Opinião
O fascismo na espreita
O fascismo na espreita
De LINCOLN PENNA*
– Por que o fascismo seduz as massas? –
Não, as massas não foram enganadas, elas desejaram o fascismo em determinado momento, em determinadas circunstâncias, e isto é o que precisa ser explicado, ou seja, essa perversão do desejo gregário.
Gilles Deleuze e Felix Guattari
O fascismo é a degenerescência do capitalismo e, particularmente de sua lógica, que se encontra fundada na ideologia do capital e é reproduzida na sociedade civil através de seus aparelhos ideológicos veiculados pelos meios midiáticos. Esta absorção de seus supostos valores a serem preservados produz uma sensação segunda a qual há sempre um risco derivado de ameaças dos que visam a remoção da sociedade submetida à essa lógica da usura. E essa ameaça tem um nome: o comunismo e seus derivados, geralmente assim usado para esconder a origem de onde parte a insatisfação do que acontece nessas sociedades monitorados pelo senhor mercado.
A origem dessa ameaça para os ideólogos do fascismo e expressa, na verdade, pela força de trabalho, sugada e explorada pela ânsia da acumulação. Fica diante dessa narrativa bem patente a presença das lutas de classes, exaustivamente identificada e examinada por Karl Marx na busca de sua concepção histórica, válida como tem sido demonstrado até os nossos dias. Antidemocráticos por excelência, os algozes do mundo do trabalho estimulam a descrença nas instituições, nos valores legais e constitucionais e estimulam os atos extralegais, a partir de valores absolutamente abstratos. Tudo como parte necessária à preservação de um modo de produção e de vida que garanta os seus privilégios.
A pergunta constante do subtítulo faz sentido porque nas primeiras experiências fascistas a participação ativa ou meramente passiva – não importa – das massas populares foi indiscutível. A ressurreição do fascismo como fenômeno político que ele o é fundamentalmente conta com expressiva adesão em relação às suas demandas, haja vista o que ocorreu eleitoralmente nos estados subordinados à esfera do grande capital concentrado no bloco das burguesias mais bem situadas no cotejo das economias capitalistas centrais, até agora não diretamente atingidas de forma transparente pelo fenômeno fascista, por enquanto.
Por falar dessa primeira e grande demonstração de força do fascismo, logo após o término da Primeira Guerra Mundial decorrente do fato de algumas burguesias terem sido profundamente afetadas pelo desfecho da guerra de 1914 a 1918. Acrescida essa situação de humilhação devido aos termos dos armistícios, emergiu a “ameaça” do socialismo vitorioso na Rússia em 1917 e que no início da década de 1920 constituiria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que iria fomentar ainda mais os discursos raivosos contra os liberais e os comunistas, de modo a dotar o nazi-fascismo de uma suposta terceira via entre o capitalismo decadente e o comunismo ascendente.
Como se tratava de uma guerra Inter imperialista que já tinha sido assim avaliada pelo principal líder soviético, Wladimir Lênin, o seu resultado fez surgir com toda força uma nova potência econômica e militar, os Estados Unidos da América. Beneficiada pelos desdobramentos dessa guerra centralizada basicamente no território europeu, a presença de um novo ator internacional com tendência a ganhar possíveis adesões, como a URSS, o que fez reaproximar as burguesias nacionais então em disputa de áreas de influência resultando daí uma estratégia de cerco e isolamento da República socialista que ascendia no panorama internacional.
A grande depressão iniciada em 1929 com o “crack” da bolsa de Nova York, que se estendeu até pelo menos 1933, favoreceu à tese de uma solução intervencionista por parte dos estados, fossem eles de caráter capitalista ou como ocorreu naturalmente também com outros estados tendencialmente autoritários como a Alemanha, uma vez que a Itália já antecipara essa forte presença estatal nas atividades econômicas. Claro que os fascistas vão se beneficiar dessa alternativa criada pelas circunstâncias para reforçar a suas críticas ao liberalismo inconsequente até então. O discurso contra a fragilidade liberal e o temor de uma vitória comunista ajudou ao destroçado povo alemão a apostar suas fichas no nazismo ascendente.
Nas eleições de 1928, 1930 e, principalmente, nas de 1932, o Partido Nacional-Socialistas (curiosa sigla a adotar a denominação socialista), ou seja, os nazistas são progressivamente os grandes vitoriosos. Com isso, não restou senão a sua ascensão consagrada no ano de 1933 por terem sido beneficiados com a nomeação no cargo de primeiro-ministro de sua principal liderança, Adolf Hitler. O resto todos e todas sabem exatamente como evoluiu a situação política naquele país, com a criação do Terceiro Reich a evocar um passado tido como glorioso.
Com o reforço de um apelo voltado para sensibilizar os incautos, como a defesa da família, da ordem e do orgulho de uma Alemanha que se reencontrou desde o último quarto do século XIX para surgir como uma força no cenário mundial, portanto um forte apelo chauvinista próprio do fascismo onde quer que ele esteja presente, não foi difícil contagiar aquelas massas desiludidas com a política e os políticos julgados como incapazes. O engajamento foi imediato e foi construída uma poderosa base de sustentação ao regime, tal como ocorrera antes na Itália.
No que concerne ao que se passa no mundo que nos é coetâneo não é difícil identificar as causas que vêm trazendo de volta o fascismo. De um lado, a crise mais do que cíclica, diria orgânica e crônica do modo de produção capitalista agora sob a bandeira da financeirização, sempre embalada pela acumulação desenfreada, com os altos custos sociais, tais como a progressiva.
A questão que se coloca é a seguinte: o que se esperar dessa situação? Mesmo não se tendo uma real impossibilidade de se aventar qualquer prognóstico tendo em vista as muitas coordenadas que operam no intrincado mundo de hoje, pode-se dizer no máximo que vivemos tempos tenebrosos. Os tais eventos extremos, conceito que vem sendo aplicado às questões ambientais pode ser também adotado como um conceito para definir o que se passa nas relações entre os povos sem perspectivas de um ambiente de paz mais duradoura porque não dependem deles as decisões dessa natureza enquanto vigorar o desalento e não se lograr unificar as forças sociais mundo afora com vistas à remoção dessa realidade ingrata aos povos e o seu desejo de paz e prosperidade.
Por outro lado, nos países periféricos dessa economia capitalista as tendências regressistas têm avançado, e esse avanço se faz orientado por valores tradicionalistas mais conservadores e reativos às mudanças sabidamente tão necessárias. Daí o apoio às correntes salvacionistas, extremistas e anti-sistêmicas. São ameaças concretas aos princípios clássicos da democracia, sem adjetivos porque estamos falando de elementos básicos da civilização.
A fúria da intolerância centrada na suposta apatia dos representantes do povo ou desvios reais ou fantasiosos das instituições políticas seduz o cidadão comum, que desiludido e pouco afeito às contradições dos embates políticos se refugiam sem saber ou ter consciência nas práticas alheias às normas e princípios democráticos. Aumenta com isso o desencanto pelas soluções oriundas dos poderes públicos, anteparos da democracia institucional. Esse comportamento de descrédito favorece o fascismo em suas expressões mais contundentes e antidemocráticos.
Assim, crescem as práticas extralegais fomentadas pela ação demolidora de quem visa recrutar parcelas do povo para que, iludidos, venham a dar suporte aos intentos dos que se abrigam no fascismo. Insidioso o fascismo não precisa se apresentar como tal, basta fazer crescer a insatisfação, muitas vezes justas, para incorporá-las às hordas demolidoras da ordenação pública em nome de uma esperança em vão.
*Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).
Imagem em Pixabay.
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