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Opinião

O Fascismo e a Lógica do Capitalismo

O Fascismo e a Lógica do Capitalismo

Artigo por RED
29/06/2023 05:30 • Atualizado em 30/06/2023 16:28
O Fascismo e a Lógica do Capitalismo

De LINCOLN PENNA*

Em nome da “modernidade”, da globalização e outras bandeiras desse liberalismo pernicioso, criou-se uma onda irresistível e, num piscar de olhos diante da história a Argentina percebeu-se sem nenhuma carta na mão para enfrentar o jogo do capitalismo voraz, ou como referem alguns as regras do livre mercado. (…) Não será a hora de acordar e de exigir, como condição primária, que nossos governantes tenham o mínimo de sensibilidade e sentido de interesse público?
(“Uma luta desigual”, de Barbosa Lima Sobrinho, JB,02/01/2000).

As ideias acima demonstram a atualidade deste artigo publicado há mais de 22 anos, e curiosamente o que se passava na Argentina no início deste século está ocorrendo hoje em dia. Não existe coincidência e sim reincidência da crise do capitalismo de nossos dias. Para tanto, vale a pena propor uma reflexão sobre a escalada dessa crise reincidente na economia sob o mando do capital.

É sabido que em tempos de crise aguda ou recorrente o apelo a medidas excepcionais costuma ser adotado pelos donos do poder com vistas a frear a irradiação nos mercados mundiais e restabelecer alguma credibilidade abalada pelos seus efeitos. Trata-se de uma maneira de exercer tanto quanto possível um controle dos desdobramentos de mais um ciclo perverso do capitalismo.

Dentre essas medidas, no plano político, se encontra o uso da força repressiva contra toda e qualquer manifestação de descontentamento invariavelmente presente nessas ocasiões mais críticas. Afinal, como veremos mais adiante, os principais agentes dos interesses do capital não renunciam a ações algumas delas até extralegais desde que surtam os efeitos desejados. Ou seja, desde que tranquilizem o mercado, entidade geralmente colocada acima dos interesses do povo.

No âmbito da sociedade civil, o crescimento do fascismo, que atende também para alguns pelos nomes de ultradireita, extrema-direita ou mesmo nova direita tem representado nada mais do que o prenúncio da falência da democracia liberal. Com isso, a convivência entre capital e trabalho tende a se esgotar, uma vez que harmonizá-los como tentou minimamente a socialdemocracia parece esgotada para ambos os lados de uma sociedade cada vez mais intolerante por parte dos donos de capital.

Os tempos do capitalismo capitaneado pelas indústrias parece que não voltam mais, desde que a hegemonia absoluta do capital financeiro tomou conta das rédeas do funcionamento do capitalismo. Barbosa Lima Sobrinho ao adjetivar essa fúria dos interesses do capital em seu artigo ao denominá-lo de voraz, já denunciava o que viria adiante, mercê de seu tirocínio pouco comum entre os articulistas.

Essa voracidade que passou pelo desprezo pelas demandas dos trabalhadores é uma realidade da qual não se pode mascarar. Até então, quando vigoravam as negociações entre empregados e empregadores negociava-se dentro de uma esfera na qual predominava a redução senão a recomposição de perdas salariais. Era possível em função do peso da massa de assalariados nas unidades de produção. Mas, com o neoliberalismo essa situação mudou dado que esse peso provocado pelo forte contingente do setor industrial diminuiu drasticamente em proporção ao que era à época anterior à vigência do capital financeiro.

O que tem a ver essa situação do capitalismo com o ressurgimento do fenômeno fascista? Eis uma pergunta que deve ser feita e sobre a qual não se deve ignorar.

Com o desemprego grassando e colocando mais pessoas ao relento do sistema de produção, essa quantidade de gente despossuída de tudo tornou-se presa fácil para os sempre algozes da democracia, uma vez que usam contingentes sociais que se sujeitam a servir a toda sorte de empresa que lhes ofereçam. É essa malta desorganizada e refém dos agentes do poder que historicamente têm alimentado as insurgências de tipo fascista. Claro que aliado a isso a angústia de uma classe média que também tem sofrido com perdas a se integrarem com facilidade a chamamentos em nome da ordem.

Os ideólogos fascistas e os seguidores do fascismo, mesmo que estes não se assumam como defensores desta ideologia, sustentam os discutíveis valores por eles apregoados, tais como família, ordem e propriedade. Discutíveis pelo fato de apresentarem em seus pobres argumentos distorções inaceitáveis. Vejam caso por caso.
Em relação à família tomam como referência o modelo padrão rejeitando a diversidade da formação das unidades familiares. A ideia de ordem passa pela preservação de um conservadorismo reativo a qualquer mudança na ordem social. E, no que diz respeito à propriedade rejeitam a socialização absolutamente necessária tratando-se de uma sociedade profundamente desigual e carente de acesso a um pedaço de terra ou de abrigo digno.

É importante que se sublinhe que também ninguém bate no peito em defesa do capitalismo se indagado sobre o seu posicionamento a respeito, porém todos ou quase todos seguem inconscientemente a lógica do capital. Ou seja, a grande maioria das pessoas tem priorizado o ganho de dinheiro, em alguns casos este valor é colocado acima de tudo em suas vidas. Uma coisa é o desejo de viver bem, outra coisa consiste em atropelar seus semelhantes não importa de que maneira para se dar bem. Esta é o que se chama lógica do capitalismo. Portanto, não basta superá-lo se não o fizermos liquidando sua lógica. Uma nova sociedade precisa suplantá-la, do contrário sua persistência impede objetivamente a realização de uma nova relação entre os seres humanos.

E no momento quando essa lógica sofre abalos pela indignação de massas destituídas de bens fundamentais para sua sobrevivência, os privilegiados tementes de eventuais perdas não hesitam em se refugiarem nas hostes fascistas. Este é um dado de realidade. Por isso mesmo toda a cidadania deve estar atenta e forte, caso contrário podemos experimentar o amargo remédio dos bens nascidos a defenderem os seus interesses, porque o fascismo não é um fenômeno que atende aos despossuídos. Ao contrário. Atentem, pois.


*Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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