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Opinião

O dia do Patriota

O dia do Patriota

Artigo por RED
06/09/2023 05:30 • Atualizado em 08/09/2023 00:00
O dia do Patriota

De FLAVIO AGUIAR*, de Berlim


Ainda que a lei do “Dia do Patriota” tenha sido revogada após repercussões negativas em todo o Brasil, chegando até o Supremo Tribunal Federal (STF), a RED julgou oportuna a publicação do artigo abaixo, de Flavio Aguiar, pelo grau de impropriedade da decisão anterior, tanto por parte da Câmara quanto por parte do prefeito Melo.

Considerando seu caráter ofensivo ao Estado Democrático de Direito na atual conjuntura social e política, é fundamental que sigamos debatendo o tema, que versa sobre a composição dos nossos poderes legislativos em todo território nacional.


Câmara de vereadores suja a história de Porto Alegre

A decisão da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, proclamando o 8 de janeiro como “O dia do patriota”, em comemoração à tentativa de golpe de Estado naquele dia nefasto e nefando deste 2023, decididamente suja, emporcalha e avacalha (com perdão dos bichos concernidos) a história da cidade. Esta é a pior Câmara de Vereadores que a cidade já teve. Para completar, o pior prefeito que a cidade já teve, este que aí está, lavou as mãos no emporcalhamento: nem assinou, nem vetou, deixou rolar, na melhor tradição de Pôncio Pilatos.

Porto Alegre tem história. Fez história. Nela cresceu o caldo de cultura libertário que fez parte da Revolução Farroupilha, com o padre Chagas, Pedro Boticário e tantos outros naquele momento em que ideias progressistas cruzavam as ruas do então modesto burgo. Retomada pelos imperiais, foi palco de uma repressão brutal e implacável.

Bem mais tarde, foi cenário de um movimento inusitado. Quando do golpe da proclamação da república, os partidários da nova ordem saíram pela cidade, rebatizando logradouros: assim a cidade se cobriu de nomes como “Rua da República” e “Praça Marechal Deodoro”, embora esta continue guardando o simpático e popular nome de “Praça da Matriz”, por sobre os conflitos políticos.

Em Porto Alegre, para o bem e para o mal, começou a Revolução de 30, introduzindo o Brasil nos espaços da modernidade do século XX, a despeito da resistência da burguesia de outros estados, como a de São Paulo, que, no fundo, não desejava que o Brasil se industrializasse de verdade nem que desfrutasse de uma classe trabalhadora urbana e ativa.

Porto Alegre teve prefeitos conservadores ilustrados, como Loureiro da Silva, e progressistas, como Leonel Brizola. Este, quando governador do estado, desenhou a primeira reforma agrária efetiva do país.

Foi palco da primeira resistência bem sucedida a um golpe militar e reacionário, com a formação da Rede da Legalidade, em 1961, com a liderança do mesmo Leonel Brizola.

Foi a última capital da resistência a cair sob o tacão do golpe de 1964. Foi a capital de estado onde nasceram os movimentos ecológicos no Brasil, em 1972, com a defesa das árvores da avenida João Pessoa, em frente à Faculdade de Direito.

Posteriormente, foi sede de prefeituras progressistas que introduziram o Orçamento Participativo no contexto político brasileiro, receberam reconhecimento e prêmios internacionais, e abriram o espaço da cidade para a criação do Fórum Social Mundial, quando recebeu o título informal de “capital do século XXI”.

Há mais para citar. Mas isto basta para mostrar no quanto de história esta decisão idiota da Câmara de vereadores e a omissão pôncio-pilática do atual prefeito estão cuspindo, consagrando a transformação em 8/1/23 da Praça dos Três Poderes em Brasília na latrina dos movimentos da extrema direita golpista, antidemocrática, estúpida, violenta e quantos outros adjetivos se possa imaginar.

Antigamente a gente dizia: “não passarão”. Hoje, seguindo a lição de Mario Quintana, dizemos: “eles passarão. Nós, passarinho”.


* Jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Imagem em Pixabay.

Artigo publicado originalmente no portal a terra é redonda.

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