando o Messias do penoso e estridente criadouro voou para o poleiro mais alto da República.
Mais do que interessante, a saga sem pé (de galinha) nem cabeça de Mike é superintrigante. Em meados de setembro de 1945, uma semana após o término da Segunda Guerra Mundial, um casal de fazendeiros de Fruita, uma pequena cidade do Meio-Oeste americano, na fronteira do Colorado com Utah, hoje com sete mil habitantes, fazia seu trabalho no galinheiro: o abate de 50 aves diárias. Lloyd Olsen decapitava os animais e sua mulher Clara os depenava. Naquele 10 de setembro, ao contrário dos outros, uma das aves continua andando e batendo as asas, embora sem a cabeça. Por um acaso, o golpe do facão decepou boa parte da cabeça, mas manteve intactas a veia jugular, parte da orelha e outra do cérebro, responsável justamente pela respiração, digestão e outras funções vitais.
O frango decapitado, batizado com o nome de Mike, sobreviveu graças a um coágulo situado estrategicamente, que permitia que ele respirasse pelo esôfago e vias aéreas expostas. Os Olsen, com mais cabeça que Mike, começaram a ganhar dinheiro com aquela coisa bizarra. Levaram Mike e as outras carcaças ao mercado local, onde apostaram cerveja e dólares na existência de uma galinha viva sem cabeça.
Começaram então uma turnê pelos Estados Unidos, cobrando 25 centavos de dólar (hoje, cerca de US$ 4,40, ou R$ 27 reais pela cotação do dólar desvairado de hoje). Num único dia, faturaram mais de R$ 16 mil reais com o Mike decapitado, que atraía filas de mais de 600 curiosos. O frango vivo sem cabeça ganhou espaço até na prestigiada revista Life.
Afinal, como alimentar um Mike desmiolado? O casal Olsen usava um conta-gotas para pingar água e comida líquida diretamente no esôfago escancarado. Com uma seringa, Lloyd e Clara limpavam o muco acumulado na garganta. Com esses cuidados, Mike sobreviveu 18 meses e uma semana. Até a madrugada de 17 de março de 1947, quando o casal acordou de madrugada com o barulho da ave em agonia, num motel em Phoenix, Arizona, numa escala da turnê que cumpriam pelo país. Mike estava engasgando com o próprio muco, sem a seringa salvadora que poderia reparar a respiração. O casal havia esquecido a seringa na parada anterior e assistiu, impotente, à morte de Mike por asfixia.
A celebridade virou estátua em Fruita, onde todos os anos, em maio, acontece o celebrado Headless Chicken Festival, o Festival do Frango Sem Cabeça. O cerebral capitão Jair Bolsonaro já pensa em enviar Eduardo – o filho que fala inglês e aprendeu a fritar xisburger no Estado americano do Maine – para representar a família e a cacarejante criação de bolsonários nas próximas homenagens a Mike, símbolo comovente de uma população sem miolos.
No último censo conhecido, de 2003, a população de galináceos do mundo superava os 24 bilhões – três vezes mais do que os seres humanos do planeta. É uma infame maledicência da extrema-ixquerda e do Eixo do Mal dizer que a maioria deles vota no capitão. É uma grossa mentira. Somente Mike e uma minoria semelhante cometeu esse deslize, sem pé nem cabeça.
*Luiz Cláudio Cunha é jornalista, autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura (ed. L&PM, 2008), foi consultor da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014}. E-mail: cunha.luizclaudio@gmail.com.
Foto de capa: Brian Brainerd/Getty Images – Superinteressante
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