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O ESCÁRNIO DOS COLETES

O ESCÁRNIO DOS COLETES

Artigo por RED
11/05/2024 13:26
O ESCÁRNIO DOS COLETES

De SOLON SALDANHA*

Se as campanhas de solidariedade que estão sendo agora promovidas e veiculadas nos meios de comunicação, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, fossem minimamente honestas, deveriam adotar um slogan tipo “Façam aquilo que nós não fazemos”. É um verdadeiro escárnio ver o governador Eduardo Leite (PSDB) posando com o colete da Defesa Civil, uma vez que ele desidratou ao extremo o orçamento para esse órgão. Desde que assumiu o seu primeiro mandato, em 2019, a verba definha a cada ano, não conseguindo garantir nem mesmo as operações mais triviais e rotineiras. Quando da enchente anterior, em setembro do ano passado, o Governo Federal precisou enviar R$ 211 milhões para complementar o que era obrigação do Governo do Estado. Agora Leite informa uma chave PIX, para que a sociedade destine recursos que ele deveria ter garantido. Aliás, estranhamente a chave é de uma entidade privada que sequer tem site e presença nas redes sociais.

O prefeito Sebastião Melo (MDB), por seu turno, outro que não troca esta peça da vestimenta desde o início da crise, fazendo questão de usar colete semelhante nas cores laranja e cinza, sucateou o sistema de prevenção e contenção de enchentes, propositalmente. Basta conferir os dados oficiais: em 2021 investiu R$ 1,7 milhão, em 2022 a quantia de R$ 141 mil e em 2023 nem sequer um único centavo. Convém registrar que Porto Alegre possui o melhor sistema de proteção contra enchentes de todo o Brasil, que veio sendo construído em etapas, desde 1941. Cerca de um bilhão de dólares custou todo ele, em valores atualizados, se somarmos tudo o que foi feito ao longo de décadas. Todas as pessoas conhecem o Muro da Mauá, mas existem diques, várias casas de bombas, comportas de superfície e gravidade, sem contar com uma estrutura predial existente junto à Usina do Gasômetro. Só que todo esse cuidado da engenharia foi colapsado pela falta de manutenção.

Com essa atual enchente duas comportas não resistiram à pressão da água. Estavam todas enferrujadas, corroídas de tal forma que uma outra, na região central da cidade, precisou ser acionada através de tração motora oferecida por uma máquina retroescavadeira. O descaso de Melo chegou a deixar sem graxa o mecanismo. Pintura então, nem falar. Quanto às comportas de gravidade, que ficam submersas nos poços das casas de bomba, a prova maior de que não entraram em operação está no fato das águas estarem nos esgotos e deles brotarem. Pararam de operar porque é cara a sua manutenção, uma vez que depende de especialistas em mergulho muito qualificados. Vejam que existem R$ 428,9 milhões em caixa para isso, que permanecem intocados. Melhor é investir em agradinhos e em isenções para a construção civil.

Até 2019 Porto Alegre contava com o DEP – Departamento Municipal de Esgotos Pluviais. Ele então foi incorporado ao DMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto, que por sua vez vem sendo destruído de forma proposital, aos poucos, para a entrega à iniciativa privada. Hoje o número de funcionários foi reduzido para menos da metade. E Melo não aceitou que novos fossem contratados. Importante lembrar que, quando o DEP existia, era considerado modelo e o único em todo o país a cuidar da drenagem em um primeiro escalão, com ênfase à proteção da cidade. Havia planejamento e execução de obras e serviços, que focavam além do tempo de cada gestão. Tudo voltado, portanto, às necessidades da população.

A Defesa Civil, conforme consta no teor do Decreto nº 7.257, datado de 4 de agosto de 2010, se tornou um órgão integrante do mais abrangente Sistema Nacional de Proteção. O órgão tem como objetivo atuar em todas as diversas “fases de prevenção, mitigação, preparo, resposta e reconstrução de cenários, nos desastres naturais ou tecnológicos”. No Rio Grande do Sul ela está subordinada à Casa Militar, de civil só tendo o nome. O comando geral, a subchefia e as divisões e centros operacionais têm coronéis à frente. E há uma profusão de outros militares, com ênfase para as patentes de tenente-coronel, major e tenente, com um ou outro sargento nas funções menos relevantes.

Considerando que está na lei ser a prevenção uma das obrigações da Defesa Civil, nenhum destes inúmeros militares – contei 41 em leitura rápida feita no site da Casa Militar – tratou de cobrar que fosse feita a manutenção necessária nas estruturas de segurança? Logística não é algo do que todos eles se orgulham? Se fosse uma guerra, iriam para o campo de batalha sem saber da confiabilidade do equipamento que lhes fosse fornecido? Evidente que nada impediria a enchente de acontecer. Mas, com absoluta certeza, seus efeitos poderiam ter sido menores. Entendo que, além de comando, recursos também são fundamentais. Então, falharam muito mais do que eles os civis eleitos ou colocados na administração por escolha dos mandatários. Mas, o sofrimento e as perdas recaíram sobre a população. E nenhum destes, usem fardas ou coletes, será afastado de suas funções. No caso do prefeito, pelo menos não antes da eleição que ocorre no mês de outubro, quando ele buscará votos para tentar permanecer no cargo.

08.05.2024

P.S.: O secretário municipal do Desenvolvimento Social, Léo Voigt, entrou em férias na sexta-feira e viajou para a Europa. É de responsabilidade da sua pasta “dedicar-se a garantir ao cidadão porto-alegrense em risco ou vulnerabilidade social o acesso aos direitos sociais básicos”, segundo o site da prefeitura. Importante lembrar que era da sua alçada o contrato com a rede de Pousadas Garoa, da qual uma unidade pegou fogo dias atrás, com dez vítimas fatais. Ele também deveria estar presente e atuante no enfrentamento da atual crise, com a enchente impactando na vida de tantos cidadãos.

 

Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.

Imagem: Reprodução / Governo Estadual

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