Opinião
O financismo e os crimes de Bolsonaro
O financismo e os crimes de Bolsonaro
De PAULO KLIASS*
O período do Carnaval de 2024 tem oferecido um espetáculo à parte para a maioria da sociedade brasileira. Para além dos tradicionais desfiles de escolas de samba e dos blocos para todos os gostos e dimensões, passaram a ganhar destaque as novas etapas de investigação da Polícia Federal (PF) e as revelações associadas às tentativas de levar em frente um golpe militar em nosso País. A semana do Rei Momo, normalmente dedicada à alegria e à folia, desta vez está marcada também pela divulgação dos avanços das investigações autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), envolvendo Bolsonaro e seus principais aliados, a respeito de atos anti-democráticos e de ações de preparação de terreno para a instalação de uma ditadura no Brasil.
A avalanche de imagens, declarações, vídeos, documentos, mandados de busca e apreensão, prisões e confissões compõem um amplo mosaico escandaloso, que poderia ser levado à avenida como um verdadeiro desfile de agremiação do grupo especial, com samba enredo próprio, alas especiais, carros alegóricos, passagens com os destaques sempre tão esperados e tudo o mais que se fizer necessário. Já foi dito inúmeras vezes que o roteirista de nosso Brasil é muito talentoso. Pois a temporada deste fevereiro só vem reforçar tal fato inquestionável.
O avanço dos inquéritos policiais e a acumulação impressionante de provas contundentes dos crimes praticados por integrantes do alto escalão do governo anterior oferecem todas as condições para esclarecer o envolvimento direto de Bolsonaro, de oficiais da mais alta patente das Forças Armadas e de políticos de seu núcleo duro. Para além da responsabilização pelos atos de 8 de janeiro de 2023, pelos atos terroristas de dezembro de 2022 e pelas denúncias mentirosas a respeito da inviolabilidade do nosso sistema de urnas eletrônicas, agora surgem comprovações de outras iniciativas criminosas, como a ABIN paralela e as minutas preparando o golpe militar em curso.
As elites se aproximam do extremista de direita
A busca pela ruptura da ordem democrática ficou cristalina. Mas esse desfecho não deveria surpreender tanto assim quem conhecesse minimamente a trajetória do indivíduo. Afinal, a história pessoal e política de Bolsonaro nunca fugiu a essa regra. O então coronel foi para reserva em 1988 como estratégia para não ser expulso dos quadros do Exército por atividades consideradas todas elas como de natureza ilegal e criminosa. Ao contrário do que deveria ser feito, ganhou a promoção a capitão. Naquele momento ele iniciava sua carreira como parlamentar pelo cargo de vereador eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em 1990 foi eleito deputado federal e, partir de então, ficou na Câmara dos Deputados por 7 legislaturas consecutivas. A sua carreira parlamentar medíocre só ganhava maior destaque quando ele se utilizava do mandato para declarações polêmicas e bombásticas. Era o caso de seus posicionamentos sistemáticos em defesa da ditadura militar, a favor da prática da tortura, propondo a estabelecimento da pena de morte e a defesa corporativa das ações mais ilegais e criminosas das Forças Armadas e das polícias de forma geral.
Quando sua candidatura a Presidente da República começou a ganhar maior densidade eleitoral ao longo de 2022, ele conseguiu finalmente estabelecer uma ponte com as elites econômicas e políticas do País. Em primeiro lugar, veio a retribuição ao então Juiz Sérgio Moro, figura central da força tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba. A partir daí teve início uma importante aproximação de Bolsonaro com a elite do mundo jurídico. Esse movimento foi reforçado com a nomeação do responsável pela prisão ilegal de Lula como o o todo-poderoso Ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Outro momento ocorre com a entrada do banqueiro Paulo Guedes na campanha eleitoral, apresentado como o futuro responsável pela economia em caso de vitória do candidato. A presença do economista monetarista e conservador em espaço de destaque no futuro governo abriu as portas dos salões de festa das classes dominantes a Bolsonaro. Aquele que era visto até então como uma figura tosca, alguém com um mínimo de civilidade e do preparo que se espera de um ocupante do Palácio do Planalto, passou a contar com o estratégico apoio e a simpatia de parcela dos endinheirados.
Olhos brilhando para Paulo Guedes
A decisão de delegar a Paulo Guedes o discurso e a responsabilidade a respeito de temas econômicos contribuiu para eliminar boa parte das resistências até então existentes ao capitão. A incapacidade de constituição de uma terceira via com força eleitoral levou a uma polarização entre as candidaturas de Bolsonaro e Haddad, em razão do impedimento ilegal de Lula sair como postulante. As elites preferiram aderir à garantia oferecida por Paulo Guedes de que seu programa extremista seria o adotado pelo chefe.
Assim, as elites passaram a sonhar com um governo que levasse à frente o projeto de Estado mínimo, que privatizasse todas as empresas estatais e que levasse a sério a austeridade fiscal absoluta. Assim, finalmente, teríamos aqui na Esplanada de Brasília um superministro que havia iniciado sua experiência profissional ao fazer política econômica como aprendiz do monetarismo extremado sob a ditadura militar no Chile do General Augusto Pinochet. Os grandes meios de comunicação não cansavam de mostrar o entusiasmo das principais lideranças do grande capital. Era a oportunidade ímpar de desalojar o PT do poder e ainda de ali colocar um autêntico liberal no comando unificado dos antigos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Indústria e Comércio e também o do Trabalho. Afinal, nunca antes na História deste País. (sic)
Vieram os esperados quatro anos de desgraça. Ou seja, o apoio a Bolsonaro desde 2022 já era uma encomenda certa e segura daquilo tudo em que seu governo se transformou ao longo do mandato apoiado pela Faria Lima. Não havia espaço algum para qualquer tipo de surpresa ou arrependimento. Sabiam exatamente o que propunham ao chamar o voto no candidato que nunca havia escondido seu machismo, sua homofobia e seu estímulo público ao cometimento de crimes, como estupro.
Pois agora, estas mesmas elites encomendam aos seus escribas e porta vozes uma operação de saída envergonhada do campo minado. Mal conseguem conter seu descontentamento com as revelações escandalosas dos crimes cometidos pelo ex presidente, por integrantes de sua família e por sua quadrilha no poder. Dizem estar inconformados com as provas e as denúncias comprovadas, como se nada soubessem até anteontem. Tudo se passa como se a tentativa filmada e registrada de golpe perpetrada dias depois da posse não fosse nada mais do que a desventura de grupos desorientados. Coitadinhos (sic)!
Financismo é cúmplice dos crimes de Bosonaro
No entanto, à medida em que as investigações continuaram a se aproximar do núcleo duro do bolsonarismo, a operação “afastamento” exigiu um grau mais elevado de sofisticação. Aqueles que faziam campanha descarada por Bolsonaro e Paulo Guedes até pouco tempo atrás, agora despontam como paladinos antigolpistas e evitam qualquer tipo de mea-culpa pela responsabilidade direta na tragédia que o Brasil vivenciou. Porém, na verdade, o financismo é cúmplice direto dos crimes cometidos pelo bolsonarismo. As lideranças do sistema financeiro foram decisivas para que o projeto político do bolsonarismo ganhasse corpo e viesse a ocupar o Palácio do Planalto.
A banca apostou todas as suas fichas na opção que impedisse a volta do PT em 2022 e operou para que o programa liberaloide extremista de Paulo Guedes obtivesse sucesso ao longo do quadriênio bolsonarista. Os mais “civilizados” dentre eles, procuravam o consolo de tapar o nariz para tudo aquilo que era considerado um “excesso” do governo. Uma loucura! E dá-lhe apoiar Paulo Guedes e seu chefe a todo custo, uma vez que os benefícios econômicos e patrimoniais de tal estratégia seriam estrondosos.
Agora fingem um indisfarçável “espanto” com as revelações que vêm à tona em ritmo de avalanche. Afinal como foi possível que isso tudo tenha acontecido? – lamentam os porta vozes das elites supostamente arrependidas. No entanto, não enganam mais ninguém com essa “surpresa” que não se sustenta como desculpa de nada. Quem colaborou ativa e passivamente para a vitória é tão responsável quanto aqueles que se calaram durante os escalabros criminosos praticados por Bolsonaro e sua quadrilha. Movidos pelo ódio de classe que tão tragicamente marca nossas elites desde sempre, os grupos dominantes aproveitaram também o espaço oferecido por Guedes para multiplicar ainda mais o acesso às benesses propiciadas pelo Estado.
A lista interminável de crimes praticados pelo inelegível tem as digitais do financismo. E seus dirigentes serão cobrados pela História por tal cumplicidade.
*Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Imagem em Pixabay.
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